Correio braziliense, n. 19970, 26/01/2018. Política, p. 3

 

Juíz proíbe Lula de viajar para o exterior

Renato Souza

26/01/2018

 

 

JUSTIÇA » Titular da 10ª Vara Federal de Brasília determina a apreensão do passaporte do ex-presidente, que embarcaria hoje para a Etiópia a fim de participar de evento da FAO

A viagem do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva para a Etiópia, na África, que deveria ocorrer hoje, acabou frustrada por uma decisão da Justiça. O juiz Ricardo Leite, da 10ª Vara Federal de Brasília, determinou ontem a apreensão do passaporte do petista. A decisão foi tomada a pedido do Ministério Público Federal (MPF). A Polícia Federal recebeu a notificação poucos minutos depois. O magistrado determinou que, além de recolher o documento, a corporação deveria enviar avisos para portos, aeroportos e unidades policiais de fronteira para impedir a saída do ex-presidente do território nacional.

O mandado de apreensão do passaporte foi entregue ao diretor-geral da PF, Fernando Segóvia, que comunicou a decisão por telefone ao titular da Justiça, Torquato Jardim. O ministro recomendou que a notícia fosse repassada ao ex-presidente na casa dele, para evitar constrangimentos e o acirramento dos ânimos entre os militantes petistas. A decisão foi tomada no âmbito do processo que investiga um suposto tráfico de influência do ex-presidente na compra de 36 caças Gripen NG da empresa sueca Saab. A medida ocorre um dia depois de o Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) confirmar a condenação dele no processo que teve origem nas investigações da Operação Lava-Jato, mas não tem relação com o caso.

A investigação que aponta a influência de Lula na compra dos aviões de combate corre no âmbito da Operação Zelotes, deflagrada pela Polícia Federal em 2015. O MPF afirma que Lula e o filho, Luis Cláudio Lula da Silva, “integraram um esquema que vendia a promessa” de interferência no governo para negociar interesses das empresas. O processo segue na Justiça Federal de Brasília e uma audiência está marcada para 20 de fevereiro. A investigação aponta que os crimes teriam ocorrido entre 2013 e 2015, durante o governo da ex-presidente Dilma Rousseff.

De acordo com a assessoria do ex-presidente, ele embarcaria para a África a fim de participar de um evento da Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO), que ocorre na tarde de amanhã. Dois de seus assessores já viajaram. Como adiantou o Correio, a viagem vai custar R$ 30 mil aos cofres públicos. Somente com diárias de hotel, seriam gastos R$ 11 mil.

Um dos assessores da equipe de Lula já está no país a fim de preparar a chegada do petista. Todos os ex-presidentes, que não sofreram impeachment com a perda de direitos políticos, têm acesso a servidores custeados pelo Estado. Procurada pela reportagem para comentar a apreensão do passaporte, a defesa do ex-presidente Lula informou que “recebeu a notícia com estarrecimento, pois o magistrado fundamentou a medida na sessão do TRF-4, que não está sob sua jurisdição”. Lula se comprometeu a entregar o documento hoje.

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Caminho rápido até a prisão

26/01/2018

 

 

A decisão unânime da 8ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) de manter a condenação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva deixou o petista em uma situação delicada diante da Justiça. Apenas um recurso impede que o petista seja enviado para a cadeia, o que pode ocorrer dentro de algumas semanas. A Polícia Federal já está se articulando para executar a prisão assim que receber a ordem judicial. Mas, para isso, depende da análise dos embargos de declaração, que podem ser apresentados ao próprio TRF-4, que realizou o julgamento em segunda instância.

Os embargos declaratórios estão previstos no artigo 619 do Código de Processo Penal (CPP) e servem para pedir explicações “sobre obscuridades” ou “eliminar contradições” na decisão que foi tomada por qualquer um dos magistrados que participaram da sessão. Para reclamar dos argumentos dos desembargadores, a defesa precisa esperar a publicação da decisão, o que ocorre em no máximo uma semana. Após o recurso ser apresentado, o magistrado não tem prazo para julgar o pedido. No entanto, essa avaliação ocorre, em média, em um período de 30 dias no TRF-4.

A pena não pode ser alterada e esse tipo de embargo não é válido para tentar a extinção da pena. Após os pedidos da defesa serem analisados pelo tribunal, é possível determinar o imediato cumprimento da pena. O advogado Pedro Paulo Castelo Branco Coelho, professor de direito da Universidade de Brasília (UnB), afirma que Lula enfrenta o pior cenário possível na condição de réu. “Foi uma condenação por 3 a 0, o que reduz muito as alegações que podem ser feitas pela defesa. Resta apenas um recurso do TRF-4, e mesmo que os advogados ingressem com a ação, não vai mudar nada na pena. Se não conseguirem um habeas corpus no Superior Tribunal de Justiça (STJ), a prisão será iminente. Eu diria que juridicamente o ex-presidente está com a corda no pescoço”, afirma.

O TRF-4 informou que dois dos três desembargadores da 8ª Turma vão sair de férias. Leandro Paulsen entra no dia 30 no período de descanso. Victor Luiz dos Santos Laus trabalha até 21 de fevereiro. Ambos vão ficar afastados das atividades por 30 dias. No entanto, nesse período, assumem os juízes Antônio Bochenek e Nivaldo Brunoni. Eles podem analisar eventuais recursos dos condenados. Durante o afastamento dos magistrados, as atividades da turma ocorrem normalmente.

Após os embargos de declaração serem analisados pelo TRF-4, cabem outros recursos ao STJ e ao Supremo Tribunal Federal (STF). No entanto, de acordo com entendimento do STF, a prisão pode ocorrer assim que esgotadas as possibilidades de apelação em segunda instância. Portanto, Lula pode recorrer da sentença em regime fechado.

Estratégia

A Polícia Federal pretende pedir ao petista que se apresente em um local previamente combinado, para evitar colocar em risco a segurança dos agentes e do réu. O local de cumprimento da pena seria determinado pelo juiz Sérgio Moro, da 13ª Vara Federal de Curitiba. Mesmo sem ter ensino superior, Lula tem direito a cela especial enquanto o processo não transitar em julgado. Isso ocorre por conta de ele ter sido presidente da República.

O advogado Cristiano Zanin Martins, que lidera o colegiado de advogados de Lula, afirmou que só vai tomar qualquer atitude assim que a decisão do TRF-4 for oficializada. “A estratégia jurídica será definida após publicação do acórdão pelo TRF-4”. (RS)

Os próximos passos

Confira o andamento do processo contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, no TRF-4

» A publicação do acórdão, ou seja, da decisão que condenou o ex-presidente Lula, será feita em até uma semana.

» A defesa do político tem até 10 dias para ser notificada do resultado. O prazo começa a correr após a publicação no Diário da Justiça.

» Assim que forem informados formalmente da condenação, os advogados do petista têm 48 horas para entrar com embargos de declaração — servem apenas para o esclarecimento de ambiguidades, pontos obscuros, contradições ou omissões no acórdão.

» Os desembargadores não têm prazo para julgar o recurso. Mas, em média, se leva 30 dias para o desembargador explique o que foi solicitado pelos advogados.

» Após esta fase, se não existir habeas corpus em vigor ou outro impedimento, a pena pode ser aplicada, e a prisão, cumprida de forma imediata. Os embargos de declaração não suspendem a decisão nem podem reduzir a pena.