Correio braziliense, n. 19970, 26/01/2018. Política, p. 4

 

Lentidão favorece impunidade

Deborah Fortuna

26/01/2018

 

 

JUSTIÇA » Tramitação do processo de Lula contrasta com situação de quem tem foro especial. Mas nem sempre há rapidez na primeira instância

Com a condenação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), e as avaliações a respeito dos prazos de processos no Judiciário, reinicia-se o debate sobre as questões relacionadas ao foro privilegiado. Enquanto Lula é condenado em segunda instância seis meses após o veredito de Sérgio Moro, outros políticos com prerrogativa de função têm crimes prescritos. Nos próximos meses, a Câmara dos Deputados e o Supremo Tribunal Federal voltam a julgar o fim da regalia.

O Ministério Público Federal apresentou o indiciamento contra o ex-presidente em setembro de 2016. Em julho do ano seguinte, o juiz federal Sérgio Moro condenou o réu em primeira instância. Seis meses depois, Lula teve a condenação confirmada. Para o professor do curso de Doutorado da PUC do Paraná e ex-presidente do TRF-4 Vladimir Passos Freitas, houve clara rapidez no processo em comparação a outros políticos também investigados pela Lava-Jato, graças à falta de foro privilegiado do ex-presidente. “Se fosse em qualquer tribunal do país com uma ação penal originária, isso nunca teria sido julgado”, comentou. “O foro especial é uma grande via de impunidade. Os políticos envolvidos sabem que o tempo do processo demora, e a chance de prescrever é muito maior”, explicou o especialista.

Segundo Freitas, são poucos os casos em que alguém com prerrogativa de função é julgado até o fim e condenado. “Do jeito que está, não termina. E quando terminam, são ações como o caso do Maluf, em que o homem já está idoso e é uma pena que não tem mais sentido pelo tempo que passou”, avaliou. Mas, mesmo que o benefício seja extinto, ainda é necessário que as varas criminais atuem com mais rapidez nos casos. “Não vai ser um paraíso, porque nem todas as varas são iguais. Também haveria caso de prescrição, de muitos recursos. Mas já seria um esforço de mudança”, argumentou o professor. Mesmo que o tema seja discutido na Câmara dos Deputados, o professor não acredita que a votação vá até o fim. “Acho muito difícil eles acabarem com um benefício que têm”, acrescentou.

Mas há aqueles que acreditam que o foro não gera mais lentidão ao processo. É isso que argumenta o professor de direito constitucional e criminal do Instituto Brasileiro de Direito Público (IDP) e da Universidade de São Paulo (USP) Daniel Falcão. “Por que ficamos com essa impressão de que demora mais? O Sérgio Moro, em Curitiba, julga mais rápido os acusados e dá a sentença. Desde que a operação começou,em 2014, a vara em que o juiz trabalha só cuida desse assunto”, argumentou. Ou seja, segundo o professor, o problema é que outras varas não são exclusivas de uma operação. “É fato que muita coisa prescreve, mas tem que ver o porquê disso. Até agora, qualquer tipo de crime de pessoas com foro vira processo nesses órgãos como o STF e STJ. E eles não têm infraestrutura para isso. Esse trabalho que eles acabam fazendo é de juiz de primeiro grau, e eles têm competências enormes”, explicou.

Decisão sobre Serra

Ontem, a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, pediu ao Supremo Tribunal Federal (STF) o arquivamento do inquérito que investigaria o senador José Serra (PSDB-SP). Ele é acusado de crime eleitoral de caixa 2. Durante depoimento na Operação Lava-Jato, o empresário Joesley Batista afirmou ter combinado com o senador uma contribuição de R$ 20 milhões, referentes à campanha presidencial de 2010, na qual Serra disputou.

Segundo Batista, desse valor, R$ 13 milhões foram repassados como doação oficial, e cerca de R$ 7 milhões foram por meio de caixa 2 e notas fiscais fraudadas. A procuradora, no entanto, entendeu que Serra tem mais de 70 anos e, por isso, o tempo de prescrição cai pela metade. Sendo assim, o suposto crime teria prescrito em 2016, mesmo que a investigação tenha sido iniciada no ano passado.

Entenda a prerrogativa

O que é foro privilegiado?

O foro privilegiado é referente ao cargo que uma pessoa ocupa. Se alguém com prerrogativa de função se envolve em um processo criminal, ela é designada aos órgãos superiores, como o Supremo Tribunal Federal, o senado ou as Câmaras Legislativas.

Qual é a diferença entre o julgamento do fim do foro no Supremo e da PEC na Câmara?

A Proposta de Emenda à Constituição 333/17, do Senado Federal, que está tramitando na Câmara dos Deputados, pede o fim do foro para todas as autoridades, exceto dos presidentes dos três poderes. Assim, eles responderiam a processos nas primeiras instâncias da Justiça comum. Já no Supremo, o texto altera o foro somente para parlamentares federais e para os crimes ocorridos durante o exercício do mandato parlamentar. Ou seja, uma autoridade só pode ser julgada na primeira instância se for acusada de um crime anterior ao mandato.

O que falta ser votado?

O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), determinou a criação de uma comissão especial para discutir a proposta. Até o momento, os líderes dos partidos indicaram apenas 13 membros titulares e cinco suplentes. O colegiado deve ser composto por 35 parlamentares. No Supremo, apesar da maioria a favor da restrição, o julgamento foi adiado diante de um pedido de vista do ministro Dias Toffoli. Ainda não há data para a retomada da discussão.

_________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

Ações se valorizam no exterior

Azelma Rodrigues

26/01/2018

 

 

Sem negócios na B3 — pelo feriado de aniversário de São Paulo —, no dia seguinte à condenação do ex-presidente Lula em segunda instância, as ações de empresas brasileiras abriram em alta, no exterior. Apesar de movimento fraco, a cotação do dólar no país seguiu ladeira abaixo, recuando 0,8% para R$ 3,13.

Na bolsa de Nova York, os fundos que carregam papéis de empresas brasileiras iniciaram os negócios dando seguimento à alta de 5% do dia do julgamento de Lula no caso do tríplex do Guarujá (SP). Os índices cederam depois, mas fecharam em alta de quase 2%, com destaque para papéis atrelados a ações de bancos e das estatais Petrobras e Eletrobras. Além da percepção geral dos mercados, daqui e do exterior, de que o petista está impedido de retornar ao Planalto, o movimento teve influência de notícias positivas em relação à redução de passivo das duas empresas.

“Parte disso, obviamente, foi por conta do resultado do julgamento. As ações dispararam com a notícia da condenação, que tem grandes chances de impedir que Lula se candidate de novo e ganhe as eleições. Os investidores têm medo de que o Brasil se transforme numa Bolívia ou Venezuela”, afirmou Marcelo López, da L2 Capital Partners.

O analista, entretanto, pede cautela ao investidor, principalmente a quem pouco conhece o mercado de capitais. Segundo ele, o mundo vive um momento de caça ao lucro. “O pessoal está comprando qualquer coisa, com medo de ficar fora. Tudo está subindo, de forma parabólica, no mundo inteiro.”

López cita como exemplo desse efeito manada, o fato de o país vizinho, Argentina, ter conseguido colocar um bônus no mercado internacional com prazo de 100 anos, pagando 8% ao ano. “É ridículo, porque a Argentina é um país quebrado, já fez default (calote) oito vezes”, criticou. “O gringo não está preocupado com o que vai acontecer ao país nos próximos 10 anos, mas com o lucro”, conclui.