Título: Lei seca terá votação decisiva
Autor: Bernardes, Adriana
Fonte: Correio Braziliense, 04/04/2012, Cidades, p. 28
Deputados federais se reúnem na próxima quarta-feira para apreciar projeto que prevê uso de perícia, imagem e testemunhas para comprovar embriaguez. No entanto, especialistas advertem que nova legislação pode ser ineficaz caso não estabeleça a tolerância zero
Em uma semana, a Câmara dos Deputados vai discutir o projeto de lei que amplia as provas para atestar a embriaguez do motorista. Na tarde de ontem, o presidente da casa, Marco Maia (PT/RS), e as lideranças dos partidos acordaram que será analisada a proposta do deputado federal Hugo Leal (PSC/RJ), apresentada no fim de março. Ela será levada ao plenário na próxima quarta-feira (11). Antes, porém, passará por análise na Comissão de Viação e Transportes, com relatoria do deputado Edinho Araújo (PMDB/SP).
Entre as mudanças previstas no projeto, está o aumento do valor da multa administrativa. Em vez de R$ 957, será de R$ 1,9 mil. Mas o ponto nevrálgico, a criminalização, deve render muita polêmica. O parlamentar manteve a concentração de 6 decigramas de álcool por litro de sangue (Veja quadro). Para comprovar o crime, o texto da lei prevê o teste de alcoolemia, exame clínico, perícia, imagem, vídeo, prova testemunhal ou outros meios.
Especialistas ouvidos pelo Correio alertam que o impasse jurídico da lei seca só será resolvido se for retirado do texto o índice de alcoolemia. Do contrário, as pessoas continuarão se negando a fazer o teste do bafômetro e os tribunais seguirão rejeitando ações penais contra esses motoristas. Mas Leal está convencido de que o impasse foi resolvido. "No texto, especificamos quais outras provas podem ser usadas para atestar a embriaguez do motorista. E facultamos a ele o direito de exigir o bafômetro como contraprova. Se eu tiro o limite de seis, fica zero. Qual é a diferença entre o crime e a punição administrativa? Vai ser inconstitucional", argumenta Hugo Leal, que preside a Frente Parlamentar em Defesa do Trânsito Seguro e é vice-líder do governo.
Se o legislador estabelece uma medida, é preciso ter o número exato. Não adianta acrescentar outros meios de prova" Gilberto Pereira de Oliveira, juiz da 1ª Vara de Delitos de Trânsito do TJDFT
A proposta de Leal foi protocolada no mesmo dia em que o Superior Tribunal de Justiça (STJ) negou a ampliação de provas para processar criminalmente condutores alcoolizados e manteve a exigência de bafômetro. O secretário de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça, Marivaldo Pereira, diz que a intenção do governo era retirar do texto qualquer índice para processar criminalmente o condutor, mas não houve consenso. "Detectamos a necessidade de ajustes no texto, o que será feito ao longo das discussões. O ponto central é viabilizar a produção de provas por outros meios e isso está assegurado", destaca.
Debates Relator do projeto, o deputado Edinho Araújo (PMDB/SP) ressaltou que a proposta de Leal é resultado de amplos debates. Sobre a manutenção dos índices de alcoolemia, ele afirmou: "Precisamos aperfeiçoar a lei e criar instrumentos para punir criminalmente o infrator. Se eu entender que isso não vai ocorrer, posso apresentar um substitutivo".
No entendimento de especialistas ouvidos pelo Correio, o endurecimento da punição do motorista flagrado ao volante alcoolizado só ocorrerá de duas formas: ou se põe fim ao entendimento de que ninguém é obrigado a produzir provas contra si mesmo e se acrescenta a obrigatoriedade do bafômetro no Código de Trânsito Brasileiro (CTB) ou se retira do texto da lei o índice para processar criminalmente o infrator. A primeira opção, segundo João Antônio Wiegerinck, professor de direito constitucional da Escola Paulista de Direito, é improvável. O mais viável, segundo ele, seria os legisladores acabarem com as punições administrativas para quem dirige sob efeito de álcool e processar criminalmente todos os infratores, independentemente da quantidade de álcool ingerida. "Multa só serve para fazer caixa para o Estado", criticou.
Juiz da 1ª Vara de Delitos de Trânsito do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, Gilberto Pereira de Oliveira tem opinião semelhante: se permanecer o índice de teor alcoólico, o processo criminal fica condicionado à prova técnica. "Se o legislador estabelece uma medida, é preciso ter o número exato. Não adianta acrescentar outros meios de prova", afirma o magistrado. "Nesse caso, outras provas têm validade relativa. Aí, vem a absolvição do réu por falta de prova e pelo princípio constitucional do, em dúvida, pró-réu", completa.
Na avaliação da promotora Laura Beatriz Rito, da 1ª Promotoria de Delitos de Trânsito de Brasília, se a concentração fizer parte do tipo penal, é necessária a comprovação. "Se a pessoa se recusa, não temos saída. Ou tira o índice ou ficamos atrelados à prova do bafômetro ou exame de sangue", alertou. "Se a legislação permanecer como está, as pessoas vão continuar se furtando a fazer o teste e o Estado, sem ter como provar", lamenta ela.