Valor econômico, v. 18, n. 4401, 14/12/2017. Política, p. A5.

 

 

STF mantém poder da PF para firmar delações

Luísa Martins

14/12/2017

 

 

Ainda que com ressalvas e divergências pontuais entre os ministros, o Supremo Tribunal Federal (STF) formou maioria, ontem, para que a Polícia Federal (PF) tenha legitimidade para firmar acordos de delação premiada sem a participação do Ministério Público Federal (MPF). O placar parcial está em 6 votos a 1 em favor dos delegados - o julgamento foi suspenso e será concluído na sessão de hoje.

Na corrente majoritária estão os ministros Marco Aurélio Mello (relator do caso), Alexandre de Moraes, Luís Roberto Barroso, Rosa Weber, Luiz Fux e Dias Toffoli. O único a divergir, até agora, é o ministro Edson Fachin, segundo o qual a PF pode participar das negociações da colaboração premiada, mas não como parte celebrante do acordo.

Apesar de concordarem com o poder dos delegados de polícia para tal, os ministros que formaram a maioria discordaram entre si e propuseram limites diferentes para a atuação da PF ao negociar os benefícios do delator.

Cinco pontos de vista diferente surgiram durante o julgamento. Rosa e Fux tiveram os votos mais próximos - eles entenderam que a polícia precisa da concordância do MPF para fechar delações premiadas.

"Se o Ministério Público não estiver de acordo, a delação não pode ser homologada. Se o MP disser sim, é talvez, vamos ver o que o juiz diz. Se disser não, é não", afirmou Fux, ao votar.

Para Marco Aurélio, Moraes e Toffoli, não é necessário o aval do Ministério Público, mas o segundo apontou como exceção os casos em que for estabelecido perdão judicial. O terceiro afirma que a PF não pode estabelecer penas, apenas sugeri-las ao juiz.

Já para Barroso, essa anuência só é necessária no que concerne à concessão de benefícios como a atenuação de pena ou o abrandamento do regime prisional, por exemplo. "O delegado tem poderes limitados. Não pode, por exemplo, assinar acordo que preveja que o MPF não irá oferecer denúncia", ponderou o ministro.

Todas essas divergências devem ser solucionadas hoje, quando será formulada uma tese geral sobre o tema, considerando o chamado "voto médio" entre os ministros. Faltam votar os ministros Celso de Mello e Cármen Lúcia. Estarão ausentes da sessão os ministros Ricardo Lewandowski, em licença médica, e Gilmar Mendes, que só volta à noite de uma viagem institucional aos Estados Unidos.

Há pelo menos duas delações que ainda não foram homologadas em função de terem sido firmadas apenas com a PF - as dos publicitários Marcos Valério, assinado com delegados do Distrito Federal, e Duda Mendonça, fechado com a PF de Minas Gerais. Os relatores dos processos, respectivamente Celso de Mello e Fachin, preferiram aguardar a decisão da Corte sobre a questão antes de validá-las.

Na ocasião da impetração da ação, o então procurador-geral da República, Rodrigo Janot, disse que os artigos da Lei de Organizações Criminosas que permitem que delegados negociem acordos de delação ferem a Constituição Federal. Segundo o ex-PGR, como apenas o Ministério Público pode pedir a abertura de ação penal contra um investigado, caberia somente a essa instituição oferecer benefícios em troca de informações dos delatores. Esse argumento foi reiterado, ontem, pela sua sucessora no cargo, Raquel Dodge.

"A participação dos delegados da PF na elaboração do acordo pode ir até certo ponto: o ponto de coleta de depoimentos, de localizar os depoentes e inclui-los no processo de obtenção de prova. No entanto, para firmar o acordo e pactuar cláusulas, notadamente as que se referem ao prêmio a ser concedido ao colaborador, o MP entende estar no domínio da titularidade exclusiva da ação penal", disse ela, no início do julgamento.

A ministra da Advocacia-Geral da União (AGU), Grace Mendonça, também se manifestou favoravelmente ao poder da PF para fechar delações. "É importante que as instituições se unam no combate ao crime organizado. A Constituição prevê essa harmonia. O que os delegados fazem é uma proposta de acordo de colaboração, que, na verdade, será decidido e compatibilizado pelo Poder Judiciário", afirmou.

Na visão dos policiais, o julgamento é mais um episódio de embate com o MPF sobre um instrumento que não é novo - fonte da PF ouvida pelo Valor afirma que delações são utilizadas pela polícia desde a década de 1990, em diversas apurações sobre tráfico de drogas. Agora, alegam, o MPF tenta garantir o monopólio dos acordos de colaboração.

O placar parcial atende a um anseio demonstrado pelo novo diretor-geral da PF, Fernando Segovia, em sua primeira entrevista após a posse. Na ocasião, disse que a polícia "não vai desistir" de seu poder para fechar acordos, que "nada mais são que ferramentas de investigação".