Valor econômico, v. 18, n. 4405, 20/12/2017. Especial, p. A14.

 

 

Economia será tema central nas eleições

Denise Neumann

20/12/2017

 

 

A menos de um ano das eleições presidenciais, a economia voltou a ganhar peso na lista dos principais problemas do país de acordo com o eleitor. Liderados pelo desemprego, o peso dos problemas econômicos triplicou em relação a 2014. Se lá atrás 11% dos eleitores diziam que a falta de emprego, o salário ou a inflação (entre outros itens econômicos) eram o principal problema do país, segundo pesquisa do Instituto Datafolha, hoje, são 28% que o fazem. Já a saúde está no topo de tudo e faz um grupo de questões que pode ser agrupado no "social" representar a principal preocupação para 43% dos eleitores, enquanto a corrupção é o maior problema para 15% deles.

Ainda que um em cada quatro eleitores aponte a saúde como o principal problema do país, economistas, analistas políticos e de pesquisas eleitorais dizem que a economia será o grande eleitor nas eleições presidenciais de 2018. Após a recessão de 2014 a 2016 e na sequência do "pibinho" de 2017, o quadro será de retomada do crescimento, recuperação do emprego, inflação baixa, alimento barato e juro muito baixo. Parece um cenário desenhado para eleger um candidato governista, que dê continuidade à atual gestão de política econômica - mas não será simples assim.

 

 

A questão é com qual momento da vida o eleitor vai comparar 2018. E a comparação não se dará pelos indicadores de emprego, inflação e Produto Interno Bruto (PIB). "É o filtro da percepção que determina a influência da política na economia e não o número frio do indicador, da estatística", observa Ricardo Ribeiro, analista político da MCM Consultores. O que conta é o filho ou o vizinho desempregado terem arrumado emprego, e o salário colocar mais comida na mesa ou sobrar um pouco para fazer um crediário. "O curto prazo beneficia o governo, mas a comparação com o passado mais distante pode beneficiar Lula", resume Ribeiro, em referência à percepção do eleitor.

Fernando Montero, economista-chefe da corretora Tullett Prebon, está convencido de que o "que a economia puder ajudar [o governo], ela vai ajudar. Teremos comida barata, recuperação cíclica, juro muito baixo", lista ele. Montero gosta de comparar o poder de compra do salário mínimo com a cesta básica de alimentos. Considerando a cesta calculada pela Fundação Procon, de São Paulo, e o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), em novembro deste ano era possível comprar o conjunto de alimentos e produtos de higiene com 45% do mínimo, liberando os restantes 55% para outros bens. Desde o Plano Real, em apenas outros quatro meses foi possível comprar mais com o salário mínimo. Para Montero, ainda que não se reedite o "efeito frango", que ajudou a eleger Fernando Henrique Cardoso no primeiro turno em 1994, comida barata será um cabo eleitoral poderoso do governo no ano que vem. Apenas o preço do gás, se continuar subindo, pode comprometer essa ajuda.

O diretor do Instituto Datafolha, Mauro Paulino, lembra que 67% dos brasileiros têm renda familiar abaixo de três salários mínimos e são eles que decidem a eleição. "O peso de outras prioridades [na definição do voto] vai depender do quanto vai cair o desemprego até lá e quanto vai melhorar a vida dos mais pobres", pondera.

Economia, acrescenta ele, sempre tem uma influência muito grande. "Até hoje, o exemplo mais claro foi o Plano Real, em 1994. Depois, em 2002, com o desemprego alto, a promessa de criação de 10 milhões de empregos foi o mote da campanha de Lula, e na ocasião o desemprego aparecia como o principal problema na avaliação dos eleitores", recorda. Na véspera do primeiro turno, 42% dos eleitores colocaram o desemprego como maior problema, em pesquisa de resposta única e espontânea feita pelo Datafolha. Em 2006, o percentual já estava em 27%. Hoje, está em 19%, o maior após a situação de quase pleno emprego vivida nos primeiros anos do mandato de Dilma Rousseff.

No gráfico que ilustra esse texto, o desemprego está dentro do grupo "economia". Os agrupamentos de economia e social foram feitos pelo Valor com base na pesquisa do Datafolha que pergunta para o eleitor qual o principal problema do país. As datas escolhidas são um ano antes das eleições, o ano eleitoral e, além destas, o auge da campanha pelo impeachment da presidente Dilma Rousseff.

Os dados do emprego formal no país mostram que foi mesmo no governo Lula que o país passou pelo ritmo mais intenso de criação de emprego formal das últimas décadas. De acordo com o relatório Anual de Informações Sociais (Rais), nos oito anos do governo FHC foram abertas 5 milhões de vagas formais (média anual de 625 mil); durante a era Lula foram 15,2 milhões (1,9 milhão/ano) e nos cinco anos de Dilma, 4 milhões (800 mil/ano), ficando para Temer uma conta até agora negativa.

Márcia Cavallari Nunes, CEO do Ibope Inteligência, diz que é justamente do emprego que vem a força eleitoral de Lula nas atuais pesquisas de intenção de voto. A economia, resume ela, tem um papel importante, mas por mais que os indicadores estejam melhorando, é preciso que o eleitor comece a fazer uma avaliação mais positiva. Ela acredita que a avaliação do eleitor sobre a economia vai melhorar, mas a situação ainda será pior do que já foi um dia. E é isso que estará na cabeça do eleitor. A questão é para onde ele vai olhar. Para o passado de pleno emprego ou para a recuperação diante da crise atual?

"Abrir mão de uma conquista gera um nível muito elevado de frustração; é maior do que nunca ter tido algo e lidar com essa ausência. Com a perda, o nível de frustração é maior, a tolerância é menor", pondera Márcia, acrescentando que o eleitor vai buscar com o voto o caminho que o leve aonde ele já esteve um dia. "Isso explica a atual intenção de voto no Lula", diz ela. Apesar dessa "lembrança", contudo, não é dado que toda comparação será com os anos Lula, que terá que responder pela era Dilma. No passado recente, lembra Márcia, "a situação já esteve pior do que hoje".

Ribeiro, da MCM, pondera que para a maioria do eleitorado é muito "sofisticada" a análise de que a recessão e a crise fiscal foram gestadas por erros da política econômica que começaram com Lula. "Ele olha para a vida real dele", insiste.

Para os analistas, a influência do colchão de proteção social montado ao longo das últimas décadas, e que inclui tanto o Bolsa Família como o Benefício de Prestação Continuada que garante um auxílio equivalente a um salário mínimo para idosos de baixa renda, explica a redução da preocupação com a fome e a miséria ao longo dos últimos anos (o peso desta questão passou de 13% em 2001 para 1% atualmente) e pode ter impedido que o desemprego voltasse ao patamar de 40% na lista de preocupações (que chegou a ter no começo dos anos 2000), mas não foi suficiente para reduzir o peso da economia na decisão do eleitor. "A base do ambiente da disputa eleitoral é dado pela economia", insiste Ribeiro, da MCM.

O ambiente econômico em 2018, insiste Montero, estará melhor que agora. Ele lembra que o crescimento do PIB entre 2,5% e 3% é um dado da média do ano, mas o auge se dará na época das eleições. "O importante é ver quanto dessa melhora será concreta para o eleitor até outubro", pondera Paulino, do Datafolha.

Na hipótese da melhora da economia ser claramente percebida pela população, o outro desafio do governo é apresentar um candidato que possa atrair o eleitor. A forte rejeição do presidente Michel Temer praticamente o tira da disputa, dizem os analistas. É muito improvável que ela caia a ponto de torná-lo um candidato competitivo. "E a melhora da economia, sozinha, não fará de Meirelles [Henrique Meirelles, ministro da Fazenda], um candidato com potencial. Para ele há um longo caminho a percorrer. Ele precisa se tornar conhecido e convencer a população o que a economia melhorou por causa dele. E tem a impopularidade do Temer, de quem ele é ministro. São degraus muito altos", diz Paulino, do Datafolha.

Por outro lado, se Lula não for candidato, também será difícil ele transferir para outro candidato do PT ou da esquerda a confiança de que àquele passado "bom" estará de volta. "Sem Lula a memória positiva dos governos dele perde força como elemento para decisão do voto. O efeito Dilma ganha mais relevância", pondera Ribeiro, da MCM. "Uma coisa é Lula, outra coisa é outro candidato", concorda Márcia, do Ibope.

Ela diz que o papel da economia em 2018 também dependerá "da competência das partes" em explicar o cenário. "Em 2014, a crise já estava aparecendo, os adversários atacaram, mas o governo se defendeu, e Dilma se reelegeu também com a economia no meio do debate. Em 2018, a avaliação do governo e da economia vão ser mais positivas do que estão hoje. Mas transformar isso em voto também vai depender de quem será o candidato do campo governista."

Por enquanto, resume, o que se sabe é que será o pleito mais difícil desde 1989, quando o país elegeu Fernando Collor de Mello.