Correio braziliense, n. 19970, 26/01/2018. Economia, p. 9

 

Previdência: cerco a indecisos

Alessandra Azevedo

26/01/2018

 

 

CONJUNTURA » Articuladores do governo acreditam que há possibilidade de convencer indecisos na bancada da bala. Entre as mudanças que agradariam os deputados do grupo está a manutenção de pensão para viúvas e viúvos de policiais federais mortos em serviço

Mesmo longe do apoio necessário, o governo se agarra ao plano de colocar a reforma da Previdência em votação no mês que vem. A insistência em fevereiro é, ao mesmo tempo, uma forma de pressionar os indecisos a se manifestarem e de jogar o ônus de um eventual fracasso no Congresso Nacional. De qualquer maneira, com alegados 275 votos em mãos, como anunciou na última quarta-feira o relator da reforma, deputado Arthur Maia (PPS-BA), segue a batalha pelos 308 nas próximas semanas. A estratégia continua a mesma do ano passado: mais concessões no texto e liberação de emendas parlamentares.

Um dos focos é a bancada da bala. Embora já tenha negociado exaustivamente com a Frente Parlamentar da Segurança Pública no início do ano passado — que, no fim das contas, decepcionou ao entregar poucos votos —, o governo acredita ainda ser possível avançar em alguns pontos que agradariam aos integrantes da bancada, muitos deles indecisos. O PR, por exemplo, tem 29 deputados ainda “trabalháveis”, nas palavras do líder da legenda na Câmara, deputado José Rocha (BA). Entre os 39 deputados do partido, 10 são considerados votos irrecuperáveis.

Atualmente, a principal questão em jogo é a pensão por morte. Deputados da bancada pedem que o valor seja garantido integralmente para viúvas e viúvos de policiais federais que morrerem durante o serviço. Nessas situações, o cálculo não seria mais de 50% do valor do benefício, mais 10% por dependente, como está na proposta em discussão, mas 100%, não importando o número de filhos. Entre as diversas demandas dos parlamentares, essa é uma das que traz uma certa dose de consenso entre o governo e os parlamentares e, portanto, a que tem mais chance de ser incluída no novo texto. A alteração atende a dois dos três principais requisitos do governo para chancelar novas mudanças: teria baixo impacto fiscal e colaboraria para a imagem de “reforma justa” e preocupada com a população.

Contabilidade

Falta saber quantos votos isso geraria. Sem essa contagem, o governo diz não se comprometer com nenhuma alteração, como reforçou Arthur Maia na quarta-feira. A possibilidade de manter o benefício integral para casos de morte em serviço já foi levada ao governo por especialistas, durante as negociações iniciais, no ano passado. Na época, cogitava-se estender essa possibilidade também para os trabalhadores que morressem em decorrência de acidente de trabalho, para não dar a entender que seria um privilégio para os policiais. Segundo o relator, essa possibilidade não está sendo discutida no momento. “Nunca vi ninguém falar disso. Tudo conjecturas”, disse ao Correio.

Apesar de ser um ponto-chave para a equipe econômica, diante do gasto bilionário com pagamento desse tipo de benefício — que chegou a R$ 8,77 bilhões só em dezembro do ano passado, segundo a Secretaria de Previdência —, a regra desagrada muitas categorias, não só a dos policiais. Além de pedirem uma regra de transição para quem ingressou no serviço público até 2003, boa parte dos servidores querem mudanças nesse ponto. Em geral, eles acham que o limite para acúmulo entre aposentadoria e pensão, estipulado em até dois salários mínimos, é muito baixo.

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Cotas: candidatos serão ouvidos 

Vera Batista

26/01/2018

 

 

Os seis candidatos aprovados no concurso para diplomata do Ministério das Relações Exteriores (MRE) pelo sistema de cotas e tiveram a aprovação contestada só poderão participar do curso de formação no ano que vem. Isso se a Justiça acatar a defesa, que terão de apresentar no prazo máximo de 15 dias, e não aceitar a contestação que o Ministério Público Federal (MPF) poderá fazer depois dos argumentos apresentados pelos aprovados.

A decisão de ouvir as partes foi tomada ontem em audiência na 22ª Vara Federal e a próxima ocorrerá em 14 de março.  “Como o processo ainda está em andamento, não vai dar tempo de participarem da próxima fase da seleção”, explicou a procuradora Anna Carolina Resende Maia Garcia, autora da ação civil pública que pediu a suspensão de nomeação, posse e participação no curso dos concorrentes que não preenchem os requisitos da Lei 12.990/2014.

Dados estatísticos apontam que no Brasil, 55% das pessoas definem raça por meio da cor da pele, enquanto apenas 13%, em razão da origem familiar, segundo Anna Carolina. Para Frei David Santos, da Ong Educafro, os negros que deveriam ocupar as vagas agora questionadas são os mais injustiçados. “Com a demora, eles, os discriminados a vida toda, não serão empossados tão cedo. Em 40 anos de militância, nunca vi um pardo de pele clara pedir ajuda ou alegar ter sido discriminado, justamente porque é a cor da pele o determinante nessas situações de racismo.”

 

Consenso

O embaixador Benedicto Fonseca Filho, um dos responsáveis pela Comissão de Verificação de Cotas do Itamaraty, destacou que há dados incorretos apresentados pelo MPF. “Na ação é citado que não houve consenso. Mas nós atuamos em consenso, de acordo com a lei e em obediência à tese do fenótipo (aparência)”, garantiu. Há 30 anos no MRE e o primeiro negro a ocupar o cargo de embaixador, ele ficou “chateado porque não foi considerado relevante o papel da comissão”.

Autoridades comprometidas com a causa do negro no país compareceram à audiência, como os professores Mario Theodoro, Nelson Inocêncio e Joaze Bernardino Costa, da Universidade de Brasília (UnB), Ivan Siqueira, presidente em exercício do Conselho Nacional de Educação (CNE), e Renata Parreira, da Coordenação de Educação em Diversidade, da Secretaria de Educação do Distrito Federal. Nenhum dos candidatos quis se manifestar sobre a decisão.