O globo, n.30740 , 05/10/2017. País, p.4

Ficha Limpa vale em casos anteriores a 2010

André de Souza

 

 

STF decide que inelegibilidade por 8 anos se aplica a condenados antes de a lei entrar em vigor

Por seis votos a cinco, o Supremo Tribunal Federal (STF) ampliou ontem o alcance da Lei da Ficha Limpa, que impede a candidatura de políticos condenados em segunda instância por alguns tipos de crime. Para a maioria dos ministros da Corte, o prazo de oito anos de inelegibilidade deve ser aplicado a quem foi condenado por abuso de poder político e econômico antes de 2010, quando a lei entrou em vigor. O julgamento tem repercussão geral, ou seja, será aplicado a outros processos sobre esse tema que tramitam nos tribunais de todo o país. Em função do longo debate, o Supremo acabou deixando para hoje a discussão sobre a possibilidade de haver candidatos sem partido nas eleições.

A questão agora é o alcance da lei sobre quem já foi eleito, ponto que vai ser analisado hoje. No jargão jurídico, o STF vai fazer a “modulação”. Uma possibilidade seria a Corte estabelecer que o julgamento valha apenas daqui para a frente, para os novos registros de candidaturas. O relator, ministro Ricardo Lewandowski, que foi voto vencido no julgamento, já indicou, porém, que não vai sugerir isso. Mas também não apontou a extensão da sua proposta, ou seja, quem corre o risco de perder o mandato e quem estará a salvo.

 

MEDIDA ATINGE PREFEITOS

Uma possibilidade seria cassar quem conseguiu ser empossado, mesmo com base em liminares, mas não teve a análise de seus processos concluídos na Justiça Eleitoral. Lewandowski destacou que, segundo informações recebidas por ele, a decisão pode atingir “mais de uma centena de vereadores, 20 prefeitos, alguns deputados federais e incontáveis deputados estaduais”. E ressaltou que há políticos exercendo cargos graças a liminares.

— Não estamos apenas regulando situações para o futuro, mas eu fui informado por vários representantes do parlamento que manifestaram sua intensa preocupação de que, se isso for aplicado retroativamente, muitos prefeitos, parlamentares poderão perder seus mandatos — alertou Lewandowski.

— Modular para aplicar daqui para a frente e nada é a mesma coisa — rebateu Fux, que foi o primeiro ministro a defender a ampliação da aplicação da lei.

— Claro, evidentemente não ia propor uma coisa dessa, porque seria desconstituir a vontade da maioria — respondeu Lewandowski, sem especificar como seria a modulação.

No caso hipotético de um prefeito ou vereador eleito em 2016 e condenado por abuso de poder econômico ou político em 2008 ou 2009, o prazo de três anos já teria se esgotado no momento em que registrou a candidatura. Com a decisão de ontem do STF de elevar o tempo para oito anos, esse político poderia ficar sob alcance da lei. O mesmo pode ocorrer com parlamentares e governadores eleitos em 2014.

A decisão foi tomada no julgamento do recurso de um candidato que foi condenado em 2004 por abuso do poder econômico e político. Na época, a lei em vigor estabelecia prazo de três anos para a inelegibilidade. Ele cumpriu o prazo e, em 2008, se candidatou e foi eleito vereador. Em 2012, ele se candidatou novamente, mas teve o registro impugnado com base na Lei da Ficha Limpa. Apesar de ter sido eleito, foi impedido de tomar posse.

O julgamento ontem começou com placar de cinco a três pela ampliação do alcance da lei. Faltavam os votos de Marco Aurélio Mello, Celso de Mello e da presidente do STF, Cármen Lúcia. Os dois primeiros foram contra, empatando. Mas Cármen Lúcia entendeu que o prazo de inelegibilidade de oito anos pode valer para condenações anteriores a 2010.

O ministro Marco Aurélio, primeiro a votar no dia, disse que o tribunal poderia inaugurar o “vale tudo”, uma vez que a regra alongaria, na prática, o tempo de punição para políticos que haviam sido condenados a prazos menores. Ele afirmou que o julgamento de ontem se tornaria uma “página negra na história do Supremo”.

— Retroação da lei para mim é o fim em termos de Estado democrático de direito — afirmou Marco Aurélio.

Para seis dos 11 ministros do STF, porém, inelegibilidade não é punição, e sim uma condição que deve ser verificada no momento do registro eleitoral. Assim, não há que se falar em retroatividade.