Valor econômico, v. 18, n. 4407, 22/12/2017. Brasil, p. A5.

 

 

País tem 11,8 milhões de analfabetos, diz IBGE

Bruno Villas Bôas e Ligia Guimarães

22/12/2017

 

 

O Brasil tinha 11,8 milhões de analfabetos em 2016, de acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua), divulgada ontem pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Esse contingente representa 7,2% da população de 15 anos ou mais de idade, a chamada taxa de analfabetismo. Pelo conceito usado pelo IBGE, analfabetas são pessoas que declaram não saber ler e nem escrever um bilhete simples. A meta do Plano Nacional de Educação (PNE), lei criada em 2014, previa a redução da taxa de analfabetismo para 6,5%, em 2015, e sua erradicação em 2024.

Segundo Marina Aguas, analista do IBGE responsável pela pesquisa, o número de analfabetos medido pela Pnad Contínua não é comparável com o número de 2015, sobretudo devido a diferenças de amostragem da pesquisa. Pela antiga Pnad, que foi descontinuada, o país tinha 12,9 milhões de analfabetos, ou 8% das pessoas de 15 anos ou mais. Assim como ocorreu com indicadores de desigualdade e pobreza, o IBGE não apresentou resultados de anos anteriores sobre o analfabetismo e outros indicadores da educação, impossibilitando uma compreensão da evolução da alfabetização no país.

 

A pesquisa destaca que as oportunidades educacionais no país variam muito dependendo da localização. No Nordeste, a taxa de analfabetismo é de 14,8%, o dobro da nacional. O analfabetismo nordestino também é quase quatro vezes maior do que as taxas estimadas para as regiões Sudeste (3,8%) e Sul (3,6%), que exibem os melhores indicadores. Dos 11,8 milhões de analfabetos, 6,5 milhões estão na região Nordeste, o que significa metade do total nacional.

O percentual de analfabetos também aumenta à medida que o IBGE analisa grupos etários mais velhos da população, chegando a 20,4% entre as pessoas de 60 anos ou mais, o que equivale a 6 milhões de pessoas.

Os dados do IBGE evidenciam também que a enorme disparidade de oportunidades entre brancos e negros: taxa de analfabetismo para as pessoas pretas ou pardas (9,9% as pessoas de 15 anos ou mais de idade) foi mais que o dobro da observada entre as pessoas brancas (4,2%). "Essa relação foi constatada em todas as grandes regiões", afirma o IBGE. Uma em cada três pessoas que se declararam pretas e pardas com 60 anos ou mais eram analfabetos em 2016.

Mesmo entre os alfabetizados, os níveis de qualificação das pessoas que compõem a força de trabalho brasileira são muito baixos. De acordo com a pesquisa, cerca de 66,3 milhões de pessoas de 25 anos ou mais de idade (ou 51% da população adulta) tinham concluído apenas o ensino fundamental em 2016. Além disso, menos de 20 milhões (ou 15,3% dessa população) haviam concluído o ensino superior. De novo, a situação é ainda pior no Nordeste: na região, 52,6% sequer haviam concluído o ensino fundamental. No Sudeste, 51,1% tinham pelo menos o ensino médio completo. "É um reflexo do descaso histórico do Estado brasileiro com a educação", afirma o economista Gabriel Corrêa, gerente de políticas educacionais do Todos Pela Educação. "Em 1970, menos de 50 anos atrás, metade das crianças estavam fora da escola. A gente comemorava o título da Copa do Mundo enquanto metade das crianças estava fora da escola, o que mostra o descaso", diz.

Ele destaca também que os baixíssimos níveis de instrução estão por trás da baixa produtividade da economia brasileira. "Não só em anos de estudo, mas na qualidade. O Brasil vem conseguindo avançar em anos de estudo, mas isso não se traduz em aumento de produtividade porque a qualidade é muito baixa", diz. Em 2016, o número médio de anos de estudo das pessoas de 25 anos ou mais de idade foi 8 anos. Como outros indicadores sociais, este mostra diferente padrão em função de sexo e cor ou raça. As mulheres (8,2 anos) estudam mais do que os homens (7,8 anos). Brancos (9 anos) têm mais tempo de estudos do que pretos ou pardos (7,1 anos). "Ainda é muito baixo na comparação internacional, mas em 1980 a média era de três anos", diz o economista.

A pesquisa mostrou que 11% da população não tinha instrução, ou seja, não tinha frequentado a escola. Mais uma vez, as regiões Norte e Nordeste exibiam os piores percentuais de pessoas sem instrução (14,5% e 19,9%, respectivamente). Vale lembrar que não ter instrução não significa ser analfabeto. É possível, por exemplo, aprender a ler e escrever em casa.

Os dados da Pnad Contínua sobre alfabetização estão em linha com o resultado da Avaliação Nacional da Alfabetização (ANA) 2016, divulgada em outubro pelo MEC, que mostravam que 55% dos alunos de 8 anos que estão no final do 3º ano do ensino fundamental nas escolas públicas brasileiras tinham conhecimento insuficiente em leitura. No Brasil, o Plano Nacional de Educação (PNE) previa a redução da taxa de analfabetismo para 6,5% em 2015 e a erradicação do analfabetismo ao fim de 2024. Sem o cumprimento nem da meta intermediária, a erradicação do analfabetismo nos próximos anos torna-se possibilidade cada vez mais distante. A pesquisa mostra ainda que, das metas traçadas pelo PNE, a universalização do atendimento escolar para a população de 15 a 17 anos até 2016 foi descumprida pela União, Estados e municípios. No ano passado, a taxa de escolarização das pessoas de 15 a 17 anos foi de 87,2%, o equivalente a 9,3 milhões de estudantes. Do grupo de 15 a 17 anos que frequentavam a escola, segundo a pesquisa, apenas 68% estavam na série adequada para a idade.

O acesso a creches no Brasil ainda é escasso: a taxa de escolarização entre as crianças de zero a três anos era de 30,4% em 2016, o equivalente a 3,1 milhões de crianças. O baixo acesso a creches se reflete na sobrecarga das mães: uma em cada quatro mulheres jovens de 14 a 29 que não estudavam, em 2016, alegaram como motivo a necessidade de realizar afazeres domésticos e cuidar de crianças ou idosos. O percentual de mulheres nessa faixa que mencionaram essa razão (26,1%) era 30 vezes superior ao dos homens (0,8%).