Valor econômico, v. 18, n. 4407, 22/12/2017. Política, p. A6.

 

 

Ex-diretor da Dersa rebate delatores

André Guilherme Vieira

22/12/2017

 

 

Em depoimentos à Polícia Federal (PF), o ex-diretor da Dersa, o engenheiro Paulo Vieira de Souza, conhecido como 'Paulo Preto', afirmou haver inconsistências nas versões de delatores da Odebrecht que o acusaram de montar um cartel de empresas para cobrar propinas em obras de governos estaduais e municipais de São Paulo entre 2004 e 2012, e disse que "somente pode supor que toda delação elaborada pela Odebrecht trata-se de uma fraude". O Valor teve acesso aos depoimentos prestados por Souza à PF desde maio.

Souza usou o exemplo da obra do trecho Sul do Rodoanel, na qual delatores o acusaram de pedir propina equivalente a 0,75% do contrato da Odebrecht. Ele sugeriu que os executivos teriam desviado dinheiro da própria empresa. "O objetivo" era "dissimular o verdadeiro destino dado aos recursos".

Segundo Souza, " 0,75% sobre o contrato da Odebrecht, que alcançava o valor de R$ 300 milhões daria o valor médio mensal de R$ 75 mil", montante que "seria bem diferente do valor de R$ 200 mil mensais que seriam pagos a título de propina", conforme afirmaram os executivos delatores da empresa Benedicto Júnior, o 'BJ' e Carlos Armando Paschoal, o 'Cap'.

Paulo Souza narrou à PF que as empreiteiras resistiam em aceitar a alteração do regime contratual para o Rodoanel Sul - de preço unitário para preço global - porque dessa forma não conseguiriam elevar os preços em até um quarto do valor total por meio do expediente dos aditivos contratuais - prática que ficou conhecida no chamado 'jogo de planilhas' das empreiteiras nos contratos bilionários da Petrobras investigados pela Lava-Jato.

O ex-diretor da Dersa contou que o executivo da Odebrecht Roberto Cumplido, hoje também delator, o pressionou. "Falou que iria tratar diretamente com o governo e que a Odebrecht acionaria [seu então presidente] Pedro Novis". À época, o governador de São Paulo era José Serra, hoje senador pelo PSDB.

Souza relatou que resolveu procurar o chefe da Casa Civil de Serra de então, o atual ministro das Relações Exteriores Aloysio Nunes, e o então secretário de Planejamento Francisco Vidal Luna. O engenheiro disse que ambos levaram o assunto ao conhecimento do governador.

O ex-diretor da Dersa disse que posteriormente recebeu de Aloysio e de Luna "a determinação para que as condições de renegociação [dos contratos para valor global] fossem impostas aos empresários".

Segundo Souza, foi então realizada uma reunião na Casa Civil da qual participaram Aloysio, Luna, além dos na época secretários de Transporte e da Fazenda, Mauro Arce e Mauro Ricardo, respectivamente.

E que, após ouvir as explicações de Souza, Aloysio mandou providenciar o sugerido pelo engenheiro, promovendo a edição do Termo Aditivo e Modificativo do contrato 3584/2006, que estabeleceu alterações no regime de todos os contratos das obras do Rodoanel-Sul. A obra teve seu projeto executivo na gestão anterior, de Geraldo Alckmin (PSDB), em 23 de março de 2005.

Segundo o depoimento de Souza, mesmo não podendo apresentar pedidos de aditivos nos contratos, em janeiro de 2009 as empresas dos consórcios do trecho Sul do Rodoanel solicitaram o acréscimo contratual de 38 % em aditivos, o que corresponderia a cerca de R$ 750 milhões, afirmou o engenheiro.

Os delatores da Odebrecht têm sustentado que Paulo Souza pediria propina em troca do direcionamento de obras para Odebrecht, Andrade Gutierrez, Camargo Corrêa, OAS, e Queiroz Galvão, e que os recursos indevidos abasteceriam campanhas do atual ministro de Ciência, Tecnologia e Comunicações, Gilberto Kassab (PSD),além de Aloysio e Serra - fato que o ex-diretor e os políticos têm negado.

Na terça-feira, Kassab foi alvo de ação por improbidade movida pela promotoria paulista pelo suposto recebimento de propinas de R$ 21 milhões da Odebrecht. O ministro disse em nota que "aguarda com serenidade" para "demonstrar a legalidade de todos os atos de sua gestão".

Procurado por telefone e por meio de sua assessoria de imprensa, o senador José Serra afirmou que não comenta declarações de Paulo Souza.

Indagado se Paulo Souza atuou como seu arrecadador de campanha, o ministro Aloysio Nunes respondeu que não.

Sobre o suposto recebimento de recursos ilícitos que seriam operados por Souza, Aloysio disse que o depoimento de 'Cap' aponta que em nenhum momento ele pediu nem sugeriu "qualquer vantagem indevida" nas vezes em que estiveram juntos, e que somente trataram de financiamento de campanha "em meu comitê eleitoral quando eu já não era mais secretário do governo Serra".

Procurado, o atual governador Alckmin disse que em 2005 seu governo "não tinha conhecimento [de ilícitos] e se o tivesse teria tomado as medidas necessárias no campo legal e administrativo para apuração das ilegalidades"

Ouvido por promotores de São Paulo, em 'instrumento de autocomposição' (leniência municipal) firmado com a Odebrecht, o delator Cap disse que Souza pediu 5% de propina para empresas vencedoras das licitações do Sistema Viário Estratégico de São Paulo, que envolveria sete obras orçadas em cerca de R$ 4 bilhões.

O projeto previa obras do Complexo Viário Jacu-Pêssego Sul e Nova Marginal Tietê - que foram entregues. E outras cinco que não saíram do papel, como o túnel da avenida Jornalista Roberto Marinho. A Dersa ficou responsável por licitar e fiscalizar a obra do túnel da avenida Roberto Marinho, sob argumento de que a prefeitura não tinha expertise para a obra.