Valor econômico, v. 18, n. 4407, 22/12/2017. Empresas, p. B1.

 

 

Embraer e Boeing respondem a rivais

Renato Rostás, Stela Fontes, Paula Slemi, Fernando Torres, Rosângela Bittar, Daniel Rittner e Marcelo Ribeiro

22/12/2017

 

 

Menos de dois meses depois do anúncio da aliança entre a europeia Airbus e a canadense Bombardier, as fabricantes de aviões americana Boeing e a brasileira Embraer informaram ontem que estão em "tratativas" para uma potencial combinação de negócios. O anúncio foi feito de forma conjunta, no meio do pregão, após revelação das negociações pelo "The Wall Street Journal".

Como herança da privatização da empresa em 1994, o governo brasileiro possui uma ação com direito especial na Embraer, conhecida como "golden share", que lhe dá direito de veto em uma oferta de compra de controle. A concordância da União é, portanto, uma condição sine qua non para que uma negociação siga adiante.
O Valor apurou que o presidente Michel Temer e o ministro da Defesa, Raul Jungmann, foram informados ontem sobre a aproximação entre a Boeing e a Embraer. Para uma fonte graduada do governo ouvida sob condição de anonimato, "a Embraer, seu controle, é inegociável".

Uma outra fonte disse que a desnacionalização da empresa é o que não se aceitará. "Se for parceria, com algum tipo de producao compartilhada e transferência tecnologia, tudo bem."

No comunicado conjunto, Embraer e Boeing disseram que as "bases" de um eventual acordo ainda estão sendo discutidas e que não há garantia de que as conversas resultarão em uma transação, que dependeria da aprovação dos conselhos das empresas, de órgãos reguladores, do governo brasileiro e dos acionistas da Embraer.

O "orgulho nacional" que é associado à Embraer tende a ser uma importante questão a ser considerada na estrutura de um potencial arranjo, disseram em relatório os analistas Robert Spingarn, José Caiado e Audrey Preston, do banco Credit Suisse. Para eles, uma eventual fusão entre as fabricantes de aeronaves Embraer e Boeing seria "altamente dependente" da vontade do governo brasileiro.

Um modelo que especialistas consideram que poderia viabilizar uma união de forças, mas sem transferir o controle da Embraer à companhia americana, seria a formação de uma joint venture para a área de jatos comerciais da brasileira, que é a que mais interessa estrategicamente a Boeing.

Na bolsa, os investidores reagiram imediatamente à notícia e as ações, que chegaram a subir mais de 30% durante os negócios, encerraram o pregão com alta de 22,5%. A disparada, a maior em um dia desde 1998, fez o valor de mercado da Embraer saltar quase R$ 3 bilhões, de R$ 12,2 bilhões para R$ 15 bilhões. O giro financeiro foi de R$ 341,8 milhões, o sexto maior do Ibovespa e 14 vezes superior aos R$ 24,9 milhões negociados no pregão anterior.

A depender o modelo que se use na combinação de negócios, a transação pode ganhar dimensão gigantesca. O estatuto social da Embraer prevê uma série de critérios de preço mínimo para que um potencial adquirente assuma seu controle. Todos eles envolvem prêmio de 50% sobre a avaliação que se obtiver - seja com base na cotação em bolsa, em múltiplos de Ebitda ou pelo tamanho da carteira de pedidos. A depender da métrica, os dispositivos poderiam fazer o negócio alcançar a cifra de R$ 30 bilhões, ou até R$ 50 bilhões (US$ 15 bilhões), conforme estimativa do BTG.

Mas essas cláusulas do estatuto, conhecidas como pílulas de veneno, não precisam ser seguidas obrigatoriamente se os próprios acionistas concordarem em suspender seus efeitos e vender os papéis por um preço menor.

Com a alta de ontem, a Embraer é avaliada em 6,9 vezes seu lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização (Ebitda), enquanto a média de fusões e aquisições no setor embute um múltiplo de 11 vezes, segundo estudo recente da Janes Capital.

Embora a Embraer seja reconhecida pela qualidade e competitividade de seus jatos regionais de 100 a 150 assentos, bem como área de aviação executiva e de defesa, a Boeing, especialista na fabricação de aviões comerciais de fuselagem larga, tem um porte muito maior.

A receita da americana em 12 meses até setembro somou US$ 91 bilhões, o que equivale a 15 vezes a receita da Embraer no mesmo período, de US$ 6,1 bilhões. Em termos de carteira de pedidos, a Boeing contava com US$ 474 bilhões ao fim do terceiro trimestre. A brasileira tinha US$ 18,8 bilhões.

Em relatório, os analistas Renato Mimica e Samuel Alves, do BTG, lembram ainda que esse potencial acordo potencial vem após o anúncio de uma parceria entre a Bombardier e a Airbus para o programa de jatos CSeries, o maior concorrente da fabricante brasileira no segmento comercial de 100 a 150 lugares e poderia ser visto como "uma resposta natural em termos de adicionar jatos regionais ao portfólio da Boeing".

Segundo um ex-funcionário da fabricante brasileira, desde o anúncio de parceria entre as rivais, o mercado de aviação tinha certeza de que a americana Boeing não poderia ficar para trás, e que a solução óbvia era tentar um negócio com a Embraer.

Para ele, especialista em aviação, o negócio não faz sentido apenas para correr atrás da Airbus. De fato as áreas de atuação de Boeing e Embraer são complementares, mas é no mercado de defesa que ele vê uma boa oportunidade. "Hoje contratos militares são muito rentáveis e os Estados Unidos estão de olho nisso", disse, citando a boa entrada da Embraer em regiões como África e China. "A África Subsaariana é o novo eldorado da aviação e a Embraer seria uma ponta de lança fundamental."

Para a própria Embraer, a fonte vê uma saída para certas barreiras de mercado.