Valor econômico, v. 18, n. 4408, 26/12/2017. Opinião, p. A10.

 

 

Estudo da OCDE propõe aposentadoria flexível

Juliano Barra

26/12/2017

 

 

A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) publicou recentemente seu estudo bienal (2015-2017) sobre o panorama das aposentadorias e pensões (Pensions at a Glance). Este trabalho compreende os países membros da organização assim como a maioria dos países emergentes, inclusive o Brasil. Além de constatar que o ritmo das reformas em matéria de aposentadorias foi menor que no binômio anterior, que a taxa média líquida de substituição está hoje em 63%, que até 2060 metade de seus membros aumentará a idade mínima para aposentadoria atingindo 66 anos, uma nova diretriz começa a ser vislumbrada: a aposentadoria flexível.

Cientes que o mercado de trabalho sofreu e irá sofrer grandes transformações, ao mesmo tempo em que há uma expectativa de vida maior entre as pessoas, por qual razão é tão impopular trabalhar mais tempo se as pessoas vivem mais e estão em boa saúde? Existiria de fato um sentido econômico para se trabalhar mais tempo? A constatação é que em matéria de aposentadorias os sistemas dos países não estão adaptados a esta realidade de forma a combinar, sem perda de direitos, trabalho concomitantemente com o percebimento de prestações de aposentadoria. Este debate sobre a cumulação salario/aposentadoria deve ser refundado sob um novo prisma e em dia com os desafios atuais da nossa sociedade.

Segundo o estudo, uma pesquisa recente aponta que quase dois terços dos cidadãos da União Europeia se dizem mais atraídos por sistemas que combinassem um emprego a tempo parcial e uma pensão parcial, ao invés de uma aposentadoria integral. Em outros termos, a aposentadoria flexível corresponde em receber uma prestação de aposentadoria - parcial ou total, enquanto ainda continua em trabalho remunerado, contudo com horário reduzido e sob a escolha planejada de quando irá se aposentar definitivamente. Uma maior expectativa de vida, a crescente diversidade de trajetória nas carreiras e o crescente desejo de maior autonomia na decisão de aposentadoria são motivos que fundamentam uma alteração nas regras afim de permitir aos indivíduos a decisão de quando e como "partir en retraite".

Importante notar que a maioria dos sistemas de aposentadorias dos países da OCDE permitem combinar trabalho e pensões após a idade mínima legal de aposentadoria, porém com desincentivos e restrições Na Austrália, Dinamarca, Grécia, Israel, Japão, Coreia do Sul e Espanha a cumulação trabalho/aposentadoria é permitida, porem sobre influência de um limitador que implica em uma redução considerável das prestações. As contribuições sociais também são recolhidas e não se convertem em novos direitos. Não sem motivo que somente cerca de 10% das pessoas com idade entre 60-69 combinam trabalho e pensões no continente. Outro dado trazido é que enquanto no Japão 43% dos trabalhadores desejariam trabalhar após se aposentarem, este número na França não alcança 15%.

A continuidade do trabalho por mais tempo contribui para um maior crescimento econômico, gerando maiores receitas, especialmente em países que enfrentam o rápido envelhecimento populacional, como o caso do Brasil. Por outro lado, a introdução da aposentadoria flexível pode trazer alguns riscos, uma vez que os indivíduos podem subestimar suas necessidades financeiras na aposentadoria e assim optar por sair cedo com benefícios reduzidos e encontrar-se mais tarde em dificuldades. As oportunidades em um regime de aposentadoria flexível dependem também da capacidade das pessoas fazerem escolhas bem informadas, logo, a educação financeira desempenha um papel crucial a esse respeito.

Relata ainda a OCDE que em países como Estônia, Islândia, Japão, Coreia do sul e especialmente em Portugal, os incentivos financeiros para continuar trabalhando após a idade legal de aposentadoria existem e vão além dos aumentos que seriam justificados para compensar o menor período de aposentadoria. Importante notar que Chile, República Tcheca, Estônia, Itália, México, Noruega, Portugal, Eslováquia e Suécia oferecem um modelo de aposentadoria flexível e próximo do que sugere o organismo internacional. Estes países permitem combinar trabalho e prestações de aposentadoria de forma flexível, sem quaisquer limitações de ganhos; recompensa o adiamento da aposentadoria; e, por fim, não penalizam sobremaneira aqueles que optaram por se aposentarem mais cedo. É importante notar também que o baixo número na adoção da aposentadoria flexível tem igualmente como causa fatores que vão além de aspectos previdenciários, a exemplo da resistência de muitas empresas em contratar trabalhadores seniores ou a existência de limites à autonomia das pessoas para decidir quando irão se aposentar.

Vejamos que este debate relançado pela OCDE vai muito além dos limites de uma simples cumulação entre atividade remunerada/aposentadoria, o que, no Brasil, é permitido e referendado pelo próprio STF. O que se busca a nosso ver seria a conciliação entre trabalho e aposentadoria, ou seja, trabalho e vida privada; dar maior transparência nas regras de aposentadoria; incentivar os governos a implementar uma política de educação financeira; proporcionar uma maior receita por meio do recolhimento de contribuições previdenciárias; adequar-se à expectativa de vida das pessoas; adequação ao modelo de carreira e trajetória profissional em uma era digital e principalmente dar maior autonomia para que as próprias pessoas possam escolher o momento de sua aposentadoria e seu valor.

Para que a aposentadoria flexível seja alcançada deve-se recompensar aqueles que optam por permanecer trabalhando, mesmo que preenchidos todos os requisitos para uma aposentaria integral, e ao mesmo tempo criar regras de flexibilização para aquelas pessoas que desejam se aposentar antes da idade mínima exigida e continuar trabalhando, sendo que suas contribuições irão criar novos direitos quando de uma aposentadoria definitiva.

 

Juliano Barra é professor assistente (Ater) na École de Droit de la Sorbonne e doutor em direito pela Université Paris.