O globo, n. 30739, 04/10/2017. Economia, p.19

Investimentos em queda

 BÁRBARA NASCIMENTO

MARTHA BECK

 

 

Mesmo com a liberação ontem de R$ 3,9 bilhões, PAC teve corte de R$ 12,1 bilhões este ano

O governo liberou, ontem, R$ 9,8 bilhões do Orçamento federal para gastos dos ministérios. Esse valor faz parte de um descontingenciamento de R$ 12,8 bilhões que foi anunciado pelo Ministério do Planejamento na semana passada e que será totalmente concretizado até o fim do ano. Dos R$ 9,8 bilhões liberados, R$ 3,9 bilhões são para obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). O dinheiro, contudo, ainda está longe de resolver a demanda por recursos para investimentos da União. O PAC — no qual estão concentrados os principais projetos financiados com recursos do Orçamento federal — foi a maior vítima do drama das contas públicas em 2017.

Com gastos obrigatórios elevados e seguidas frustrações de receitas, a equipe econômica foi obrigada a praticamente paralisar o programa para assegurar a meta fiscal do ano, de um déficit primário de R$ 159 bilhões. Embora a Lei Orçamentária de 2017 tenha previsto um total de R$ 36 bilhões para o PAC, o programa foi cortado em R$ 16 bilhões até setembro. A tesourada foi agora reduzida para R$ 12,1 bilhões.

Uma portaria publicada ontem no Diário Oficial da União informa que o maior alívio será dado ao Ministério da Defesa, de R$ 2,117 bilhões. Deste montante, R$ 1,1 bilhão será para obras da pasta que estão dentro do PAC. Em segundo lugar na lista de beneficiados está o Ministério da Integração Nacional, com R$ 1,198 bilhão. Neste caso, uma parte dos recursos será para o pagamento de carros-pipa que fornecem água para diversos municípios do Nordeste. Em terceiro, ficou o Ministério das Cidades, com R$ 923 milhões, seguido por Transportes, Portos e Aviação Civil, com R$ 892 milhões.

 

R$ 10,3 BILHÕES ATÉ JUNHO

O balanço mais recente do PAC, divulgado no fim de agosto, mostra como o ajuste fiscal impactou os investimentos nos últimos dois anos. Em 2015, saíram diretamente dos cofres públicos R$ 47,2 bilhões para o programa. Em 2016, foram R$ 42 bilhões. Neste ano, esse valor foi reduzido para R$ 10,3 bilhões, segundo dados até junho. Dessa forma, o investimento fica cada vez mais dependente de outras fontes de recursos. Dentro do PAC, além do dinheiro que sai do Orçamento da União, há recursos de financiamentos, do setor privado e contrapartida de estados e municípios.

Segundo o Ministério do Planejamento, das 1.600 obras que estavam paralisadas em novembro de 2016, 673 foram retomadas, e apenas 198, concluídas. O levantamento do ministério mostra que os investimentos param por muitos motivos. Além da restrição orçamentária, há problemas técnicos, ambientais e, ainda, 212 obras abandonadas pelas empresas contratadas. A maior parte dos projetos que foram entregues neste ano é de menor porte: saneamento, urbanização de assentamentos e centros de iniciação ao esporte. Ou seja, as grandes obras andaram pouco.

Dos mais de três mil quilômetros de rodovias em adequação ou duplicação prometidos para o período 2015-2018, apenas 131 quilômetros ou 3,9% foram finalizados. Entre os 5.300 quilômetros de rodovias em construção ou pavimentação, só 394 quilômetros ou 7,4% foram entregues. Quanto aos portos, apenas uma das 11 obras de dragagem previstas foi concluída. Duas delas sequer foram contratadas. Entre as obras de construção, ampliação e modernização de portos, o número é pior: quatro de 34 foram finalizadas. Mesmo entre os aeroportos, que têm sido o carrochefe das concessões, apenas 20 das 63 obras prometidas foram entregues.

Carlos Campos, pesquisador de infraestrutura do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), explicou que é natural que, em um momento de dificuldade fiscal, o investimento seja o primeiro a ser sacrificado. Segundo ele, desde 2012, o país vive uma diminuição gradual de recursos do Orçamento federal para o investimento.

 

INVESTIMENTO PRIVADO É LIMITADO

Grande parte do que foi investido, lembrou Campos, era baseada em desembolsos da Caixa e do BNDES. Para ele, o governo conseguiu equacionar essa conta por meio do investimento privado, com o modelo de concessões. Campos destacou, contudo, que há um limite para essa substituição, à medida que o interesse do setor privado é restrito a projetos que têm retornos altos e grande parte deles já foi concedida:

— No Brasil, já há uma participação intensa do capital privado em infraestrutura. Mas há um limite. A atração econômicofinanceira desses projetos é a taxa de retorno que eles propiciam. Rodovias de baixo fluxo, aeroportos de baixo movimento e ferrovias são investimentos que têm dificuldade de atrair o capital privado.

O secretário de Desenvolvimento da Infraestrutura do Ministério do Planejamento, Hailton Madureira, admitiu que os recursos disponíveis para investimentos do PAC estão cada vez mais limitados pelo engessamento do Orçamento.

— De fato, o quadro não está ideal para os investimentos do governo federal. Enquanto não houver uma reforma da Previdência e uma revisão de outras despesas obrigatórias, o espaço para o restante ficará limitado — disse Madureira, acrescentando: — Ainda existe uma incerteza muito grande nas receitas. Isso prejudica a execução do Orçamento.

Mesmo assim, o secretário destacou que o governo vai conseguir concluir, pelo menos, cinco obras importantes previstas para 2015-2018, incluindo o aeroporto de Vitória; o trecho da BR-163 até o Porto de Miritituba, no Pará; a dragagem do Porto de Paranaguá; e a ponte sobre o Rio Madeira. Ele destacou, ainda, que o governo tem conseguido fazer um pagamento expressivo de despesas do PAC no último mês do ano. Em 2016, a Lei Orçamentária previa R$ 30 bilhões, sendo que o total pago até o fim daquele ano chegou a R$ 42 bilhões. Isso se deveu a uma decisão do governo de quitar um alto volume de restos a pagar de anos anteriores. Em 2015, o pagamento total foi de R$ 45 bilhões, sendo R$ 15 bilhões em dezembro.