O globo, n.30739 , 04/10/201. ECONOMIA, p.20

MÍRIAM LEITÃO

Números oscilantes

 
 

A queda da produção industrial, contrariando estimativas de ligeira alta, mostrou que a recuperação é instável. Foram quatro meses de crescimento e um forte tombo em agosto. Na indústria de automóveis, as vendas caíram 7% em setembro, mas a Fenabrave elevou para 10% a projeção de alta no ano. O crédito está voltando para a compra de veículos. A bolsa de valores disparou e bateu novo recorde.

O presidente da entidade que representa as montadoras, Alarico Assumpção, está mais otimista com o momento da economia. O setor automotivo terminou o ano passado com um queda de 20% e fechará este ano com crescimento de 10%. A Fenabrave começou o ano prevendo uma alta de 2%, elevou o número para 4%, e ontem divulgou essa taxa de dois dígitos. Os consumidores voltaram a fazer pedidos de financiamentos para a compra de veículos e no acumulado deste ano a concessão de crédito automotivo já disparou 21% segundo dados do Banco Central.

— Estamos vivendo um ano de forte recuperação, mas a base de comparação é baixa. Houve queda nas vendas em setembro, em relação a agosto. Porém, quando a análise é feita pela média de dias úteis, há uma alta de 6%. Os estoques caíram, os bancos continuam seletivos na concessão, mas a procura por financiamento aumentou — disse.

Ainda assim, há segmentos no vermelho. As vendas de motocicletas devem cair 13% no ano, porque os consumidores de mais baixa renda ainda têm dificuldade de conseguir crédito. A venda de caminhões também deve recuar 2%, segundo a Fenabrave. Os empregos no setor pararam de cair, mas o número de trabalhadores ainda está 170 mil abaixo do período anterior à crise. O momento ainda não é de recontratação.

Na indústria como um todo, houve quatro meses de alta, o que deu um crescimento acumulado de 3,3%. Mas em agosto houve a queda de 0,8%. A mediana das projeções apontava ligeiro crescimento de 0,1%, e havia números ainda mais positivos. A situação da indústria é de uma recuperação gradual, como se pode ver no gráfico abaixo. O nível atual está 17% abaixo do pico, atingido em 2013, mas está 4% acima do mesmo período de 2016. A projeção do Boletim Focus é de aumento de apenas 1,05% este ano e 2,4% no ano que vem. Pelas contas do economista André Perfeito, da Gradual Investimentos, se esse ritmo for mantido, a indústria levará sete anos para voltar ao patamar de 2013.

O Itaú Unibanco, que projetou queda de 0,7% da indústria em agosto, ponderou que houve resultados positivos entre as categorias industriais. Os bens de consumo duráveis tiveram forte alta, de 4,1%, e os bens de capital, ou seja, investimentos, cresceram 0,5%. Para setembro, o banco analisou vários indicadores, como consumo de energia, confiança de empresários e utilização da capacidade instalada, e prevê alta de 0,6%.

Enquanto isso, a bolsa de valores segue em seu universo paralelo e quebrou mais um recorde. Os investidores do mercado financeiro se aproveitam do momento de forte liquidez no mundo e vivem a expectativa de que um candidato reformista irá ganhar as eleições no ano que vem. Lá fora, o índice americano Dow Jones também bateu recorde, e o governo chinês anunciou que vai liberar compulsório, o que ajudou as ações de empresas de commodities no Brasil.

Mesmo em queda, a indústria confirma o movimento de saída da recessão. É lento, difícil, oscilante. Quando parece que a economia vai pegar ritmo, vem um número vermelho para lembrar que esta é a mais prolongada e profunda recessão da história do país.