Correio braziliense, n. 19964, 20/01/2018. Mundo, p. 13

 

Apoio aos povos amazônicos

20/01/2018

 

 

Aplausos e toques de tambores interromperam várias vezes o discurso do papa Francisco, que, no segundo dia da visita ao Peru, foi ontem a Puerto Maldonado,  localidade de quase 100 mil habitantes, perto da fronteira com Brasil e Bolívia, onde se reuniu com 3,5 mil índios dos três países. “Provavelmente, os povos amazônicos originários nunca estiveram tão ameaçados em seus territórios como estão agora”, lamentou o pontífice. “Vemos as profundas feridas que a Amazônia e seus povos levam consigo. E quis vir visitá-los e escutá-los para (...) reafirmar uma opção sincera pela defesa da vida, defesa da terra e defesa das culturas”, acrescentou. Em um evento com fiéis, logo em seguida, Francisco condenou o tráfico de pessoas. “Deveríamos falar de escravidão”, pontuou.


Depois do clima de tensão que permeou os quatro dias da viagem ao Chile, o encontro com os povos amazônicos foi um bálsamo para Francisco, recebido de forma calorosa. Sorridente, o papa usou os adornos ofertados pelos índios. E rezou uma missa no altar improvisado no estádio de Puerto Maldonado. “Pedimos a ele que nos defenda. Os nativos são sobreviventes de muitas injustiças”, disse Yésica Patiachi, do povo Harakbut.

Danos ambientais, desmatamento, contaminação de rios, pobreza, tráfico de pessoas e prostituição são enfrentados pelos povos originários. Francisco ouviu as reclamações das comunidades preocupadas com a exploração selvagem dos recursos naturais. E também alertou que há programas de conservação da natureza que tampouco levam em conta os povos amazônicos.


“A ameaça contra seus territórios também vem pela perversão de certas políticas que promovem a ‘conservação’ da natureza sem levar em conta o ser humano”, expressou, criticando os programas de esterilização de mulheres, praticados no Peru durante o governo de Alberto Fujimori (1990-2000).

Puerto Maldonado é a capital da mineração ilegal do Peru, que gera lucros de US$ 1 bilhão por ano, mas não deixa benefícios aos povos originários. E nem mesmo à Receita, que perde a arrecadação de cerca de US$ 350 milhões anuais em impostos, segundo cifras oficiais. “No sul do Peru, a atividade mineradora é o fator mais crítico (do desmatamento)”, assegura Matt Finer, diretor do projeto Maap (controle dos Andes amazônicos), formado por duas associações ecologistas, uma local e outra americana.

De acordo com o Maap, a destruição da Amazônia avançou no ano passado, com um recorde de 20 mil hectares devastados, o equivalente a 28.500 campos de futebol. Além disso, os mineiros usam mercúrio para amalgamar o ouro, o que contamina os rios. A Amazônia, que cobre um terço do território peruano, é tão extensa e remota que não há presença do Estado, o que facilita o crime. Muitas aldeias apenas são acessíveis pela via aérea ou fluvial.

Desvalorização
Após o encontro com os indígenas, o papa participou de um evento com fiéis, no qual afirmou que o tráfico de pessoas não é mais do que “escravidão” e criticou a violência contra as mulheres. “Nós nos acostumamos a usar o termo tráfico de pessoas (...), mas, na realidade, deveríamos falar de escravidão: escravidão para o trabalho, escravidão sexual, escravidão para o lucro”, elencou. “As florestas e os rios são usados até o último recurso e depois deixados vazios e sem função. As pessoas também são tratadas sob essa lógica”, acrescentou.

Francisco se deteve também nas críticas à violência contra as mulheres. “Dói constatar como nesta terra, que está sob o amparo da mãe de Deus, tantas mulheres são desvalorizadas, menosprezadas e expostas a inúmeras violências”, desabafou. “Não se pode naturalizar a violência com as mulheres (...). Não é certo olhar para o outro lado e deixar que tantas mulheres, especialmente adolescentes, sejam pisoteadas em sua dignidade”, disse Francisco, na presença do presidente Pedro Pablo Kuczynski.