Correio braziliense, n. 19975, 31/01/2018. Cidades, p. 19

 

Elas são poderosas 

Gabriella Furquim

31/01/2018

 

 

PODER PÚBLICO » As mulheres buscam e conquistam cada vez mais espaço nas políticas local e nacional, apesar da ainda baixa representatividade. No Congresso, há uma representante do DF entre oito parlamentares. Na Câmara Legislativa, são cinco de 24 distritais

Elas são maioria na população, mais escolarizadas e dominam as listas de aprovados em concursos públicos. Mas, quando o assunto é ocupar cargos eletivos e políticos, a realidade se inverte. No Governo do Distrito Federal (GDF), percebe-se com clareza a distorção: as mulheres representam 66,7% dos servidores e empregados ativos, mas ocupam 15,8% dos cargos de natureza política. São nove mulheres nos 57 postos do alto escalão do Executivo local.

No Legislativo, a situação é parecida. Na Câmara, dos 24 deputados distritais eleitos, cinco são mulheres, ou seja, elas ocupam 20,8% do plenário. No Congresso Nacional, há uma mulher entre os oito parlamentares de Brasília no Senado e na Câmara dos Deputados, uma porcentagem feminina de 12,5 %. “Além da sub-representatividade, vivemos uma desumanização simbólica. As mulheres lutam para serem donas de seus próprios corpos e da sua fala. Quando a mulher fala, é uma ruptura muito nítida no parlamento. Há mais animosidade, mais reações”, afirma a deputada federal Erika Kokay, única representante do DF na Casa.

Além disso, elas enfrentam dificuldades no dia a dia político. Recentemente, o Correio denunciou o mal-estar sofrido em reunião que antecedeu a votação da liberação de R$ 1,5 bilhão em verbas de precatórios e economizadas do fundo de previdência dos servidores para o GDF. A secretária de Planejamento, Orçamento e Gestão, Leany Lemos, foi recorrentemente interrompida — o comportamento é chamado de manterrupting (leia Glossário) —, e os parlamentares, consultados sobre a necessidade da presença da chefe da pasta no encontro. “Aquele machismo grosseiro, de que mulher não pode trabalhar, não pode estudar, nós estamos superando. Hoje, enfrentamos o desafio da exclusão das mesas de decisão, dos cargos de poder. Enfrentamos o medo de falar, a desconfiança por sermos as únicas em reuniões importantes”, afirmou.

No GDF, elas chefiam as administrações regionais de Taguatinga, do Gama e do Itapoã; a Agência de Fiscalização (Agefis); a Procuradoria-Geral; e as secretarias de Projetos Estratégicos; de Planejamento, Orçamento e Gestão; de Esporte, Turismo e Lazer; e de Trabalho, Desenvolvimento Social, Mulheres, Igualdade Racial e Direitos Humanos.

A cientista política Débora Thomé estuda a participação das mulheres na política pela Universidade de Columbia, em Nova York. Segundo ela, o silenciamento é um processo com origem em uma cultura milenar. “A menina aprende desde cedo que o lugar dela é a casa. O espaço público é do homem e, nele, as mulheres não estão autorizadas a falar. Elas são constantemente desautorizadas. E, quando rompem esse limite, são vítimas de manterrupting. Uma prática que as ataca em um ponto em que a sociedade provoca e reforça a vulnerabilidade. No caso, evidencia que ela ocupa indevidamente o poder de fala, o espaço público”, analisa.

Eleições

A legislação eleitoral determina que 30% das candidatas em cada coligação sejam mulheres. Pioneira na política brasiliense, Maria de Lourdes Abadia foi deputada constituinte, distrital, vice-governadora, governadora e, hoje, atua como secretária de Estado. Ela aponta dificuldades dentro dos partidos como uma das razões para o número baixo de eleitas. “Nós enfrentamos a desconfiança e os questionamentos sobre a nossa competência. As coligações só se preocupam em ter candidatas para cumprir tabela. Não há a preocupação em formar boas candidatas”, denuncia.

A cientista política Débora aponta o fenômeno das candidatas-laranjas. “Os partidos são responsáveis pelos financiamentos de campanhas, as candidatas mulheres não recebem tantos investimentos quanto os homens e muitas candidaturas são apenas para cumprir a legislação”, reforça.  De acordo com o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), nas eleições municipais de 2016, de cada 10 concorrentes sem votos, nove eram mulheres.

Em estudo da atual legislatura da Câmara Legislativa, a professora Danuza Marques, do Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília (UnB), constatou que elas são sub-representadas nas comissões permanentes de maior importância política. Um exemplo é a Comissão de Economia, Orçamento e Finanças (Ceof), que não conta com nenhuma parlamentar entre os titulares.

A ausência delas nas discussões estratégicas também é uma questão abordada por Débora. “Quando elas conquistam poder, cabem a elas os espaços relacionados à vida doméstica. As mulheres são mais aceitas em pastas relacionadas às crianças, por exemplo. Mas dificilmente estão em discussões de poder político, como de orçamento.”

Frases

"Nós, mulheres, não podemos errar. Se erramos, é porque estamos no lugar errado, em lugares onde só os homens são dignos. A nossa capacidade é imediatamente questionada. Seja no trânsito, seja no Congresso"

Érika Kokay, deputada federal (PT)