O globo, n.30747 , 12/10/2017. PAÍS, p.3

AO CONGRESSO, A PALAVRA FINAL

ANDRÉ SOUZA

 CAROLINA BRÍGIDO

EDUARDO BRESCIANI

 RENATA MARIZ

KARLA GAMBA

 

 

STF decide que Legislativo precisa dar aval a medidas que afetem mandatos de parlamentares

 

O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu ontem por seis votos a cinco, que o Congresso precisa dar aval a medidas cautelares que afetem o mandato parlamentar. A decisão terá repercussão sobre o caso do senador Aécio Neves (PSDB-MG). Na prática, o Senado votará, na próxima semana, se o tucano deve permanecer afastado do mandato e em recolhimento domiciliar noturno, como determinou a Primeira Turma do Supremo. O voto decisivo, a favor do aval do Congresso, foi dado pela presidente do Supremo, ministra Cármen Lúcia.

Os ministros do STF julgaram uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) proposta em 2016 pelos partidos PP, PSC e Solidariedade na ocasião do afastamento do então presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), que, depois, foi cassado pelos deputados. Porém, o caso ganhou relevância com o afastamento de Aécio.

Seis ministros votaram a favor de medidas cautelares que interfiram no mandato, porém desde que o Congresso delibere sobre a determinação: Alexandre de Moraes, Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes, Marco Aurélio Mello e Cármen Lúcia.

Por outro lado, cinco ministros votaram pela possibilidade de o STF decretar as medidas cautelares sem a necessidade do aval do Congresso: Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Rosa Weber, Luiz Fux e Celso de Mello.

Primeiro a se manifestar na sessão de ontem, o relator do caso, Fachin votou pela possibilidade de o Supremo decretar medidas cautelares sem a necessidade de o Congresso referendá-las. Ele argumentou que o Legislativo pode se manifestar apenas em caso de prisão de parlamentar.

Ao Poder Legislativo, a Constituição outorgou o poder de relaxar a prisão em flagrante, em juízo político. Estender essa competência para permitir a revisão por parte do Poder Legislativo das decisões jurisdicionais sobre medidas cautelares penais significa ampliar a imunidade para além dos limites da própria normatividade que lhe é dada pela Constituição. É uma ofensa ao postulado republicano e uma ofensa à independência do Poder Judiciário disse Fachin.

Na sequência, o ministro Alexandre de Moraes discordou do relator. Ele argumentou que o STF não pode afastar deputados e senadores de forma cautelar  ou seja, sem que tenha havido condenação. Depois, após o voto de Dias Toffoli, Alexandre de Moraes mudou de entendimento e votou no sentido de autorizar medidas cautelares que interfiram no mandato, porém, com aval do Congresso.

Os ministros Luís Roberto Barroso, Rosa Weber e Luiz Fux acompanharam o voto de Fachin. Dias Toffoli elaborou uma tese em parte divergente do relator, que foi seguida por outros ministros, inclusive Alexandre de Moraes, que mudou de voto.

Toffoli votou para que o STF tenha autonomia para determinar afastamento de parlamentares ou outras medidas cautelares, desde que em casos de flagrante ou “excepcionalidade”. Nesse sentido, Toffoli acompanhou o posicionamento de Fachin. Porém, ele disse que uma eventual decisão do Supremo que interfira em mandato de parlamentares deve ser submetida ao Congresso, sendo votada em 24 horas.

A meu sentir, se não houve flagrância, a concessão de imunidade formal aos parlamentares impede que lhe sejam impostas medidas cautelares pessoais que interfiram em seu mandato, ressalvadas logicamente situações de superlativa excepcionalidade  defendeu Toffoli.

Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes e Marco Aurélio Mello acompanharam os votos de Toffoli. O decano da Corte, ministro Celso de Mello, votou de acordo com o relator, Edson Fachin. Ele defendeu a ideia de que decisões do STF não estão sujeitas à revisão do Congresso.

 

CÁRMEN LÚCIA DESEMPATA

Não assiste ao Parlamento a instância arbitral da Suprema Corte. Não assiste ao Legislativo o poder de revisar decisões do Judiciário. O Legislativo pode apenas relaxar a prisão em flagrante. Estender essa competência para dar ao Legislativo poder para rever medidas cautelares penais significa ampliar as imunidades para além do postulado que lhe é próprio — explicou o decano.

Por fim, a presidente do STF, Cármen Lúcia, desempatou e votou pela possibilidade de o STF decretar medidas cautelares. Mas, sobre o caso específico de afastamento do mandato, a ministra votou pela necessidade de o Legislativo ser consultado.

No constitucionalismo contemporâneo, imunidade não é sinônimo de impunidade. Contra decisão judicial cabem recursos, mas não cabem desacatos  disse a ministra.

(*Estagiária sob supervisão de Paulo Celso Pereira)

 

CÁRMEN LÚCIA

“Considerando que o mandato não é de uma pessoa, mas de um eleitorado, considero que o julgador pode adotar a medida, mas deve encaminhar ao órgão competente para que se tenha a possibilidade de manutenção ou não (da medida).”

 

EDSON FACHIN

"Ao Legislativo, a Constituição outorgou o poder de relaxar a prisão em flagrante, em juízo político. Estender essa competência para permitir a revisão (...) das decisões sobre medidas cautelares penais significa ampliar a imunidade para além dos limites da normatividade que lhe é dada pela Constituição. É uma ofensa à independência do Poder Judiciário.”
 
 
CELSO DE MELLO
“Não assiste ao Legislativo o poder de revisar decisões do Judiciário. O Legislativo pode apenas relaxar a prisão em flagrante. Estender essa competência para dar ao Legislativo poder para rever medidas cautelares significa ampliar as imunidades.”
 
 
GILMAR MENDES

“O constituinte não deixou dúvidas. Se permitirmos a aplicação do artigo 319 (do Código de Processo Penal) na atividade parlamentar, vamos permitir a prisão provisória e vamos arrostar a literalidade do texto constitucional.”

 

MARCO AURÉLIO MELLO

“Por maior que seja a busca de correção de rumos nesta sofrida República, há de fazer-se observando a ordem jurídica. Não se aplica a deputados e senadores o artigo 319. É meu voto. E, aplicado, há de haver a submissão à Casa Legislativa.”

 

RICARDO LEWANDOWSKI

“O problema surge quando as medidas implicam o afastamento dos parlamentares. Nesse ponto, tenho que o critério para o afastamento da atividade parlamentar abrigado no artigo 53, parágrafo 2º da Constituição mostra-se perfeitamente aplicável.”

 

DIAS TOFFOLI
“Se não houve flagrância, a concessão de imunidade formal aos parlamentares impede que lhes sejam impostas medidas cautelares pessoais que interfiram em seus mandatos, ressalvadas situações de superlativa excepcionalidade.”
 
 
LUIZ FUX

“Não se admite que a lei, no âmbito criminal, seja branda com alguns e rigorosa com os demais. A Constituição consagra a imunidade para o congressista contra perseguições políticas. Não há (...) um trecho sobre crime contra a administração pública.”

 

ROSA WEBER
“Submeter ato do Poder Judiciário a escrutínio de outro poder, o Poder Legislativo, à revelia de comando constitucional, isso sim implicaria corromper o equilíbrio do delicado sistema de separação de poderes.”
 
 
LUÍS ROBERTO BARROSO
“A ideia de que o Poder Judiciário não possa usar o seu poder cautelar para impedir um crime em curso é a negação do Estado de Direito. Significa dizer que o crime é permitido para algumas pessoas. Eu não gostaria de viver em um país que fosse assim.”
 
 
 
ALEXANDRE DE MORAES

“O importante ativismo judicial deve ser baseado na Constituição. Não há e não pode haver poder sem limites, nem mesmo o do Supremo Tribunal Federal. A democracia não permite que seus agentes disponham de poderes absolutos.”