O Estado de São Paulo, n. 45337, 03/12/2017. Política, p.A6

 

 

 

Huck: alívio e luto

Anunciada sua decisão de participar da política, mas não como candidato à Presidência, Luciano Huck fez o que mais ansiava desde que entrou na roda e passou a “apanhar” nas redes sociais: submergiu. Isso não significa que esteja feliz com as decisões. “Estou aliviado e de luto”, repete a interlocutores.

Aliviado porque os não-políticos ficam traumatizados ao entrar na mira. E, de luto, porque Huck não estava brincando quando quase assinou sua filiação ao PPS, integrou movimentos de renovação política, saiu conversando a torto e a direito e meteu a cara nos estudos. A verdade é que ele estava animado.

Tudo começou quando uma amiga avisou: “O Paulo Guedes está lançando seu nome para a Presidência”. Não é nada trivial, em especial se você não é político, não tem partido, não se chama Manuel nem mora em Niterói. Mas aquilo acionou em Huck o desafio, seu gosto pelo debate político, a certeza de que o Brasil está fadado a dar certo. Oito meses depois, os dois conversavam seriamente.

 

Paulo Guedes, um dos fundadores do Banco Pactual, é um liberal moderno por definição. Quando teve o estalo de que Huck seria um bom produto eleitoral, ele vislumbrou também nele o talento e a capacidade para presidir o País. Como convém a um homem de mercado, com formação em Chicago, o estalo veio com as pesquisas.

A dois anos da eleição, as pesquisas quantitativas têm muito menos importância do que as qualitativas, porque não são nomes que definem a campanha, mas a campanha e suas circunstâncias que apontam os nomes. As quantitativas perguntam em quem a pessoa votaria e ela responde o primeiro nome que vem à cabeça, entre os mais óbvios, que já disputaram eleições e exerceram mandato. Ex-presidentes que saíram com 80% de popularidade levam essa fácil.

As qualitativas captam interesses, percepções e ambições, como se fossem jogando papeizinhos com os requisitos numa caixinha e desenhando o perfil do “cara” para aquele momento, naquelas circunstâncias. Em resumo, traçam tendências eleitorais.

A caixinha de Guedes foi preenchida com a ajuda da filha Paula, do site Jobzi, que aproxima oferta e procura de empregos e chegou ao perfil ideal para o “emprego” de presidente: jovem, empreendedor, dinâmico, bom comunicador, humanista, ativo nas redes sociais ¬– o “novo”. Assim Guedes “descobriu” Huck.

A primeira reação em contrário foi confundir celebridades com socialites. Huck não é uma socialite. É dos movimentos Agora! e Renovação-BR e iniciou uma peregrinação para conhecer e ser conhecido por Fernando Henrique, Armínio Fraga, Pedro Parente, Fernando Haddad, Roberto Freire, Marina Silva e craques em educação, saúde, gestão tecnológica.

Tinha uma sigla, contatos em várias outras, montava um programa de governo e já articulava, inclusive, uma equipe. Armínio na Fazenda? Parente (que resistia) como vice? Mendonça Neto (do DEM e ministro da Educação) na gestão? E, aos 46 anos, investia na sua geração, que tem o pé, e o cérebro, no Vale do Silício.

Tudo foi atropelado pelo timing: ao lançarem seu nome antes da hora, ele virou alvo fácil de um esquema poderoso de ataques. Ao lado de pesquisas encorajadoras, Huck dispõe de um rastreamento sofisticado desses ataques: os da turma do Lula, a soldo, têm origem clara e definida, os da turma do Bolsonaro, espontâneos, são difusos. Não havia tempo para articular o contra-ataque.

Como João Doria, Huck jogou a toalha, deixando uma ponta à mão. Ambos dependem do desempenho de Alckmin, mas o prazo de Huck é 6 de abril, último dia para filiação partidária de candidatos, e seu risco é repetir Jânio Quadros, que renunciou para voltar nos braços do povo e, ao desembarcar em São Paulo, só viu o fim da carreira: “Cadê o povo?”

 

 

 

 

O alter ego liberal de Jair Bolsonaro

PERFIL - Paulo Guedes, Presidente do Conselho de Administração da Bozano Investimentos / As ideias do economista que poderá ser ministro da Fazenda caso o deputado fluminense seja eleito em 2018

Por: José Fucs

 

José Fucs

 

Se dependesse só dele, o deputado Jair Bolsonaro (PSC-RJ), virtual candidato à Presidência em 2018, levaria, provavelmente, avida toda par atentar convencer os eleitores de que a sua propalada conversão ao liberalismo econômico é para valer. Ainda assim, ao final, talvez e lenão conseguisses e dissociar totalmente do nacional desenvolvimentismo, de viés estatizante, que marcou a sua trajetória política, cujos traços ainda estão presentes em suas declarações mais recentes sobre a economia.

Mas, na semana passada, a guinada liberal de Bolsonaro recebeu um impulso inesperado. De repente, deixou de ser apenas um discurso eleitoreiro para ganhar mais consistência. Ao revelar que estava “namorando” como economista Paulo Guedes seque ele poderá ser seu ministro da Faz endacas ovença as eleições, Bolsonaro conseguiu criar um fato novo, que pode lhe render preciosos dividendos em sua tentativa de se apresentar como um “cristão novo” do liberalismo. Pode representar também um atalho importante para ele conquistar parte da classe média e da direita liberal, que resistem à sua candidatura.

É difícil dizer, hoje, se esse “noivado hétero”, como afirmou Bolsonaro, ou o “encontro da ordem com o progresso”, como declarou Paulo Guedes, vai virar casamento. Alguns analistas, como o economista Gustavo Franco, ex-presidente do Banco Central e hoje responsável pela fundação do Partido Novo, dizem que Guedes “conversa com todo mundo” e que os contatos com Bolsonaro darão em nada.

Outros questionam se, num eventual governo Bolsonaro, Guedes teria a autonomia necessária para implementar suas ideias liberais, embora quem o conheça bem afirme não acreditar que ele se sujeitaria a ir para a Fazenda sem ter carta branca para trabalhar. De acordo com o economista Rodrigo Constantino, um dos trombones da chamada “nova direita” que surgiu no País nos últimos anos, e seu pupilo no Banco Pactual (hoje BTG Pactual), do qual Guedes foi um dos fundadores, em 1983, ele “não aceitaria ser marionete de ninguém”.

 

‘Outsider’. Por ora, o que dá para afirmar com segurança é que Bolsonaro não poderia ter escolhido um nome melhor para tentar dar alguma credibilidade à sua conversão liberal. Presidente do Conselho de Administração da Bozano Investimentos, voltada para a compra de participações em empresas, Guedes, de 68 anos, é talvez o mais liberal dos economistas brasileiros, embora não goste de se definir como tal. Ph.D. em Economia pela Universidade de Chicago, o templo do liberalismo global, e um dos fundadores do Instituto Millenium, um centro de divulgação do pensamento liberal no País, ele poderá conferir um verniz à candidatura de Bolsonaro inimaginável alguns dias atrás. “O Paulo Guedes é um craque”, diz o economista Antonio Delfim Netto, ex-ministro da Fazenda, do Planejamento e da Agricultura.

Antes de se aproximar de Bolsonaro, Guedes estimulou o apresentador Luciano Huck, com quem manteve contato permanente desde 2016, a entrar para a política, por acreditar que a desconfiança da população nos políticos tradicionais e os escândalos em série de corrupção envolvendo autoridades dos mais altos escalões da República deverão favorecer a eleição de um “outsider”. Mas Huck, pressionado pela TV Globo, que exigia uma rápida definição entre a sequência de sua carreira artística e o seu ingresso na política, anunciou a decisão de não se candidatar à Presidência em 2018. Sua desistência, que vinha amadurecendo nas últimas semanas, talvez possa fortalecer a aproximação de Guedes e Bolsonaro.

Apesar de acreditar que a liberalização da economia é a melhor forma de promover o aumento da riqueza das nações e a prosperidade geral, Guedes não se considera discípulo de Milton Friedman, Friedrich Hayek e Ludwig von Mises, que ocupam lugar de destaque na galeria dos grandes economistas libertários do século 20. Ele cultiva uma independência que o afasta das ideias convencionais dos liberais brasileiros e nunca se filiou a um partido político. “Eu não me confino em nenhuma caixa”, afirma. “A liberdade intelectual é o valor que mais prezo.”

 

Solidariedade. Em sua opinião, a divisão política tradicional entre esquerda e direita não faz mais sentido hoje no País. “O aperfeiçoamento das instituições de uma democracia emergente como a nossa é mais importante do que as obsoletas disputas ideológicas entre esquerda e direita, conservadores e progressistas, liberais e socialistas.”

Guedes se diz adepto do que chama de “sociedade aberta”, a expressão eternizada pelo filósofo Karl Popper (19021994), que procura mesclar a eficiência do mercado com a fraternidade e a solidariedade. “A grande sociedade aberta está além da direita e da esquerda. Quem ainda se preocupa com isso está vivendo na Revolução Francesa, no século 18.”

Segundo ele, uma das grandes lacunas do pensamento liberal é não valorizar a solidariedade tanto quanto a liberdade. “O que o socialismo tem de poderoso, tribal, secular? A solidariedade”, afirma. “Por que o Lula se elegeu duas vezes e depois foi o grande responsável pela eleição da Dilma duas vezes também? Porque entendeu que a solidariedade é fundamental. Se os liberais não entenderem que a solidariedade é tão importante quanto a liberdade, vão continuar a ser assassinados politicamente.”

Essa visão não o impede de ser um crítico implacável dos governos social-democratas do PT, do PSDB e do PMDB, que controlam o País desde a redemocratização, em meados dos anos 1980. “Esses social-democratas...”, costuma dizer, com ironia, ao falar dos erros que cometeram na economia. Guedes responsabiliza os economistas tucanos por não terem promovido o ajuste fiscal necessário após a implantação do Plano Real, obrigando o Banco Central (BC) a manter os juros na estratosfera, com resultados perversos para a dívida pública. “Foi aí que apareceu o grande desequilíbrio patrimonial brasileiro”, diz. “Os economistas do PSDB erraram demais. O PT só ‘agudizou’ o problema.”

Ao contrário de Bolsonaro, Guedes dispara seus petardos também contra os militares, especialmente contra o governo Geisel (1974-1979), quando, em sua avaliação, criou-se o fosso fiscal que resultou na hiperinflação nos anos 1980 e 1990. “Houve um endividamento externo excessivo, programas equivocados, muita ênfase na estrutura física e quase nada em saúde e educação, que é algo típico de uma sociedade politicamente fechada.”

Defensor intransigente das reformas – a da Previdência, a trabalhista e a tributária – e da privatização total das estatais, Paulo Guedes alimenta o sonho de promover uma mudança radical na gestão econômica do País. Para ele, o “coração do problema brasileiro está no gasto público” e sem a realização de um profundo ajuste fiscal o Brasil não conseguirá entrar na trilha do crescimento sustentável. “O programa de uma campanha presidencial para as eleições de 2018 terá de enfrentar os temas que descredenciaram candidatos e partidos da ‘velha política’. O enigma que devorou a classe política e degenerou a democracia emergente é que o governo gasta muito e gasta mal”, afirma.

 

Base zero. Ainda hoje, quase 30 anos depois, ele ainda fala com entusiasmo do plano de governo que elaborou para o empresário Guilherme Afif Domingos, candidato à Presidência pelo Partido Liberal (PL), nas eleições de 1989. O plano previa, entre outras medidas, a privatização de todas as estatais em apenas seis meses, para liquidar a dívida interna, e a implantação do “orçamento de base zero”, no qual cada despesa precisa ser explicitamente aprovada a cada ano, sem levar em conta o orçamento do ano anterior. O plano previa ainda a realização de uma reforma da Previdência semelhante à que foi feita por Milton Friedman no Chile, nos anos 1970, com a criação de contas individuais para os segurados, que permitiu ao país se tornar uma “máquina de crescimento”.

Com sua trajetória invejável, uma inquietação intelectual capaz de produzir soluções inovadoras e o respeito de políticos, empresários e financistas, muita gente se pergunta o que teria levado Paulo Guedes a se aproximar de Bolsonaro. Talvez, por nunca ter ocupado um cargo público ou participado de qualquer governo, ele queira, mais uma vez, tentar colocar em prática seu plano econômico para o Brasil, como o produzido para Afif, que acabou engavetado, e Bolsonaro o tenha seduzido ao acenar com essa possibilidade. Mas a campanha está só começando e muita coisa ainda deve acontecer até as eleições. Só então será possível dizer se a dupla vai mesmo subir no altar.

 

Instituições

“A morte da ‘velha política’, sob a guilhotina da Lava Jato, é o mais importante episódio de aperfeiçoamento institucional desde a redemocratização.”

 

“Se os liberais não entenderem que a solidariedade é tão importante quanto a liberdade, vão continuar a ser assassinados politicamente.”

 

“Os corruptos destroem muito mais que escolas, hospitais e outros serviços não prestados pelos recursos que desviaram. Destroem a crença da população nas instituições das modernas democracias liberais.”

 

“Os esforços de estabilização sem apoio da política fiscal elevaram as taxas de juros por décadas, causando um endividamento interno em bola de neve.”

Paulo Guedes

ECONOMISTA