Correio braziliense, n. 20006, 28/02/2018. Mundo, p. 18

 

Elas querem o poder

Rodrigo Craveiro

28/02/2018

 

 

ESTADOS UNIDOS » Eleições legislativas de 6 de novembro terão número recorde de candidatas, a maioria do Partido Democrata. Disputa é crucial para a oposição retomar controle da Câmara. Especialistas veem reação a comportamento sexista do presidente Trump

Elas somam 165,5 milhões e são 4,5 milhões a mais do que os homens. Essa maioria, no entanto, não se traduz em representatividade política — no Congresso, ocupam apenas 20% das cadeiras. Em 6 de novembro próximo, as mulheres pretendem enviar uma mensagem contundente a Donald Trump, um presidente que escolheu um gabinete majoritariamente masculino e se viu envolto em escândalos de adultério e de abusos sexuais. As eleições de meio de mandato, cruciais para a sobrevivência do Partido Republicano no comando da Câmara dos Deputados, terão a participação recorde delas: 437 se candidataram para uma vaga na Casa, mais do que o dobro da disputa de 2012. Outras 51 tentarão o Senado (veja arte). As mulheres também farão história nas batalhas pelos governos estaduais, com aproximadamente 80 postulantes. A maioria das cerca de 560 aspirantes a cargos públicos tem filiação no Partido Democrata e é parte da estratégia de colocar em xeque o domínio governista no Legislativo.

Vice-presidente para Estudos do Carnegie Endowment for International Peace (Ceip), Thomas Carothers explicou ao Correio que o número histórico de mulheres na disputa de novembro se insere em uma busca mais ampla da oposição a Trump por novas formas de ativismo e de representatividade, as quais sejam capazes de conectar o Partido Democrata a um número maior de eleitores. “Vejo isso como um desenvolvimento positivo para a política dos EUA, na medida em que a representação das mulheres na legislatura nacional é relativamente baixa, se comparada à de muitas outras democracias estabelecidas”, disse.

De acordo com Carothers, a eleição de Trump, em 2016, incitou muitos democratas insatisfeitos a se envolverem mais ativamente na vida política. “Isso incluiu muitas mulheres, particularmente porque Trump tem um péssimo histórico em relação ao tratamento dispensado a elas, tanto como pessoa quanto como presidente. Ele não encampou políticas favoráveis às mulheres e não apontou muitas delas para o governo. O maior número de candidatas é uma resposta a Trump, além de surtir um alcance mais amplo para a democracia norte-americana, em termos de uma melhor representação para as mulheres.”

O fenômeno pode se beneficiar da campanha #MeToo — um protesto contra o assédio sexual que ganhou   Hollywood; deve usar a cerimônia de entrega do Oscar, no domingo, como plataforma; e tem se espalhado pelos Estados Unidos. Para o especialista do Ceip, o fato de que algumas mulheres acusaram o presidente de assédio sexual e a existência de uma gravação de áudio em que Trump se gaba disso podem ajudar a alimentar a campanha democrata.

“Nunca vi nada assim”, declarou à agência France-Presse (AFP) Patti Russo, diretora executiva da Escola de Campanha das Mulheres na Universidade de Yale, que há 25 anos treina mulheres para disputarem cargos políticos. “É excitante”, comemorou. Muitas das candidatas não digeriram a vitória de Trump sobre Hillary Clinton. A ex-secretária de Estado era apontada pela imprensa como “a presidenciável mais qualificada da história”. A percepção de muitas norte-americanas é a de que os direitos do público feminino estão ameaçados.

Anti-trumpismo

Allan Lichtman, historiador da American University (em Washington), acredita que as mulheres também serão a maioria do eleitorado em novembro. “O anti-trumpismo terá uma influência importante sobre a escolha de mulheres democratas para cargos públicos. Mas os democratas não podem confiar apenas na aversão a Trump para garantir os votos. Eles devem avançar em uma agenda positiva e convincente para as mulheres”, afirmou à reportagem. O analista político admite que as decisões e as políticas de Trump têm sido decididamente contrárias às mulheres. “Ele falhou em apontar um conselheiro da Casa Branca sobre violência contra as mulheres, o chefe do Escritório de Violência contra as Mulheres do Departamento de Justiça, ou o embaixador do Departamento de Estado para assuntos sobre as mulheres”, exemplificou. Lichtman disse que a secretária da Educação, Betsy DeVos, enfraqueceu as proteções às vítimas de abusos  sexuais cometidos dentro de universidades. “Trump também recuou nos esforços de redução da diferença salarial entre os gêneros.”

A fatura poderá ser enviada pelas urnas. A AFP informou que mais de 30 mil mulheres entraram em contato com a Emily’s List (“Lista da Emily”), um comitê que demanda esforços para eleger mulheres democratas ativistas do aborto. Todas elas, cuja idade média é de 30 anos, demonstraram o desejo de disputar cargos públicos.

Eu acho...

“Haverá um número recorde de mulheres candidatas nas eleições de meio de mandato, especificamente pelo Partido Democrata. A minha pesquisa mostrou que as mulheres democratas sentem muito fortemente sua identidade de feministas, e parece que Trump torna essa identidade ainda mais saliente para elas. Também descobri que, quando um grupo de uma identidade em particular enfrenta algum grau de ameaça, ainda que retoricamente, isso pode ser uma motivação poderosa para o engajamento na política.”

Samara Klar, professora de ciência política da Universidade do Arizona e fundadora do  WomenAlsoKnowStuff (“Mulheres também sabem das coisas”), site que promove as mulheres na ciência política

“O Partido Democrata terá uma dura batalha neste ano, dada a contínua popularidade de Trump entre os republicanos, além da falta de um tema de definição para os opositores. Se os democratas conseguirem eleger mais mulheres, isso ajudará a injetar nova energia no partido e a aumentar a natureza representativa do partido. Mas isso é apenas uma parte de um esforço maior do Partido Democrata para responder à eleição de Trump.”

Thomas Carothers, vice-presidente para Estudos do Carnegie Endowment for International Peace

“Trump é o presidente mais imoral e contrário às mulheres da história dos EUA. Ele estimulou muitas mulheres a buscarem cargos públicos e a votarem nas eleições de 2017 e de 2018. Quase 20 mulheres o acusaram de abuso e de assédio sexual. Ele se divorciou da primeira mulher depois de um terrível caso público com a ex-rainha da beleza Marla Maples. O advogado de Trump providenciou o pagamento de US$ 130 mil para a atriz pornô Stormy Daniels, a fim de comprar seu silêncio sobre um suposto encontro sexual com Trump, depois de Melania dar à luz. Ele falhou em mostrar compaixão pelas vítimas de violência doméstica e elogiou homens acusados de agressão e de abuso sexual.”

Allan Lichtman, analista político e historiador da American University (em Washington)