Correio braziliense, n. 20005, 27/02/2018. Política, p. 2/3

 

O 2º general na Esplanada

Natália Lambert e Rosana Hessel

27/01/2018

 

 

GUERRA URBANA » Ao levar o ministro Raul Jungmann para a Segurança Pública, Temer abre espaço para um militar no comando da Defesa, a primeira vez que isso ocorre desde a criação da pasta, em 1999. Integrantes da caserna têm cada vez mais voz no governo
 
Com a decisão de deslocar o ministro Raul Jungmann do Ministério da Defesa para o novo Ministério da Segurança Pública, o presidente Michel Temer abraçou de vez as Forças Armadas, dando ainda mais poder à caserna. Pela primeira vez desde a criação da pasta da Defesa, em 1999, um militar assume o comando. A ascensão do general da reserva do Exército Joaquim Silva e Luna, mesmo que interinamente, vem sendo trilhada desde 2015, quando, na gestão do ex-ministro Aldo Rebelo, ele assumiu a secretaria-geral, posto criado para ser ocupado por um civil para contrapor o Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas, e balancear o poder entre civis e militares. A chegada de Luna ao topo preocupa servidores civis da pasta, que perdem cada vez mais espaço.

Com a mudança, postos-chave da defesa e da segurança pública nacional estão nas mãos de militares. Conselheiro e com forte atuação na gestão de Temer, o general Sérgio Etchegoyen, ministro-Chefe do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência, foi um dos principais articuladores da intervenção federal na segurança do Rio de Janeiro. Na jogada da intervenção, o general Walter Souza Braga Netto, comandante militar do Leste, também ascendeu, ficando responsável por combater a violência no estado e com carta branca para comandar a operação. Além deles e do general Luna na Defesa, a Secretaria Nacional de Segurança Pública (Senasp) também é comandada pelo general da reserva Carlos Alberto dos Santos Cruz, desde abril do ano passado.

Na opinião do professor de relações internacionais da Universidade de Brasília (UnB) Juliano Cortinhas, está se dando um espaço gigantesco para as Forças Armadas como se elas fossem “salvadoras da Pátria”. “As Forças Armadas não têm atuado muito bem em termos de defesa nacional e de segurança nacional. O orçamento complica a atuação, há um excesso de gastos com salários e poucos investimentos em equipamento, muita burocracia. Esse desvio de função dos militares recorrente tem prejudicado muito o trabalho original dos militares”, comenta.

Controle

Desde a promulgação da Constituição Federal, que colocou o presidente da República na posição de chefe das Forças Armadas, o Brasil caminhou para a efetivação do controle civil dos militares. Em 1999, o então presidente Fernando Henrique Cardoso encarou a polêmica e transformou os ministérios da Aeronáutica, Marinha, Exército e Estado-Maior na pasta da Defesa e colocou o titular da pasta — sempre um civil — na cadeia de comando. Entretanto, desde 2015 vem ocorrendo uma militarização em posições-chave da pasta. Em julho do ano passado, segundo dados mais atualizados disponibilizados pelo ministério, dos 1.435 servidores, 523 (36%) eram civis e 912 (64%), militares.

Desde a concepção da Defesa, a previsão era de que tivesse uma parte civil de funcionários para garantir o controle e a manutenção da democracia — inclusive com a criação de uma carreira para eles, que nunca saiu do papel. Em outubro de 2015, o ex-ministro Aldo Rebelo (PSB) instituiu o desequilíbrio quando colocou o general Silva e Luna na Secretaria-Geral, que representa a secretaria-executiva de outras pastas. De acordo com informações de servidores, o general foi escolhido como forma de tentar manter o apoio dos militares ao governo da então presidente Dilma Rousseff, principalmente, por causa do cenário de impeachment que se desenhava à época.

Rebelo afirma que escolheu o general por ele ser preparado e conhecer muito bem a estrutura da pasta. Para o político, não importa se ele é civil ou militar, ele é “dedicado, respeitado e competente”. O ex-ministro argumenta que Silva e Luna não está mais na ativa e acredita que o general terá total condição de manter o equilíbrio das forças civis e militares dentro da pasta. “Ele é o mais civil dos militares com quem eu já trabalhei”, afirma. Interlocutores na pasta também destacam o quanto o colega é respeitado entre os civis da Esplanada. “É bastante duro em suas convicções, mas um lorde no trato com as pessoas”, afirma um servidor que prefere não se identificar.

Silva e Luna não terá de lidar somente com os pesos decisórios entre civis e militares. A escolha dele para ocupar o cargo de Jungmann, mesmo que interinamente, cria descontentamentos entre as Forças. No posto de ministro, o general da reserva do Exército é pressionado para dar mais espaço à Força Aérea Brasileira na cúpula da pasta, já que o posto de comando do Estado-Maior conjunto das Forças Armadas é ocupado pelo almirante de esquadra da Marinha Ademir Sobrinho.

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Mudança na ação militar

27/02/2018

 

 

A Política Nacional de Defesa e a Estratégia Nacional de Defesa dão o norte das Forças Armadas no país e, nos documentos, diretrizes pregam a necessidade da participação da sociedade civil nas decisões. A militarização de postos estratégicos da defesa e da segurança nacional do país tem preocupado especialistas e políticos, que temem um descontrole da situação por parte do próximo presidente que assumir o país.

Na opinião do diretor-presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Renato Sérgio de Lima, o governo está rompendo o pacto federativo e republicano mudando a forma de se conceber segurança e defesa nacional. “São decisões que atendem interesses a curtíssimo prazo, que parecem desconsiderar as consequências a médio e longo prazo. Será que o próximo presidente vai ter força para mudar essa abertura que está sendo dada agora? Como será essa relação?”

Instrumento

Para o professor da Universidade de Brasília (UnB) Juliano Cortinhas, o momento é de retrocesso. “As Forças Armadas são um instrumento do Estado e não os donos do Estado e isso é baseado na teoria da soberania popular. Em uma democracia, quem é o titular do poder é o povo e este elege um representante máximo, que tem a responsabilidade de conduzir as Forças. O que estamos vendo é um retrocesso de um longo processo de reconquista do controle do país por civis”, comenta Cortinhas. 

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Jungmann se cacifa na pasta

27/02/2018

 

 

O ministro da Defesa, Raul Jungmann, foi escolhido pelo presidente Michel Temer para assumir o Ministério Extraordinário da Segurança Pública, que será criado por meio de medida provisória publicada nesta terça-feira no Diário Oficial da União (DOU). A posse do novo ministro está prevista para ocorrer hoje, às 11h.

De acordo com o texto da medida, além de coordenar e promover a integração dos serviços de segurança pública de todo o território nacional em parceria com os entes federativos, a nova pasta também terá a responsabilidade de “planejar, coordenar e administrar a política penitenciária nacional”. A MP determina ainda que 19 cargos em comissão do Grupo-Direção e Assessoramento Superiores (DAS), de nível 1, serão transformados nos cargos de ministro e de secretário-executivo do novo órgão.

A nova pasta será responsável pela gestão dos fundos relacionados com as unidades e as competências antes do Ministério da Justiça e da Segurança Pública, que volta ficar apenas com a Justiça na nomenclatura. Com isso, Jungmann comandará, por exemplo, a Polícia Federal (PF), a Polícia Federal Rodoviária (PRF), a Força Nacional de Segurança e o Departamento Penitenciário Nacional (Depen), absorvendo grande parte do pessoal e do orçamento antes da Justiça. Um decreto deverá ser publicado criando novos cargos para o novo ministério, de oito a nove, no máximo.

Fontes governistas reconhecem que haverá um esvaziamento das atribuições e dos recursos da pasta comandada por Torquato Jardim, que participou discussões para a criação do novo ministério, mas não deram números dessa redução. Conforme dados do orçamento deste ano, a previsão de despesas da Justiça é de R$ 14,6 bilhões, sendo que R$ 10,4 bilhões, ou seja, 71%, são gastos com salários e encargos.

A escolha de Jungmann para o novo ministério foi resultado do b om trânsito que ele conquistou na área de defesa e de segurança. Um dos méritos dele à frente da Defesa foi ter conseguido tirar os militares da proposta da reforma da Previdência, que acabou sendo enterrada com o decreto de intervenção federal no Rio de Janeiro. Deputado federal suplente pelo PPS de Pernambuco, o ministro teve dificuldades de se eleger em sua base eleitoral.

Na opinião do diretor-presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Renato Sérgio de Lima, Jungmann foi uma boa opção para o novo ministério por ser uma pessoa “ponderada”. “Quando parlamentar, ele participou ativamente da criação do Estatuto do Desarmamento e sempre foi um defensor de um maior controle das armas. Pode ser uma voz mais ponderada na segurança”, afirmou.

Críticas

Ao criar o ministério, Temer foi na contramão do discurso inicial de austeridade fiscal. Quando assumiu o governo, em maio de 2016, havia 32 e o presidente reduziu esse número para 23 pastas. Agora, passa a ter 29 ministros, ampliação que foi criticada pelo senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP). “Se ministério resolvesse problema no Brasil, nós seríamos uma Noruega. É mais uma medida para aumentar a máquina pública, aumentar o gasto e a eficiência dos serviços públicos”, reclamou.

Para o senador, o que resolve problema da segurança pública é política séria, com investimentos em inteligência e nas polícias, boa remuneração, plano de promoção e carreira para os agentes. “Além disso, é temerário a Polícia Federal ser transferida para esta pasta. Parece mais uma manobra para continuar um processo de aparelhamento e redução da PF”, acrescentou.

A nova MP também não foi bem recebida no Congresso Nacional, considerando que, tanto o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), quanto presidente do Senado Federal, Eunício Oliveira (MDB-CE), já declararam que preferem que decisões como essas sejam encaminhadas como projeto de lei. Entretanto, por ser o tema do momento e com mais apelo eleitoral, a proposta deve ser aprovada com facilidade nos plenários das duas Casas.

Assim que chegar ao Congresso, Eunício encaminhará o texto para análise de uma comissão mista, composta por 12 senadores e 12 deputados, para elaborar um relatório e aprovar. O colegiado não tem prazo definido em lei para dar um parecer à MP. Normalmente, elas demoram, em média, 60 dias para ficarem prontas para serem votadas no plenário da Câmara. Neste caso, a intenção do governo é que o processo seja mais célere para não existir o risco de que ela caduque ao completar 120 dias. (RH e NL)

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Anúncio das medidas

Simone Kafruni

27/02/2018

 

 

Rio de Janeiro — Desde que o governo federal anunciou a intervenção federal no Rio de Janeiro, paira um clima de incerteza na capital fluminense, sobretudo, entre a população, mas também entre especialistas em segurança pública e até militares que realizam operações de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) em comunidades tomadas pelo tráfico. Hoje, o interventor, general Braga Netto, vai anunciar as medidas do plano de intervenção e os nomes daqueles que chefiarão as polícias Civil e Militar, o Corpo de Bombeiros e o sistema penitenciário. Essas definições, no entanto, não devem dissipar as dúvidas e tampouco o medo, até que surtam efeitos.

No entendimento do professor de Sociologia das universidades Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e de Brasília (UnB) Arthur Trindade, ex-secretário de segurança pública do Distrito Federal, o interventor tem várias alternativas para apresentar hoje. “Pode partir para o enfrentamento da criminalidade, recompor a capacidade operacional das polícias com recursos federais ou combater a corrupção no sistema de segurança pública”, elencou. Trindade ressaltou que a condição de o interventor federal estar acima da política local favorece a última opção. “Agora, para garantir a sensação de segurança, só se entupir a cidade de soldados. Aí corre o risco de eleger alguém”, opinou.

No Exército desde a ocupação do morro do Alemão, em 2010, um militar de uma unidade tradicional do Rio de Janeiro, que pediu anonimato, admitiu que há incerteza dentro da corporação. “Entregamos o Alemão pacificado e hoje voltou tudo como era antes. A população quer a nossa presença, até a polícia se sente mais segura com o Exército perto, mas o trabalho de inteligência tem que ser sincronizado e esbarra na vaidade das instituições”, revelou.

Na opinião do advogado Luís Machado, 44 anos, há lugares, no Rio, dominados pela criminalidade. “Nesses locais, as forças policiais não conseguem penetrar, ou por medo ou por corrupção. Então, a intervenção é um mal necessário”, afirmou. Ele ressaltou, contudo, que há um temor de que o Exército não saiba lidar com segurança urbana. “Quando os criminosos são sufocados, eles reagem com terrorismo na cidade, queimando ônibus. Não sabemos se a intervenção vai ser suficiente para neutralizar a criminalidade ou se vai causar uma revolta maior”, disse.

Dono de uma banca de jornal no centro da cidade, Marcos Vinícius Gomes Santoro, 47, acredita que a medida é “enrolação”. “As peças não mudam e as instituições caíram no descrédito. A cidade está entregue à bandidagem. Tenho este negócio há 30 anos e, pela primeira vez na vida, tenho medo de sair à noite. Não tem PM na rua”, contou. “A gente ainda não faz ideia se a intervenção vai ser positiva para a cidade, porque o Exército já está aí há algum tempo e não se vê resultado nenhum. Mas o Rio precisa. A coisa está feia”, criticou o taxista Mauro Santos, 45 anos.

O estudante de fotografia Sérgio Coelho, 41 anos, acredita que há interesse político por trás da intervenção. “Ainda não sei se é para o presidente (Michel) Temer tentar se reeleger ou para mostrar que o Exército não adianta nada e acabar com a popularidade do Bolsonaro. O que eu sei é que o que aconteceu na Rocinha, com a presença das Forças Armadas, não mudou em nada a nossa vida. Durante o carnaval, foi um Deus nos acuda. Estamos vivendo o medo real”, lamentou.