Título: Democracia à prova
Autor: Vicentin, Carolina
Fonte: Correio Braziliense, 17/03/2012, Mundo, p. 22

Pela segunda vez desde a independência, o país vai às urnas escolher seu presidente e testar a maturidade das instituições. Desafio é apagar a lembrança dos confrontos na eleição de 2007 e consolidar as bases para o desenvolvimento

É ao final de uma campanha tranquila, ao contrário do que ocorreu em 2007, que o Timor-Leste vai hoje às urnas eleger seu presidente pela segunda vez desde que se tornou independente, em 2002. Três favoritos se destacam entre os 13 candidatos inscritos, entre eles o atual mandatário, José Ramos-Horta. Embora ainda seja popular, o presidente perdeu apoio de um dos principais partidos políticos do país, o Conselho Nacional de Reconstrução do Timor (CNRT). Analistas apostam que a disputa será levada ao segundo turno, marcado para o mês que vem. O vencedor terá a missão de administrar um país pequeno, porém com muitos problemas — mais ainda com o fim da missão das Nações Unidas. Mais da metade da população de 1,1 milhão de habitantes vive abaixo da linha de pobreza e um contingente do mesmo porte não sabe ler nem escrever.

"A eleição presidencial também é uma boa indicação de como as pessoas pretendem votar nas legislativas e de quais alianças devem ser formadas entre as partes para construir uma maioria parlamentar", disse ao Correio Damien Kingsbury, diretor do Centro de Cidadania, Desenvolvimento e Direitos Humanos da Deaking University, na Austrália. Neste ano, os olhos do mundo devem se voltar novamente para a região. O Conselho de Segurança das Nações Unidas determinou que a missão no país será encerrada em dezembro. Depois, será mantida apenas uma força-tarefa humanitária.

O secretário-geral da ONU, Ban Ki-Moon, afirmou recentemente que as eleições de hoje seriam um atestado importante da manutenção da paz no Timor, bem como da consolidação da democracia. "Peço a todos os cidadãos para garantirem que a eleição seja credível, transparente e pacífica. Isso é crítico para aprofundar a paz e o progresso no Timor-Leste", disse Ban. O escolhido pela população terá um longo trabalho pela frente. Grande parte da juventude timorense está desempregada e a economia não tem bases firmes de sustentação. O solo é pobre, as indústrias não conseguem se desenvolver e o território comportaria apenas metade da atual população.

É verdade que a situação já foi muito mais caótica. Após séculos de dominação portuguesa, o Timor-Leste esteve a ponto de conquistar a independência em 1975, quando a Revolução dos Cravos pôs fim à ditadura salazarista e Portugal se desfez das últimas colônias. Com a saída dos portugueses, o território foi invadido pela Indonésia, a pretexto de proteger imigrantes indonésios e descendentes. Apenas no início deste século, após a vitória da independência em um plebiscito promovido pela ONU e a reação violenta dos ocupantes, a comunidade internacional enviou ao novo país uma missão de paz, da qual fizeram parte soldados brasileiros.

Riqueza Apesar das dificuldades acumuladas, o Timor possui reservas de petróleo e gás natural e, recentemente, estabeleceu um fundo de US$ 9 bilhões provenientes da exploração desses recursos. No centro da campanha eleitoral deste ano estava o debate sobre a administração desse montante. "Nos últimos quatro ou cinco anos, a economia recebeu uma injeção de cerca de US$ 1 bilhão. Mas olhe em volta: para onde foi esse dinheiro?", questionou Francisco Lu-Olo Guterres, candidato da esquerdista Fretilin, de esquerda, a maior força de oposição. "É a corrupção", disse ele, à agência de notícias France-Presse. Lu-Olo é outro dos favoritos para chegar ao segundo turno.

O professor Damien Kingsbury lembra que muitas pessoas viam a sonhada independência como solução para todos os problemas — o que não ocorreu. Um deles, no entanto, foi resolvido: a possibilidade de escolher seus representantes. Nos dias que antecederam a eleição, a população espalhou bandeiras e cartazes dos candidatos. "Faremos com que sejamos ouvidos nas urnas", afirmou à AFP Efrem Viegas, 21 anos. Para se ter uma ideia, o comparecimento dos eleitores beirou os 90%, em 2007, mesmo sem o voto obrigatório. "O Timor é um país muito mais estável do que era há alguns anos. O desafio, agora, é como planejar os próximos 10, 20 anos, não apenas com uma série de aspirações, mas com cuidado, com passos concretos", afirma o professor Kingsbury.

Perfis Três no páreo Há 13 candidatos à Presidência do Timor-Leste, mas apenas três têm chances de ir para o segundo turno

» José Ramos-Horta O atual mandatário surpreendeu a todos ao anunciar sua candidatura à reeleição. Ramos-Horta não conta com o apoio de nenhum partido, mas ainda é muito popular. Recebeu o Prêmio Nobel da Paz de 1996 por seu trabalho pela independência do país.

» Francisco Lu-Olo Gutierres Também oriundo da guerrilha, é o candidato da Frente Revolucionária para a Independência do Timor-Leste (Fretilin), outro partido que tem grande força. Disputou o cargo em 2007, mas foi derrotado pelo atual presidente.

» Taur Matan Ruak Ex-comandante da guerrilha, é um dos favoritos por conta do apoio que recebe do ex-presidente Xanana Gusmão, o primeiro a exercer o cargo após a independência do país. Ele também tem o suporte de outros políticos do Conselho Nacional de Reconstrução do Timor-Leste (CNRT).