Valor econômico, v. 18, n. 4409, 27/12/2017. Legislação & Tributos, p. E2.

 

 

A corrupção na mira da arbitragem

Gabriel Magadan

27/12/2017

 

 

A corrupção é um tema preocupante. É recorrente em vários países, como o Brasil. Na arbitragem, especialmente na que envolve a parte investidora e o Estado, pode surgir como argumento de defesa - e, inclusive, como tática - adotada por quem pretende se eximir de responsabilidade.

O tema aguça o debate e evidencia a questão a respeito de qual seria o dever do árbitro diante de tal alegação ou mesmo da sua constatação em um procedimento arbitral? Agir diante da ilegalidade? E nessa hipótese de que forma?

Veja-se o caso: o contrato firmado entre o investidor e o órgão público possui cláusula compromissória. As partes entram em desacordo e é instaurada a arbitragem. O investidor alega que não pode responder por eventual dano, que o contrato é viciado e foi decorrente de suborno, pago ao agente que detinha poderes para a contratação.

Interrompe-se a arbitragem e se informa o poder público incumbido à fiscalização? É nulo o procedimento? Pode o árbitro informar a autoridade, quando compromissado com o sigilo?

A situação é complexa. Já foi enfrentada na arbitragem internacional sob diferentes ângulos. Nelas, a necessidade de examinar se o objeto da controvérsia abrange o caso de corrupção, a competência do árbitro para agir de ofício quando há indícios da prática corruptiva, a contrariedade à lei do local que tem sede o procedimento e, especialmente, o dever de agir e informar às autoridades competentes. Todas essas questões trazem no seu âmago a discussão sobre a solução a ser dada ao óbice criminal que se interpõe ao deslinde da controvérsia submetida à arbitragem.

Na arbitragem doméstica, o problema pode ser analisado na perspectiva da função que assume o árbitro e do seu papel em face de um episódio de natureza criminal. O artigo 18 da Lei de Arbitragem - Lei nº 9.307, de 23 de setembro de 1996 - equipara a atividade do arbitro à do juiz, investindo-o em poder jurisdicional. O artigo 40 do Código de Processo Penal (CPP), por sua vez, dispõe que os juízes ou tribunais têm o dever de informar ao Ministério Público quando tomarem conhecimento de existência de crime de ação pública. O conflito se verifica no sigilo que o árbitro eventualmente se compromete ao assumir o encargo.

A conclusão natural é que a confidencialidade deverá ser superada em razão do dever legal de comunicação a que também fica o árbitro submetido por força da equiparação estabelecida na lei.

O procedimento arbitral não foge à realidade e deve enfrentá-la com atitude. Iniciativas contra a disseminação da corrupção têm sido debatidas em inúmeros encontros jurídicos do setor. A recomendação à observância de regras anticorrupção no meio arbitral tem encontrado lugar em diversos organismos internacionais, como a Organização das Nações Unidas (ONU), a Organização Mundial do Comércio (OMC) e a própria União Europeia.

A Câmara de Comércio Internacional (CCI) possui um manual de "práticas corporativas", ajustado com a Convenção Anticorrupção das Nações Unidas de 2003, da qual 140 países são signatários. A entidade não governamental Transparência Internacional reúne dados no mundo todo e apresenta indicativos que apontam níveis da corrupção que contribuem à exposição do problema e o seu enfrentamento.

No Brasil, a luta é sôfrega, mas tem avanços. O desvelar da corrupção - na vida, como na arbitragem - contribui ao engajamento e à cooperação entre as pessoas. Além de fortalecer o compromisso com a ética e com os ditames da lei. A adoção de estatutos de compliance nas empresa tem se demonstrado um caminho necessário, servindo como antídoto à disseminação da malversação e ao combate do que havia se tornado endêmico em muitas organizações.

(...)

Gabriel Magadan é advogado, doutor em direito civil pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), membro da Comissão de Arbitragem da seccional gaúcha da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-RS) e do Comitê Brasileiro de Arbitragem (Cbar)

Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações