Título: Missão da Unesco termina com alerta
Autor: Mader, Helena
Fonte: Correio Braziliense, 17/03/2012, Cidades, p. 27

Após visita de consultores à capital, representante da entidade afirma que Brasília deve manter o título de patrimônio da humanidade. Relatório final da inspeção, no entanto, cobrará a adoção de medidas efetivas no combate a agressões ao plano original

A missão dos consultores da Unesco em Brasília terminou ontem, depois de quatro dias de reuniões e visitas pela cidade. Apesar dos receios de especialistas e de membros de entidades de defesa do tombamento, o representante da organização no Brasil, Lucien Muñoz, afirmou que a capital federal não deve deixar a lista de patrimônio mundial da Unesco. "Ninguém tem interesse de tirar o título de Brasília, pois ninguém ganha com isso", garantiu.

Apesar da afirmação, que tranquilizou setores da sociedade, Muñoz fez um alerta: são necessárias mudanças para assegurar a proteção do projeto original. "Brasília precisa de ajustes", decretou o representante da entidade. "As avaliações e os monitoramentos são necessários porque as cidades são vivas e, no caso de Brasília, estamos falando de uma capital jovem, ainda em desenvolvimento", comentou.

A mobilização da sociedade em torno da preservação do patrimônio mundial, exacerbada pela chegada da missão da Unesco, já gerou resultados. Depois de o Correio denunciar a construção de uma enorme estrutura em área pública da comercial da 309 Norte, a Agência de Fiscalização do DF (Agefis) derrubou ontem parte do puxadinho. A ação começou cedo e, no fim da manhã, os fiscais já haviam removido as paredes da construção, onde deveria funcionar um restaurante.

Mas o teto da edificação ficou intacto, graças a um acordo feito com os proprietários. Eles prometeram remover a estrutura até segunda-feira. "Fizemos a demolição parcial porque a operação foi emergencial e não tínhamos todos os equipamentos necessários. Os ocupantes se comprometeram a retirar tudo durante o fim de semana, para preservar o material", explicou o coordenador de Fiscalização de Obras da Agefis, Roberto Gonçalves. Os responsáveis pela obra do puxadinho não foram multados. "Se eles não retirarem tudo até segunda, serão multados e vamos fazer o resto da demolição", acrescentou Gonçalves.

O prefeito comunitário da SQN 309, Alcino Marçal, disse que ouviu muitas reclamações dos moradores da quadra com relação ao gigantesco puxadinho construído na área comercial. "Essas coisas começam a descaracterizar a quadra. Além disso, se um comerciante faz, o outro se sente no direito de construir em área pública também. Aos poucos, vira uma bagunça", comenta o líder comunitário.

O promotor de Defesa da Ordem Urbanística do Ministério Público do DF e Territórios Paulo José Leite também afirma que a falta de controle e o atraso na regularização dos puxadinhos são estímulos a irregularidades. O MPDFT já tinha enviado ofício à Agefis para pedir a derrubada da construção irregular da 309 Norte. "O prazo para os comerciantes da Asa Sul regularizarem as obras termina no mês que vem, e quase não vemos avanço. A lei estabeleceu parâmetros e a ação fiscal é a única forma de inibir novas invasões", comentou o promotor.

Para Paulo José, a passagem dos consultores da Unesco pela cidade foi importante para conscientizar a população. "As pessoas precisam saber que é um prêmio morar em uma cidade tombada. Isso é um bônus e não um ônus, como muitos pensam. O título foi pedido à Unesco pelo governo brasileiro e nunca houve uma imposição. Portanto, é nossa obrigação mantê-lo", finaliza o promotor.

Missão Durante os quatro dias da visita em Brasília, o argentino Luís Maria Calvo e o espanhol Carlos Sambrício, ambos indicados pela Unesco, passaram pelos principais pontos do Plano Piloto e foram ver de perto dezenas de irregularidades e agressões ao tombamento denunciadas pela população. Ontem à tarde, a dupla teve novos encontros com representantes do governo e fez as últimas reuniões na sede do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan).

O presidente do Instituto dos Arquitetos do Brasil no DF, Paulo Henrique Paranhos, faz um balanço positivo da passagem dos representantes da Unesco pela capital. Para ele, o documento a ser elaborado pelos consultores certamente fará críticas à preservação da cidade. "Eles demonstraram interesse pela questão da Quadra 901 Norte e também pelos debates acerca da ocupação das quadras 500 do Sudoeste. Viram com atenção a situação da orla do lago. Acredito que todas essas questões estarão mencionadas no relatório final", explica Paranhos.

O governador Agnelo Queiroz disse ontem estar certo de que os dois arquitetos reconhecerão o esforço do GDF para defender o patrimônio. "Imagino que o relatório será o melhor possível. Os consultores são pessoas muito qualificadas e vieram examinar a maior área de patrimônio do mundo, que é a nossa querida Brasília. Eles puderam acompanhar todo o esforço que o governo tem feito para preservar esse patrimônio", assegurou o governador. "Essa é uma questão central para o nosso desenvolvimento econômico e humano", acrescentou Agnelo.

Balanço Hoje, os dois representantes da Unesco deixam Brasília e terão até o início de abril para entregar um relatório sobre a missão. O documento será analisado em junho, em São Petesburgo, na Rússia, durante a reunião anual do Centro de Patrimônio Mundial.