Valor econômico, v. 18, n. 4410, 28/12/2017. Opinião, p. A8.

 

 

A política fiscal em três anos

Manoel Pires

28/12/2017

 

 

O fim do ano é um momento para balanços e de apresentar perspectivas para o ano seguinte. Para fazer isso na política fiscal vou apresentar uma avaliação em torno de três blocos: o orçamento financeiro, o orçamento primário e a política para-fiscal do governo federal. Vou iniciar pelo financeiro onde os avanços foram mais claros.

Em primeiro lugar, a redução da Selic reduz o pagamento de juros do governo por diminuir a correção dos títulos da dívida e tornar menor o descasamento financeiro entre ativos e passivos na composição da dívida líquida. Em segundo lugar, o resgate dos recursos do BNDES desacelera o crescimento da dívida bruta e ajuda a comprar tempo para aprovar medidas estruturais. Em terceiro lugar, a TLP reduz o custo de diferencial de juros presente na maior parte das operações do BNDES. O impacto da TLP ficou muito diluído pela própria convergência de juros e pela desalavancagem do BNDES que este ano deve emprestar R$ 70 bilhões contra R$ 190 bilhões de 2013.

Nessas condições, o impacto fiscal da TLP é o de desestimular uma eventual redução da taxa em um momento de queda da Selic ou de reduzir o custo de uma expansão futura do BNDES. Os efeitos de eficiência de política monetária e de desenvolvimento do mercado de capitais foram diluídos pelas mesmas razões. Assim, nas condições atuais, a TLP se tornou uma reforma de longo prazo sem impactos significativos de curto prazo.

(...)

O Banco Central (BC) encaminhou o PL 9.248/2017 que institui os depósitos voluntários remunerados criando um mecanismo de controle de liquidez separando esta tradicional função do BC da discussão de dívida pública, aperfeiçoando a gestão monetária e fiscal. Alguns analistas argumentam haver possibilidade de distorcer a contabilidade da dívida. Quando esses avanços não são feitos, cria-se um espaço para propostas inadequadas como o PRS 84/2007, que propõe limites para as operações compromissadas restringindo a atuação do BC.

É importante instituir mecanismos de racionalização no uso dos swaps cambiais. O ideal é que haja um limite mínimo para o BC atuar de maneira cotidiana no mercado de câmbio podendo ser ampliado mediante justificativa e aprovação em conselho superior. Essa discussão importa, pois passaremos por um processo eleitoral que deve produzir efeitos no mercado de câmbio.

No caso dos resultados primários, o avanço é mais lento. A promessa atual é entregar o valor do déficit estabilizado em R$ 159 bilhões. Após um contingenciamento elevado e um pacote que se frustrou parcialmente, a meta fiscal teve que ser alterada em R$ 20 bilhões para acomodar a frustração de receitas e manter um nível mínimo de despesas discricionárias. Ainda assim, os investimentos federais terminarão o ano em um patamar baixo e o resultado primário muito dependente de operações não recorrentes. Nesse sentido, o fato mais positivo é o crescimento das receitas no segundo semestre, fruto da recuperação da economia.

A proliferação do Refis é o fato mais negativo. Em situações de dificuldade, os impostos são a primeira obrigação que os contribuintes deixam de pagar, criando uma bola de neve. O debate sobre a reforma tributária deve ter uma visão pragmática desta questão e criar mecanismos perenes de renegociação de dívida tributária alinhando os incentivos em favor dos bons contribuintes. Se isso não for feito de forma organizada pela Receita Federal, será feito pelo Congresso, como temos observado.

O desafio do resultado primário em 2018 será obter a meta com menor dependência de medidas extraordinárias. Por um lado, o pacote fiscal de R$ 21 bilhões tem dificuldades para ser aprovado e a privatização da Eletrobras é mais complexa do que as concessões desse ano. Por outro lado, o crescimento econômico mais elevado cria espaço para as receitas crescerem de maneira sustentável. O Congresso acena com um Refis para pequenas empresas, criando uma compensação.

O governo tenta aprovar uma revisão das despesas obrigatórias para manter seu funcionamento e os investimentos. Ficou claro que a estratégia dos grandes contingenciamentos tem limites. O fato de uma despesa ser contingenciável não quer dizer que seja irrelevante. Essa questão tende a produzir uma situação dramática para 2019 e vai ser importante rever essa limitação. A reforma da previdência é muito importante e se não vier agora, virá no início do próximo governo.

A política para-fiscal é onde a retórica da política econômica se tornou mais disfuncional. Primeiro, a desnorteada desalavancagem do BNDES em um país com dificuldades evidentes de financiamento de longo prazo. O problema aqui é corrigir um excesso cometendo outro na direção oposta. A agenda de infraestrutura encontra fortes entraves diante dos dilemas de curto prazo da política econômica.

Segundo, os analistas mais críticos a essa expansão não perceberam que o FGTS virou o BNDES da vez. A TLP teria sido mais efetiva se abrangesse as remunerações do FGTS, onde a distorção das taxas é ainda maior. Esse conjunto de fatos sugere um viés na análise das políticas do BNDES e, mesmo tendo havido erros no crescimento do banco, é necessário balancear esse debate1. O risco FGTS também está nos excessos. A capitalização da Caixa é uma operação a ser evitada.

É importante que sejam estabelecidas diretrizes mais claras para as instituições para-fiscais. Os mecanismos de poupança forçada precisam ser revistos e se alinhar às boas práticas de política econômica com maior governança, transparência e rendimentos adequados, além de uma redefinição dos seus objetivos reconhecendo o processo de envelhecimento da população brasileira e das distorções que criam no mercado de trabalho. No formato atual, não têm lugar na economia brasileira.

Em um contexto de restrições políticas e econômicas ao crescimento da despesa primária, a política pública tende a ser executada por meio das receitas e das políticas para-fiscais. Esse fenômeno foi bastante presente em 2017 e gerou diversas reações entre os analistas. Assim, vai ser importante olhar para o conjunto da política fiscal de forma a avaliar com mais exatidão para onde estamos caminhando.

1. Uma sugestão nessa linha é Lucas, D. (2016). "Credit Policy as Fiscal Policy", BPEA.

 

Manoel Pires, ex-secretário de Política Econômica, é pesquisador associado do IBRE