Correio braziliense, n. 20003, 25/02/2018. Política, p. 4

 

Comandos em desordem

Natália Lambert e Maiza Santos 

25/02/2018

 

 

GUERRA URBANA » Principais pontos do plano da intervenção serão apresentados esta semana. Especialistas são unânimes em dizer que o gargalo está na falta de entendimento entre União, estado e municípios

Nesta semana, o general Walter Souza Braga Netto, responsável pela segurança pública do Rio de Janeiro, apresentará o plano de ação para a intervenção federal no estado. Por enquanto, ainda não foram divulgados detalhes sobre operações, orçamento e estratégias, o que tem deixado apreensiva parte da população fluminense que ainda não entende, na prática, como será a atuação dos militares. Diante da medida inédita tomada pelo governo federal — de intervir em uma área específica de uma unidade da Federação —, o Correio buscou especialistas em diversos setores para mostrar por quais pontos fundamentais caminha a solução para a redução da violência.

O primeiro ponto de consenso é o que está sendo chamado de governança. Especialistas em segurança pública afirmam que o principal gargalo do setor, que tem influência em todos os outros problemas, é a falta de entendimento entre União, estados e municípios sobre as responsabilidades de cada um. Para o diretor-presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), Renato Sérgio de Lima, a solução da crise federativa é capaz de trazer resultados em curto prazo, e a iniciativa tem de ter a participação de todos: Executivo, Legislativo, Judiciário, Forças Armadas, Ministério Público Federal, Polícia Federal, Banco Central, Receita Federal e cada um que possa contribuir.

“Atualmente, cada um interpreta a lei de um jeito e faz como quer. Não há integração, conversa. Todo mundo quica a bola e ninguém chuta. São coisas muito práticas que não são feitas porque ninguém se acha responsável por aquilo. Por exemplo, a atualização dos dados do Sistema Nacional de Informações de Segurança Pública, Prisional e sobre Drogas (Sinesp)”, afirma Lima. O professor sugere que um sistema de avaliação e monitoramento semelhante ao do Sistema Único de Saúde (SUS) seja criado para a segurança. “Na saúde, tem câmaras de monitoramento e de decisão com a participação de todo mundo. E isso é muito importante. Ninguém tem que mandar, todas as esferas envolvidas sentam e votam, e a União pode servir como uma coordenadora”, projeta o representante do fórum.

A ideia de união de forças também é defendida no Congresso. Deixando de lado a pauta impopular da reforma da Previdência, o Parlamento abraçou, neste ano eleitoral, a iniciativa do governo federal e colocou a agenda da segurança pública na prioridade. O presidente do Senado, Eunício Oliveira (MDB-CE), defende a criação de um sistema nacional para a segurança pública. “Um novo sistema unificado permitirá mais rapidez em processos, o aprimoramento na troca de informações entre agentes e órgãos públicos e o desenvolvimento de instrumentos de fiscalização, investigação e repressão mais modernos e essenciais para combater a nova configuração da criminalidade”, afirma o emedebista.

Coordenador da Frente Parlamentar pela Prevenção à Violência e Redução dos Homicídios, o deputado federal Alessandro Molon (Rede-RJ) comenta que o Legislativo precisa atuar em duas frentes para contribuir com o debate: a prevenção e a repreensão. Na primeira, a ideia é o investimento em projetos de educação, cultura, esporte e lazer para evitar que jovens cedam ao caminho da violência. A segunda propõe uma revisão e reequilíbrio das penas. “Precisamos punir com penas mais duras os crimes mais graves, que atentam contra a vida. E verificar se não há penas exageradas para crimes sem violência, que faz com que aumente o nível de encarceramento da população e coloque na pós-graduação do crime — as prisões — quem não deveria ir para lá”, sugere Molon.

Presídios

A situação da população carcerária também está na lista de prioridades do setor. Cadeias superlotadas e dominadas por facções criminosas têm influência direta na violência fora dos muros. E, nesse ponto, o Judiciário é parte central do problema e, muitas vezes, fica de fora do debate. Mais de 40% dos presos no Brasil são provisórios e a superlotação nas penitenciárias passa pela morosidade da Justiça.

De acordo com Sérgio de Lima, o dilema carcerário tem solução a médio prazo, mas precisa começar. “A força do crime organizado está nas prisões. Sem isso, não dá pra avançar. A gente precisa construir presídios, mas a gente tem de prender quem precisa estar preso. E nisso entra também uma melhor solução policial. A polícia precisa ter condições de elucidar crimes”, acrescenta.

A reestruturação das polícias também faz parte do pacote de segurança. Uma das principais preocupações de generais das Forças Armadas é com como será a coordenação das polícias Civil e Militar do Rio de Janeiro e de onde virá o dinheiro para aparelhá-las da maneira mais adequada — o quadro é de total falência, com atrasos de salários, falta de coletes salva-vidas para todos e até gasolina para colocar nas viaturas. “Não se faz segurança pública com polícia, faz-se com política. É preciso abandonar a ideia de política de segurança pública e passar a incorporar a ideia da política pública de segurança, como é feito com a saúde e a educação”, resume o ex-secretário de Segurança Pública do Distrito Federal e professor da Universidade de Brasília  Arthur Trindade. * Estagiária sob a supervisão de Natália Lambert

Frase

"Não há integração, conversa. Todo mundo quica a bola e ninguém chuta. São coisas muito práticas que não são feitas porque ninguém se acha responsável por aquilo."

Renato Sérgio de Lima, diretor-presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP)