Correio braziliense, n. 20003, 25/02/2018. Economia, p. 7

 

Revolução tecnológica garante produtividade

Antonio Temóteo 

25/02/2018

 

 

A FORÇA DO CAMPO » Graças a inovações, a área de cultivo no país cresceu 63%, entre 1976 e 2017, e a produção aumentou 407,4%. Mas as mudanças para garantir alimentos para a população mundial estão apenas começando, como mostra a série do Correio

Do Egito Antigo ao início do Século 20, a grande revolução tecnológica agrícola ocorreu quando os inventores da época passaram a criar máquinas para arado sem a tração de um boi. Tratores a vapor ou com motores começaram a ser desenvolvidos, mas, no Brasil, até 1950, o uso dos animais para preparar a terra era predominante. Para piorar, as técnicas para plantio e colheita levavam em conta os conceitos europeus e norte-americanos, de clima temperado.

O ex-ministro da agricultura Alysson Paulinelli lembra que 50% da população brasileira que vivia no campo não conseguia produzir alimentos para atender a demanda dos demais 50% que moravam nas cidades. Só na década de 1970, diz ele, os agrônomos e especialistas passaram a desenvolver conhecimento e entender os biomas tropicais. “Áreas que eram consideradas degradadas, como o cerrado, passaram a ser estudadas e hoje são as mais produtivas. Além disso, desenvolvemos as sementes ao nosso clima”, afirma.

A partir da correção de solo, do uso de adubos, fertilizantes e mecanização dos cultivos, houve um salto de produtividade nas lavouras brasileiras. Para se ter uma ideia desse processo, entre 1976 e 2017, a área de cultivo no Brasil passou de 37,7 milhões de hectares para 61 milhões. Um crescimento de 63%. Já o tamanho da produção quintuplicou e passou 46,9 milhões de toneladas para 238 milhões no mesmo período. Uma alta de 407,4%.

Mas as mudanças não param por aí. Uma nova revolução ocorre silenciosamente no campo e promete garantir um novo salto de produtividade nas propriedades rurais. Em série de reportagens iniciada hoje, o Correio mostra como as mais variadas tecnologias disponíveis e em estudo no mundo têm sido usadas pelos produtores para garantir renda e alimentar a população mundial. Exemplos do processo de mudança foram encontrados no próprio Distrito Federal e em municípios como Cristalina (GO) e Buritis (MG).

Quem acompanha de perto o assunto se espanta com tamanha evolução. “A agricultura tropical vai abastecer, revolucionar e suprir a demanda mundial de alimentos por muitos anos. Os conceitos de produção mudaram para melhor e o uso da tecnologia é destaque nesse processo”, diz Paulinelli.

Agricultores e pecuaristas têm investido, por exemplo, na geração da própria energia. Pequenas centrais hidrelétricas, biodigestores e geração de energia solar com painéis fotovoltaicos são algumas alternativas já usadas em diversas propriedades. Além de economizar na conta de luz, que é uma das principais despesas dos produtores rurais, muitos estudam vender o excedente de produção para gerar renda. O principal entrave, entretanto, está da porteira para fora. As concessionárias demoram a aprovar os projetos e instalar linhas de transmissão.

Assim como as fintechs têm transformado o sistema financeiro e amedrontado os bancos tradicionais, as agtechs, startups agrícolas, chegaram para ficar. O setor ganhou destaque em 2013, quando a gigante norte-americana de biotecnologia e agricultura Monsanto comprou a empresa de análise de gerenciamento Climate Corporation por US$ 930 milhões.

 

Investimentos

Em 2014, houve um novo salto, diante da necessidade de empresas agrícolas se tornarem mais eficientes. As startups agrícolas receberam naquele ano US$ 2,4 bilhões em investimentos em 264 negócios fechados, conforme dados da AgFunder, uma plataforma on-line de venture capital (investimento em empresas com expectativa de rápido crescimento). Esse valor superou o movimentado, por exemplo, pelas fintechs, com US$ 2,1 bilhões, e pelas de tecnologia limpa, de US$ 2 bilhões. No Brasil, mais de 200 startups estão em funcionamento para auxiliar os produtores rurais a ter ganhos de produtividade, gerenciar as fazendas e economizar com insumos.

O campo também foi invadido pelos drones. Empresas especializadas em mapeamentos de solo, identificação de pragas, aplicação de defensivos e insumos usam cada vez mais os veículos aéreos não tripulados. Alguns produtores têm comprado os próprios equipamentos e usado os serviços de startups para monitorar as lavouras e economizar com serviços.

O uso da tecnologia no campo  tem dado um novo perfil às empresas e produtores rurais brasileiros, explica o consultor em tecnologia da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), Reginaldo Minaré. “Esse processo  contribui para o aumento e a diversificação da produção”, diz.

Minaré assinala que a mudança tecnológica ajuda os produtores a reduzir a dependência de insumos produzidos em mercados oligopolizados. “As práticas anticoncorrenciais abocanham uma fatia da renda dos produtores. O agricultor é um elo entre as indústrias de insumos e de alimentos. Ele não pode ser achatado. E a tecnologia tem contribuído para dar força a quem produz”, afirma.

 

Geração própria

Os investimentos na geração a partir de fontes renováveis ganhou impulso e mais confiança a partir de 2016, quando resolução da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) passou a permitir o desconto na fatura do excedente gerado com regras mais claras. Assim, seja do tipo biomassa, biogás ou fotovoltaica, há uma diversificação nas fontes que permite reduzir impactos ambientais, aproveitar potencial e economizar. Em Goiás, existem 319 unidades consumidoras de energia com geração distribuída. Dessas, 26 estão no campo, sendo 22 fotovoltaicas e quatro termoelétricas a biogás produzido a partir de resíduos de animais.