Valor econômico, v. 18, n. 4411, 29/12/2017. Política, p. A5.

 

 

Cresce entre governistas rejeição à proposta de privatização da Eletrobras

Raphael Di Cunto e Marcelo Ribeiro

29/12/2017

 

 

A resistência de deputados à privatização da Eletrobras tem crescido no Congresso e ganha cada vez mais espaço dentro das bancadas governistas, especialmente entre parlamentares do Nordeste e Minas Gerais, contrários à venda do controle das estatais locais. Os motivos principais são preocupações com a alta na conta de luz e com investimentos e empregos em suas regiões.

Valor conversou com duas dezenas de deputados nas últimas semanas para ouvir as principais razões para a rejeição, identifica em pesquisa contratada pela própria Eletrobras, de repassar à iniciativa privada o controle da holding, responsável por 37% da geração de energia elétrica do país. O governo fez concessões a esses parlamentares, mas que não surtiram efeito.

A maioria das conversas ocorreu antes de pesquisa Datafolha mostrar um cenário ainda mais adverso: sete em cada dez brasileiros são contra a privatização de estatais e apenas 20% apoiam a venda. Sem tratar do caso específico da Eletrobras, a maioria da população (67%) dizer ver mais prejuízos que benefícios em grupos estrangeiros assumirem estatais brasileiras. Parlamentares apontam que, quando a proposta entrar na agenda do Congresso, esse sentimento pode ter mais peso por causa do ano eleitoral.

Monitoramento do governo com os deputados mostrou crescente rejeição à venda do controle da Eletrobras, que chegou a 43,6% em novembro, ante 32% em outubro. O apoio à operação soma 52% - o governo precisa de maioria simples para aprovar o texto. No MDB do presidente Michel Temer apenas 61% apoiam a iniciativa, que enfrenta resistência também no PR e PSD.

Com os dados em mãos, Temer já fez concessões para as bancadas de Minas Gerais e do Nordeste. Determinou que R$ 9 bilhões da operação serão destinados a obras no rio São Francisco e sancionou, sem vetos, o aumento dos royalties da mineração, apesar de protestos das empresas

Os afagos tiveram efeito reduzido. Vice-presidente da Câmara e coordenador da bancada de Minas, o deputado Fábio Ramalho (MDB) diz que os mineiros ficaram satisfeitos com os royalties e por isso aceitam debater. "Não estamos fechados contra, mas a maioria espera discutir melhor", disse. São duas preocupações: o dinheiro para revitalização dos rios e uma saída para os funcionários de Furnas, que se mobilizam contra a venda.

Autor da "frente parlamentar em defesa de Furnas", o deputado Leonardo Quintão (MDB-MG) também questiona a situação dos funcionários e diz que a sanção dos royalties "não mudou nada". "A abertura de capital [de Furnas] apoiaríamos, mas, da maneira que querem fazer, somos contra", afirmou.

Já os deputados nordestinos consideraram os R$ 9 bilhões insuficientes. "Isso é uma migalha que ninguém vai aceitar. Quem está fazendo isso está mal-intencionado", atacou o deputado José Carlos Aleluia (DEM-BA), ex-presidente da Companhia Hidrelétrica do São Francisco (Chesf), que será privatizada. Ele ressalta que "o rio não está a venda" e que o "modelo está errado". O correto, na opinião dele, era um fundo moderno gerir os recursos. O pagamento de valor fixo "terá oposição ferrenha". "Queremos uma receita anual, um percentual do faturamento, não que seja uma vez e acabou", disse.

Coordenador da bancada nordestina, o deputado Júlio César (PSD-PI) pontua que, nos oito Estados onde a Chesf está presente, a rejeição é majoritária. "A Chesf é um patrimônio do Nordeste, não pode ser vendida assim."

Para o deputado Chico Alencar (Psol-RJ), a rejeição da base também é fisiológica: eles não indicariam mais diretores nas estatais. "Seria o fim das boquinhas em diversas companhias públicas", disse. Já o Psol é contra por "transferir aos conglomerados financeiros internacionais um patrimônio público" para pagar as contas do governo - a operação renderá R$ 12 bilhões para a União.

Líder do PT na Câmara, Carlos Zarattini (SP) disse que os deputados estão percebendo que a conta de luz encarecerá com a operação. "Fica cada vez mais claro que isso atingirá os consumidores", afirmou. Outro fator para maior rejeição seria o desgaste de Temer e a tentativa dos parlamentares de se desvincularem.

O deputado Fabio Garcia (sem partido-MT), que deve ser o relator do projeto e trabalhou em empresas do setor, avalia que a rejeição diminuirá quando a proposta chegar ao Congresso e o debate ocorrer. "Os dados mostram que o setor privado é mais eficiente, prestará um melhor serviço, permitirá mais investimentos e vai liberar recursos no Orçamento para saúde e educação", defendeu. Não adianta manter a companhia estatal, afirma, e as obras atrasarem por falta de recursos ou burocracia.

Garcia discorda do discurso de que haverá aumento na conta de luz e diz que a rentabilidade é controlada pelos órgãos reguladores e por licitações. "Se o Brasil quer baixar o preço da energia, um dos caminhos que tem, além de rever os subsídios, é acabar com as ineficiências", opinou.

Embora seja do Nordeste, o deputado Betinho Gomes (PDB-PE), defende a privatização, mas afirma que o projeto precisa ser melhor explicado para a sociedade, para não parecer que a venda será negativa, e afirma que as críticas devem-se ao medo dos parlamentares de apoiarem temas polêmicos às vésperas da eleição e ao alto desgaste do governo. O PSDB é o partido com maior taxa de apoio à proposta, 90%, segundo a pesquisa do governo.

Com a demora do governo em encaminhar o projeto, anunciado em agosto, o debate na Câmara, que no calendário inicial acabaria em dezembro, deve ficar para março ou abril.