Valor econômico, v. 18, n. 4411, 29/12/2017. Política, p. A5.

 

 

STF anula trechos de indulto de Natal editado por Temer

Luísa Martins e Cristiane Bonfanti

29/12/2017

 

 

A presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministra Cármen Lúcia, atendeu a pedido da Procuradoria-Geral da República (PGR) e suspendeu trechos do decreto de indulto de Natal assinado pelo presidente Michel Temer em 22 de dezembro.

Com a decisão, anula-se o indulto que seria concedido a quem cumpriu um quinto (não reincidentes) ou um terço da pena (reincidentes) por crimes sem grave ameaça ou violência. Também ficou invalidado o trecho do indulto que eximia o condenado de pagar multas. Outro artigo suspenso foi o que beneficiava presos cujos processos ainda estão na fase de recursos após julgamento em segunda instância.

No despacho divulgado ontem, a ministra afirma que "indulto não é instrumento de impunidade" nem "prêmio ao criminoso ou tolerância ao crime". Ela deferiu todos os pedidos feitos na quarta-feira pela procuradora-geral da República, Raquel Dodge, em uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) ajuizada no Supremo.

"O que agora se demonstra é a plausibilidade do argumento de desvio de finalidade na edição do decreto, impondo-se o deferimento da medida cautelar para a suspensão dos efeitos dos dispositivos impugnados", justificou a ministra. Para ela, a decisão não prejudica pessoas que perderam a possibilidade do benefício, já que elas "cumprem pena imposta por processo penal regular, não se havendo cogitar agravamento de alguma situação criminal ou redução de direitos".

A presidente do STF disse, ainda, que o indulto esvazia a jurisdição penal e perde sua natureza humanitária ao ser convertido em "benemerência sem causa e, portanto, sem fundamento jurídico válido".

O ministro da Justiça, Torquato Jardim, minimizou a decisão de Cármen Lúcia. Ele afirmou ao Valor que a "essência" do indulto natalino editado por Temer foi mantida. "Das 27 hipóteses de indulto ou comutação de pena, somente três foram suspensas. As outras mantiveram-se hígidas, estão valendo", disse.

Ele informou que, a pedido de Temer, o Ministério da Justiça analisa uma possível maneira de beneficiar quem ficou de fora da lista de contemplados com o indulto: "Vamos estudar. Não cabe a mim concordar ou discordar da decisão, mas vamos buscar um mecanismo de compensar os brasileiros excluídos." Não está excluída a edição de um outro decreto, dizem fontes.

Já a Advocacia-Geral da União (AGU), encarregada da defesa jurídica do governo federal, afirmou, em nota, "que não foi intimada e que vai se manifestar dentro do prazo processual".

Para a procuradora-geral, ao conceder a medida cautelar, o STF impede a violação de princípios como o da separação dos Poderes, da individualização da pena, da vedação constitucional para que o Poder Executivo legisle sobre direito penal, além de restabelecer o propósito do instrumento. "Nas democracias, é muito importante defender a Constituição. Isso é um dever do Ministério Público, e é o que foi feito nesta ação judicial. O indulto, embora constitucionalmente previsto, só é válido se estiver de acordo com a finalidade para a qual foi juridicamente estabelecido. A ministra Cármen Lúcia, em sua decisão, agiu como guardiã da Carta constitucional, fortalecendo a compreensão de que fora de sua finalidade jurídica humanitária, o indulto não pode ser concedido", destacou.

Autora da ação, Dodge afirmou, na petição inicial, considerar o indulto "causa única e precípua de impunidade de crimes graves" - como os cometidos, por exemplo, por alvos da Operação Lava-Jato, que desde 2014 apura um robusto esquema de corrupção na Petrobras.

"O chefe do Poder Executivo não tem poder ilimitado de conceder indulto. Na República, nenhum poder é ilimitado. Se o tivesse, aniquilaria as condenações criminais, subordinaria o Poder Judiciário, restabeleceria o arbítrio e extinguiria os mais basilares princípios que constituem a República constitucional brasileira", afirmou a procuradora-geral.

Em sua conta no Twitter, seu antecessor no cargo, Rodrigo Janot, elogiou a postura da PGR. "Em boa hora e no ponto, Raquel Dodge propôs ação de inconstitucionalidade contra o absurdo decreto baixado pelo presidente Temer, que indulta criminosos de todo o tipo, especialmente corruptos. Este é mais um movimento do governo contra a Lava-Jato", publicou o ex-procurador.

A decisão de Cármen Lúcia de suspender parcialmente o decreto vale até que o caso seja examinado ou pelo relator original do processo, ministro Luís Roberto Barroso (sorteado aleatoriamente pelo sistema eletrônico do STF) ou pelo plenário da Corte. Isso só vai ocorrer em fevereiro, quando o Judiciário retorna do recesso. Até lá, todas as decisões mais urgentes cabem à presidente.

Coordenador da força-tarefa da Lava-Jato, o procurador Deltan Dallagnol afirmou que o decreto de Temer é um "insulto", pois afrouxou as regras para a concessão do indulto ao mesmo tempo em que vários auxiliares do presidente estão implicados nas investigações.