Valor econômico, v. 18, n. 4412, 02/01/2017. Política, p. A5.
Regulamentação do lobby avança na Câmara após 35 anos
Raymundo Costa
02/01/2018
Após 35 anos da primeira tentativa, a Câmara dos Deputados volta a discutir a regulamentação do lobby, desta vez com grande chance de a proposta ser votada. O projeto cria regras para a atuação dos grupos de pressão ou de interesse no âmbito dos órgãos e entidades da administração pública federal. Não evita a corrupção, mas deve dar mais transparência à relação entre agentes privados e públicos.
"Se há duas pessoas dispostas a fazer o ilícito, não há lei que vá proibir", diz Guilherme Magalhães da Cunha Costa, advogado com pós-graduação em assessoria parlamentar, atual presidente da Associação Brasileira de Relações Institucionais e Governamentais (Abrig). "O que a gente precisa é dar transparência, pois se acontecer algo, é possível cobrar por que as coisas não foram feitas nos termos da legislação".
A primeira vez que o Congresso tentou regulamentar o lobby foi em 1982, por meio de um projeto do então deputado Marco Maciel, do antigo PFL hoje DEM de Pernambuco, depois senador e vice-presidente da República entre 1994 e 2002. O projeto a ser votado é de autoria do deputado Carlos Zarattini (PT-SP), mas o texto que vai a plenário é o substitutivo da deputada Cristiane Brasil (PTB-RJ), relatora do projeto na Câmara.
O projeto entrou em regime de urgência na última sessão do ano da Câmara e mudou bastante em relação ao texto original, apresentado em 2007 por Zarattini. Por exemplo, na proposta que deu a partida na discussão o lobista deveria se registrar num cadastro obrigatório a ser criado ou algo do gênero. No projeto da deputada a atividade é livre. Mas o lobista terá de se credenciar e portar crachá de identificação para se movimentar pelos salões do Congresso. A ideia é que a obrigatoriedade nivela por baixo - entra quem deve e quem não deve -, enquanto o registro voluntário numa associação privada é voluntária.
"Quem não deve, vem. Se você torna obrigatório, leva para a vala comum de todo mundo. A participação no processo de discussão de uma política pública é legítimo para todos. A pessoa não precisa ser cadastrada ou não. Você deixa isso aberto. Ela [a deputada Cristiane Brasil] não está criando nenhum tipo de cartório", diz Guilherme Costa. Como exemplo, cita a própria Abrig: em quatro anos de Operação Lava-Jato, nenhum de seus 312 associados foi sequer citado numa delação premiada.
O texto a ser votado também prevê isonomia das partes, mas desce a detalhes como fazia o deputado petista. No projeto original, se três pessoas fossem convidadas para falar contrariamente a determinado projeto, necessariamente outras três deveriam ser chamadas para falar a favor. "Mas se você tiver só uma pessoa disposta a falar bem de um projeto sobre cigarro, como é que faz"? - pergunta Guilherme. "Imagina a insegurança jurídica que isso pode provocar, uma lei ser depois questionada porque não foram ouvidas tantas pessoas a favor e tantas contra"?
O parecer também acaba com a obrigatoriedade de uma espécie de prestação de contas a um departamento que provavelmente teria de ser criado no Tribunal de Contas da União (TCU). O lobista faria um relatório sobre suas despesas financeiras e atividades. A dispensa parte da lógica segundo a qual ninguém quem fizer algo errado não vai reconhecer isso num relatório enviado ao tribunal. Seria apenas mais burocracia. Nos Estados Unidos, onde existe algo parecido, nunca foi comprovado um ilícito a partir das informações contidas nesses relatórios.
Os EUA endureceram sua legislação sobre lobby em meados dos anos 1990. A série de obrigações e exigências feitas pela nova legislação apenas fez com que os lobistas deixassem de se apresentar como tal e virassem consultores ou advogados. Hoje o número de pessoas registradas nos Estados Unidos como lobista é menor que em 1998. O texto de Zarattini carregava uma forte influência da legislação americana. A votação, se a Câmara dos Deputados não recuar como fez de outras vezes, deve ocorrer em meados de março. Aprovado, deve ser submetido ao Senado.