Correio braziliense, n. 20002, 24/02/2018. Política, p. 2

 

Pressão contra o auxílio-moradia

Vera Batista

24/02/2018

 

 

Com o julgamento do benefício marcado para 22 de março no Supremo, os ministros da Fazenda e do Planejamento vão se reunir com a presidente do STF na semana que vem para apresentar o tamanho do corte que o Judiciário terá que fazer nas despesas com pessoal

A equipe econômica já tem em mãos um estudo com o tamanho exato do corte que o Judiciário terá que fazer nas despesas com pessoal para contribuir com o equilíbrio das contas públicas. Os números vinham sendo levantados e se tornaram prioridade, após a derrota na busca por apoio parlamentar ao projeto de reforma da Previdência. Segundo fontes ligadas ao governo, os ministros da Fazenda, Henrique Meirelles, e do Planejamento, Dyogo Oliveira, se encontrarão com a presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministra Cármen Lúcia, na próxima semana, para discutir o assunto.

Tão logo seja agendado o dia para a conversa no Supremo, a intenção é convidar os presidentes da Câmara, Rodrigo Maia, e do Senado, Eunício Oliveira, para a reunião. Assim, o Executivo fica bem com todos, acalma os ânimos e joga por terra o rastro de mal-estar que deixou no Congresso, com a imposição da agenda de prioridades do Executivo no Legislativo. O encontro com Cármen Lúcia está sendo articulado a portas fechadas para evitar pressões consideradas desnecessárias de integrantes do Judiciário e do Ministério Público, defensores da expansão dos gastos com salários e benefícios.

Não é de hoje que o Executivo deixa claro que um ajuste fiscal sério só é possível com a colaboração do Judiciário e do Legislativo. Oficialmente, a Fazenda “desconhece a iniciativa” — o Planejamento não se pronunciou. No entanto, técnicos dos dois ministérios garantem que os ministros aguardam a oportunidade para tocar o dedo na ferida, sem ofender a autonomia do Judiciário e do Legislativo. As ameaças de greve dos juízes federais em defesa do auxílio-moradia, uma matéria que não conta com a simpatia da sociedade, abriu a brecha que esperavam.

Às avessas


Quando encampou a ideia de pressionar o Supremo para evitar a extinção do auxílio-moradia, o presidente da Associação dos Juízes Federais (Ajufe), Roberto Veloso, não imaginou que daria um tiro no próprio pé. Além de irritar a presidente da Corte, a atitude afrontou outro corporativismo: o dos próprios ministros, que não aceitam críticas. Como conclusão, segundo observadores, os juízes (federais, estaduais, trabalhistas e militares) perderam os dois únicos votos no Supremo (do total de 11) favoráveis aos penduricalhos — que, às vezes, triplicam o valor dos subsídios e estouram o teto remuneratório do serviço público, de R$ 33,7 mil mensais.

“Há um movimento muito forte dentro do Supremo agora contra qualquer penduricalho ou tema que arranhe sua imagem. Os juízes escolheram o pior momento para um embate”, destacou uma fonte que pede anonimato. Levantamento da Associação Contas Abertas apontou que, de 2014 a 2016, o desembolso com o benefício foi de R$ 5,4 bilhões. “Sem considerar os beneficiários dos Tribunais de Contas e do Ministério Público de Contas, e não foram excluídos os que não recebem”, explicou Gil Castello Branco, presidente do Contas Abertas. Em junho de 2017, em carta aberta, ele questionou o STF.

“O auxílio-moradia (R$ 4,3 mil mensais) chega a ser uma afronta à população de um país onde, entre tantos outros infortúnios, o piso salarial de um professor (R$ 2.287) é metade do benefício pago aos magistrados”, afirmou Castello Branco. No início de fevereiro, um abaixo-assinado coletou 195 mil assinaturas pela internet. A petição, na plataforma change.org, estima que o gasto com o auxílio a juízes é de R$ 1,5 bilhão por ano. E, ontem, o senador Roberto Requião (MDB-PR) apresentou seu relatório à proposta de emenda à Constituição (PEC 41/2017), que propõe o fim do auxílio-moradia mensal para juízes, procuradores e servidores com carreira de Estado.

O benefício, disse Requião, deveria ser exclusivo para pessoas com mandato eletivo e em caráter temporário. “Isso tem que acabar e o assunto tem que ser resolvido no Congresso. Estudamos regulamentar a matéria por lei infraconstitucional (que está fora da Constituição e não é julgada pelo STF). Juiz não tem que discutir isso. A moradia dele já está no salário. Se eventualmente o salário não é corrigido, que reivindique a correção, não penduricalhos”, defendeu Requião. Ele acha ainda que juízes e promotores deveriam ser eleitos, com mandatos por período determinado.

___________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

"Todo mundo recebe o que tem direito"

Jayme de Oliveira, Natália Lambert e Maiza Santos

24/02/2018

 

 

Com uma postura de mais cautela que a Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe), o presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), Jayme de Oliveira, não entende a greve como o melhor caminho na luta pelo auxílio-moradia, mas acredita que, se o Supremo Tribunal Federal (STF) extinguir o benefício no próximo dia 22, haverá muita indignação na categoria. Em entrevista ao Correio, na última quarta-feira, Oliveira defendeu que se defina, então, o que deve ou não ser pago para a categoria, como e que se cumpra. “A AMB gostaria de ver uma uniformização. Quais são as ajudas de custo possíveis que devem ser pagas? A saúde deve ser paga? A moradia deve existir? E, se deve, em que condições? Vamos discutir, então. O colega passa a ter uma perspectiva, mas é preciso que isso se pacifique”, acredita. Confira os principais trechos:
Em meio às discussões sobre auxílio-moradia, é importante ressaltar que o Judiciário custa aos cofres públicos 1,4% do PIB. Por que tanta despesa?
A despesa total do Judiciário, em 2017, foi de R$ 84,8 bilhões. Só que tem um detalhe que ninguém considera: o retorno financeiro decorrente da atividade jurisdicional, no mesmo ano, foi de R$ 40 bilhões. O Rio de Janeiro é o estado que mais retorno dá no que diz respeito à Justiça estadual. A Justiça federal dá em retorno mais do que consome. No ano passado, foi 46% de retorno. E a atividade própria do Judiciário não é arrecadar recursos para a União, é julgar conflitos e pacificar a sociedade. E tem um detalhe: a gente fica sempre dentro dos 6% do orçamento, seja da Justiça da União, seja dos estados. O nosso percentual de gastos é limitado. O custo não é esse que geralmente se apregoa. Além desse cálculo, se a gente pegar os valores no combate à corrupção, não é pouca coisa. Só aqueles R$ 50 milhões que foram encontrados numa sala é dinheiro que não acaba mais.

Os auxílios-moradia têm provocado polêmica e revolta na população. Como explicar isso?
É também a maneira como se tem colocado isso para a sociedade. O colega que tinha 30 ou 60 imóveis no nome dele é rico. Por isso ele não vai receber salário? Por isso tem que receber menos que os outros, apesar de escolher a magistratura porque é vocacionado para essa carreira? Não é a condição pessoal de cada um que define o salário. Até porque, mesmo em uma empresa, se você tem dinheiro ou é milionário, vai trabalhar de graça?

Mas o auxílio-moradia é salário?
Todo mundo, na carreira que escolheu, recebe o que tem direito. Desde 1989, a Lei Orgânica da Magistratura (Loman) prevê que o Estado tem a obrigação de dar para cada magistrado uma casa funcional. Se o Estado não der o imóvel, dá uma ajuda de custo. O juiz não pode ter nenhuma outra atividade, não pode ter comércio. É dedicação exclusiva e uma série de restrições. Salvo dar aula, o que nem todo mundo é vocacionado. Você precisa de juízes independentes, porque ele vai enfrentar as mais variadas pressões. Quando o sujeito prestou concurso lá atrás, foi pensando que seguiria a carreira por causa dos benefícios. A moradia tem previsão legal. Se o Estado dá imóvel para um e não dá para outro, um está ganhando mais do que o outro. Está em situação mais vantajosa, porque não precisa pagar aluguel e se preocupar com imóvel.

A AMB é favorável ao auxílio?
A AMB defende a manutenção por entender que isso faz parte da estrutura da carreira, como todas as outras garantias que estão na Loman. Ainda mais para a magistratura que está há três anos sem recomposição salarial. Todo mundo critica, mas o auxílio não existe só no Judiciário. Todos os órgãos da administração pública têm. E ninguém se incomoda com o fato de não se cumprir a Constituição. Quando veio instituído o regime de subsídios, a própria Constituição mandou fazer a revisão anual, porque era para você manter o padrão de vencimento. Foi definido o teto remuneratório para o Supremo e aquilo deveria ser corrigido anualmente. Desde que foi implantado aquele regime, o salário dos ministros já era para estar em R$ 46 mil, e continua em R$ 33 mil. Não se aplica o reajuste, que é um comando da Constituição e, ao mesmo tempo, há o risco da magistratura perder parte dos vencimentos. E isso é o que tem deixado a magistratura indignada. E também pela maneira que a campanha está sendo conduzida porque pegam os casos excepcionais, como o desse colega de São Paulo, que tem vários imóveis. Ele tem uma herança. Por isso, ele não recebe? Abre mão? A AMB propõe que se defina um regime jurídico novo para a magistratura, que seja claro e que se cumpra.

Então é necessária uma revisão?

Para definir e que seja cumprida. Por exemplo, tiraram da magistratura o adicional de tempo de serviço, uma luta que estamos tentando retomar. Todas as carreiras públicas têm o adicional. No serviço público, é fundamental, porque o colega que ingressa não pode ganhar igual ou mais do que o colega que está no fim da carreira, com 35 anos. Nós tínhamos isso,0 que caiu na reforma administrativa. A Loman também fala de ajuda de custo para a saúde. Tem estado que tem e estado que não. Isso gera distorções dentro da própria carreira. A AMB gostaria de ver uma uniformização. Quais são as ajudas de custo possíveis que devem ser pagas? A saúde deve ser paga? A moradia deve existir? E, se deve, em que condições? Vamos discutir, então. O colega passa a ter uma perspectiva, mas é preciso que isso se pacifique. É preciso que haja um consenso entre os poderes e com a própria sociedade para que se diga: a carreira do juiz é importante para o Estado, precisamos de uma magistratura forte e independente. O que precisamos dar aos magistrados para garantir essa independência e essa força?