Correio braziliense, n. 20001, 23/02/2018. Política, p. 2

 

Juízes ameaçam greve

Vera Batista e Natália Lambert

23/02/2018

 

 

PODERES » Com o julgamento do auxílio-moradia marcado para 22 de março no Supremo, entidade de classe prepara uma paralisação dos magistrados federais uma semana antes. Projeto que impõe limites aos salários será votado na Câmara somente após a decisão do STF

Diante da possibilidade de perder o auxílio-moradia de R$ 4.377,73 mensais, juízes federais em todo o Brasil ameaçam entrar em greve pela segunda vez na história — a primeira foi em 1999. E com data marcada: 15 de março. A revolta veio com a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de agendar o julgamento das ações que tramitam na Corte sobre o tema para 22 de março. E tudo isso foi motivado pelas polêmicas revelações de juízes que recebem o valor mesmo tendo imóveis próprios na cidade em que trabalham, ou que dividem a casa com cônjuges também beneficiados.

O principal problema, segundo Roberto Veloso, presidente da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe), é que a ação pautada pelo STF “retira direitos” apenas dos federais. “Os estaduais continuarão ganhando”, disse. A Suprema Corte, argumenta, abriu uma lacuna. “Para dar tratamento igualitário, teria que pautar, também, a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 4.393, que questiona essa verba para todos”, explicou. A decisão sobre a greve, que partiu de um grupo de aproximadamente 100 juízes, está em consulta na Ajufe. O resultado será apresentado em 28 de fevereiro.

A ADI, reforçou Veloso, trata da Lei dos Fatos Funcionais da Magistratura do Rio de Janeiro, mas, por meio dela, o STF acabaria de vez com a polêmica em relação ao que pode ou não ser pago aos juízes de todo o país. “Não tenho como defender um ato que vai prejudicar especificamente os juízes federais. Tem muita coisa estranha acontecendo, depois que a sociedade apoiou a nossa ação combativa contra a corrupção. Dá até para desconfiar”, resumiu. De acordo com a assessoria da Ajufe, a iniciativa de paralisação partiu de um grupo de 100 magistrados, mas ainda não está confirmada. Os integrantes serão consultados até o próximo dia 28.

Uma das ações na pauta do STF é a liminar, concedida pelo ministro do STF Luiz Fux, em 2014, que estendeu o valor do auxílio para todos os juízes do país. Um levantamento da consultoria de Orçamento, Fiscalização e Controle do Senado mostra que o custo para a União com o benefício, no ano passado, foi de cerca de R$ 817 milhões. O valor previsto deste ano é de R$ 865 milhões. O poder que mais custou no ano passado foi o Executivo, com R$ 330 milhões. Em seguida, vem o Judiciário, com R$ 291 milhões; o Ministério Público, com R$ 108 milhões; e o Legislativo, com R$ 10 milhões.

Para a advogada constitucionalista Vera Chermim, a situação é complicada. Se a ação for julgada em separado, reduzirá os ganhos unicamente dos juízes federais. “Pelo bom senso, pela lógica e em respeito ao princípio da isonomia, acredito que a ministra Cármen Lúcia vai pautar a ADI”, destaca Vera. A polêmica envolve outras entidades de classe. No entender de José Robalinho Cavalcanti, presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR), o que será abordado em março não é puramente a extinção do auxílio-moradia, um direito constitucional e regulamentado por lei.

“A discussão é sobre outros benefícios que existem na esfera estadual, mas não na federal, como auxílios educação, transporte e saúde”, destacou Robalinho. Para ele, nem mesmo o projeto de lei (PL 6.726), que tramita na Câmara, afetará o benefício. “O chamado projeto extrateto não terá o efeito que o parlamento pensa. O conceito de verba indenizatória já foi julgado pelo Judiciário. Não tem como retroceder. O Legislativo só poderá abordar outros pontos”, declarou.

Reunião

Na manhã de ontem, a presidente do STF, ministra Cármen Lúcia, se reuniu com o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), para mostrar dados sobre remunerações que ela vem cobrando dos tribunais estaduais desde que assumiu a presidência do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em setembro de 2016, e debater o projeto de lei que tratará do teto remuneratório do serviço público. “A presidente fez uma apresentação dos dados sobre a situação de cada um dos tribunais: o que é remuneração, o que é indenização e o que é dívida. Está tudo bem esclarecido. Essas informações são importantes para que a Câmara possa decidir, sempre respeitando o teto de gastos, não inviabilizar o exercício de nenhum poder”, afirmou Maia.

Também estavam presentes ao encontro a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, o corregedor nacional de Justiça, ministro João Otávio de Noronha, e o deputado federal Benito Gama (PTB-BA), presidente da comissão especial extrateto. Maia afirmou que o projeto será votado depois que o STF concluir o julgamento sobre auxílio-moradia para não “desrespeitar o trabalho” da Suprema Corte, que já terá resolvido uma parte das remunerações. A intenção é que o Ministério Público Federal também avalie o benefício na instituição.

Busca por reajuste

Em 15 de março, também está marcada nova manifestação de magistrados e procuradores em frente ao STF — a última foi em 11 de fevereiro. “Preocupa-nos, no caso do auxílio-moradia, o tratamento diferenciado entre União e estados. Mas nossa mobilização é pela recuperação do subsídio, que, desde 2004, sofreu perda inflacionária superior a 40%”, destacou Guilherme Feliciano, presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho.

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Morar fora da comarca

23/02/2018

 

 

Além da polêmica do auxílio-moradia, outro tema tem movimentado o Judiciário. O Conselho Nacional de Justiça (CNJ), no último dia 16, acatou uma ação da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) e permitiu que um juiz lotado na 2ª Vara Criminal da Comarca de Porto Nacional more em Palmas, a cerca de 60km de distância. Pela Lei Orgânica da Magistratura Nacional (Loman), o magistrado tem que “residir na sede da comarca, salvo autorização do órgão disciplinar a que estiver subordinado”. A decisão foi vista com preocupação por um grupo de juízes por causa da possibilidade de abrir precedente.

Voto contrário à decisão, o corregedor do CNJ, ministro João Otávio de Noronha, afirma que esse tipo de permissão só pode ser concedida em casos “muito excepcionais” e teme novos pedidos ao colegiado. Para ele, é essencial que o magistrado conheça e resida na comunidade que ele vai julgar e apoiar. Já o presidente da AMB, Jayme de Oliveira, repudia a possibilidade de precedentes e comenta que a situação era muito específica, de um drama particular de um juiz que cuida dos pais idosos, um deles com uma doença grave. “A regra geral é que tem que residir na comarca, mas existem exceções. Essa foi uma situação excepcional. A regra continua e cada caso será analisado individualmente.”

A ministra aposentada do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e ex-corregedora do CNJ Eliana Calmon explica que a regra foi pensada para que o juiz fique próximo e possa ser acionado a qualquer momento, mas que, às vezes, tem sido usada por corregedores para “perseguir” colegas. “Um juiz, por exemplo, que more em Santos e trabalhe em São Paulo. Isso não é um problema. O acesso é fácil. É questão de bom senso”, comenta. (NL)