O Estado de São Paulo, n. 45362, 28/12/2017. Política, p.A4

 

 

 

 

 

Raquel Dogde vai ao STF contra indulto de Temer

Poderes. Em ação, procuradora-geral da República afirma que decreto do presidente põe Operação Lava Jato ‘em risco’ e ‘materializa o comportamento de que o crime compensa’

Por: Andreza Matais Breno Pires Rafael Moraes Moura /


Andreza Matais 
Breno Pires 
Rafael Moraes Moura /
 BRASÍLIA

Alegando violação de vários princípios da Constituição, a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, pediu que o Supremo Tribunal Federal (STF) anule trechos do decreto de indulto assinado pelo presidente Michel Temer na semana passada. Em ação direta de inconstitucionalidade (ADI), Raquel afirma que o decreto coloca em risco a Operação Lava Jato, “materializa o comportamento de que o crime compensa” e “extrapolou os limites da política criminal a que se destina para favorecer, claramente, a impunidade”.

“A Lava Jato está colocada em risco, assim como todo o sistema de responsabilização criminal”, afirma a procuradora-geral da República na peça de 36 páginas antecipada pelo blog da Coluna do Estadão. A colunista do Estado Vera Magalhães adiantou que entidades representativas do Ministério Público Federal pressionavam para que a procuradora-geral ajuizasse a ação no Supremo.

O indulto, publicado na sexta-feira passada, consiste em um perdão de pena e costuma ser concedido todos os anos próximo ao Natal. No do ano passado, foram beneficiadas pessoas condenadas a no máximo 12 anos e que tivessem cumprido um quarto da pena, desde que não fossem reincidentes. No indulto deste ano, não foi estabelecido um período máximo de condenação e o tempo de cumprimento da pena foi reduzido de um quarto para um quinto no caso dos não reincidentes.

Raquel sustenta que o decreto – apesar de ser uma prerrogativa do presidente –, da forma como foi feito, invade a competência do Congresso de legislar sobre o direito penal e esvazia a função da Justiça.

Segundo a procuradora, a determinação “sem razão específica” ampliou os benefícios desproporcionalmente e “criou um cenário de impunidade no País: reduziu o tempo de cumprimento de pena que ignora a pena aplicada; extinguiu as multas aplicadas; extinguiu o dever de reparar o dano; extinguiu penas restritivas de direito, sem razões humanitárias que justifiquem tais medidas e tamanha extinção da punibilidade”.

Raquel destaca que o decreto veio no contexto do avanço da Lava Jato, “após a punição dos infratores, corruptos e corruptores, por sentença criminal”.

Ao criticar a redução do tempo mínimo de um quarto para um quinto da pena – no caso de não reincidentes nos crimes sem violação, como os casos de corrupção – a procuradora cita, como exemplo, que uma pessoa condenada a 8 anos e 1 mês de prisão não ficaria nem sequer um ano preso.

‘Generoso’. Raquel diz na ação que o que se extrai da determinação, classificada “como ‘indulto mais generoso’, em uma escala ascendente de generosidade que marca os decretos de indulto nas duas últimas décadas – é que será causa única e precípua de impunidade de crimes graves, como aqueles apurados no âmbito da Operação Lava Jato e de outras operações contra a corrupção sistêmica”.

O decreto ignorou solicitação da força-tarefa e recomendação das câmaras criminais do MPF que pediam, entre outros pontos, que os condenados por crimes contra a administração pública – como corrupção – não fossem agraciados pelo indulto. Na ação, Raquel relembra essa manifestação.

A procuradora-geral salienta que presidentes da República não têm poder ilimitado de conceder indulto. “Na República, nenhum poder é ilimitado. Se o tivesse, aniquilaria as condenações criminais, subordinaria o Poder Judiciário, restabeleceria o arbítrio e extinguiria os mais basilares princípios que constituem a República constitucional brasileira.”

O decreto foi criticado por procuradores e representantes da Lava Jato. Em novembro, os integrantes da força-tarefa em Curitiba estimaram que ao menos 37 condenados pelo juiz federal Sérgio Moro poderiam ser beneficiados pelo indulto. Como o Judiciário está em recesso, a procuradora-geral pede que a presidente do Supremo, ministra Cármen Lúcia, decida com urgência sobre o caso e conceda liminar (decisão provisória) até a análise pelo plenário da Corte.

Sistema

Procurada, a Advocacia-Geral da União (AGU) informou “que não foi intimada e que vai manifestar-se dentro do prazo processual”.

“A Lava Jato está colocada em risco, assim como todo o sistema de responsabilização criminal.” Raquel Dodge PROCURADORA-GERAL DA REPÚBLICA EM ADI NO SUPREMO

 

 

 

 

Ex-chefe da Defesa Civil na BA diz que buscou mala de dinheiro para Geddel

Gustavo Ferraz relata que o montante era parte dos R$ 51 milhões apreendidos em um apartamento em Salvador
Por: Luiz Vassallo Breno Pires


Luiz Vassallo 
Breno Pires /
 BRASÍLIA

O ex-chefe da Defesa Civil de Salvador Gustavo Ferraz, aliado do ex-ministro Geddel Vieira Lima (PMDB), disse em depoimento à Polícia Federal que, em 2012, buscou mala de dinheiro em um hotel em São Paulo para o peemedebista. Segundo Ferraz, Geddel afirmou que o dinheiro seria utilizado nas “campanhas de prefeitos e vereadores do PMDB” na Bahia. Ferraz disse que nunca esteve no apartamento em Salvador onde a PF apreendeu R$ 51 milhões em espécie. Segundo ele, suas impressões digitais foram encontradas em cédulas que estavam no imóvel na capital baiana porque o dinheiro que ele diz ter transportado de São Paulo para Salvador em 2012 era parte dos R$ 51 milhões. O “bunker” em Salvador foi descoberto no dia 5 de setembro. Ferraz prestou depoimento três dias depois. Digitais de Geddel também aparecem nas notas de dinheiro. Os dois foram presos no mesmo mês. Em dezembro, a Procuradoria-Geral da República denunciou o ex-ministro, Ferraz e mais quatro pessoas pelos crimes de lavagem de dinheiro e associação criminosa no caso do “bunker”. A Procuradoria da República no Distrito Federal, ao pedir a prisão de Ferraz, afirmou que ele era o “interposto” de Geddel.

O ex-chefe da Defesa Civil relatou ainda à PF que foi informado pelo ex-ministro de que “a entrega do dinheiro seria intermediada por outra pessoa” com quem ele deveria se encontrar no hotel. Esse intermediário não foi identificado no depoimento de Ferraz. Depois, seguiram para um escritório “sem identificação externa”, onde Ferraz recebeu uma mala de dinheiro de “tamanho pequeno, compatível com as permitidas no interior de aviões”. Na sequência, foi levado até o aeroporto de Congonhas. A viagem até Salvador, relatou, foi feita em um voo fretado. Ao chegar à capital baiana, Ferraz disse ter sido levado por um motorista do PMDB até a casa de Geddel, onde o dinheiro – notas de R$ 50 e R$ 100 – foi conferido.

‘Traído’. O depoimento de Ferraz registra ainda que o ex-chefe da Defesa Civil disse que se sentiu “traído” ao descobrir que parte do dinheiro que foi buscar para candidatos peemedebistas baianos nas eleições de 2012 foi encontrada no bunker dos R$ 51 milhões. Procuradas, as defesas de Geddel e Gustavo Ferraz não haviam se manifestado até a conclusão desta edição.