Correio braziliense, n. 19995, 20/02/2018. Política, p. 4

 

Ação antes do debate da Câmara

Paulo de Tarso Lyra

20/02/2018

 

 

Em uma sessão que durou mais de cinco horas e entrou madrugada adentro, a Câmara analisou o pedido de intervenção federal no Rio de Janeiro. Cuidadosa para não passar uma imagem impopular, a oposição preferiu criticar o caráter eleitoral da medida, afirmando que o governo trocou a derrota certa na reforma da Previdência pelo debate da segurança pública. Já a base mostrou alinhamento com o Planalto e colocou, em plena segunda-feira, quase 440 deputados em plenário. E, até a 1h20, com um quórum elevado, tinha conseguido derrubar dois requerimentos da oposição contra a votação.

Enquanto a Câmara discutia o decreto, que não tinha sido votado até o fechamento desta edição, os militares realizavam a primeira grande operação no Rio. “Neste instante, 3 mil homens das Forças Armadas, além de agentes da Polícia Rodoviária Federal e da Força Nacional de Segurança, estão cercando todas as rodovias que dão acesso ao Rio e a pontos considerados estratégicos no roubo de cargas”, anunciou o ministro da Defesa, Raul Jungmann, ao chegar ao Congresso ao lado do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ).

Segundo Jungmann, a operação ainda fazia parte do planejamento da GLO (Garantia da Lei e da Ordem) iniciada em julho do ano passado. O foco da operação foi o complexo do Chapadão, na Zona Norte, com o deslocamento de militares, muitos deles com rostos cobertos com balaclavas.

Várias entradas da comunidade foram fechadas nos bairros de Guadalupe e Anchieta, na Zona Norte. O Chapadão reúne criminosos que deixaram morros ocupados pelas UPPs, como o Complexo do Alemão, e montaram ali uma central que se especializou no roubo de cargas. Tanto o Chapadão quanto a Pedreira ficam próximas da Avenida Brasil. A primeira está sob controle do Comando Vermelho e a segunda, dominada pela facção rival Amigos dos Amigos.

Apesar de, em um primeiro momento, ter demonstrado sua contrariedade por não ter sido comunicado sobre a intervenção, o presidente Rodrigo Maia fez um discurso duro a favor da intervenção. “Estamos numa guerra contra o crime. Nossa arma é a Constituição. E a nossa missão é defender a democracia dando ao Estado os poderes excepcionais previstos na Constituição para assegurar a manutenção da ordem e do Estado Democrático de Direito”, afirmou Maia.

Ele reforçou que a medida posta em prática era uma intervenção federal, e não uma ação militar. “De forma clara e direta: se fosse uma intervenção militar, esta Casa, com toda razão e com todo o meu apoio e energia, a derrotaria”. Ele também criticou o governo fluminense, sem citar diretamente o governador Luiz Fernando Pezão. “O governo do Rio de Janeiro sucumbiu à desordem. Torna-se urgente, inadiável, fazer prevalecer a ordem. Levar de volta a paz de espírito às ruas do Rio de Janeiro e de todo o país também”, disse ele.

Recursos

À tarde, o PSol entrou com um mandado de segurança no Supremo Tribunal Federal, tentando derrubar a votação. A justificativa era que a medida dura fora tomada sem a anuência prévia do Conselho da República e do Conselho de Defesa Nacional. O líder da bancada na Câmara também criticou as informações — posteriormente corrigidas por Jungmann — de que as Forças Armadas teriam liberdade de ação, inclusive com possibilidade de prisão de suspeitos. “Isso é um arbítrio. Um estado de exceção. Quem vai sofrer com isso serão os pobres e os negros, porque eles, de antemão, já são considerados suspeitos”, acusou Valente. O ministro Celso de Mello, do STF, rejeitou o mandado de segurança.

Em seu relatório, a deputada Laura Carneiro (MDB-RJ) afirmou que quis a história que o destino dela se encontrasse com a do seu pai, o ex-senador Nelson Carneiro (MDB-RJ). “Mas, diferentemente dele, que encaminhou voto contrário a uma intervenção federal em pleno regime militar, eu vou votar a favor, dentro de uma realidade diferente”, justificou ela.

Laura defendeu mais recursos para o setor no Rio, lembrando que 96% da verba da Segurança Pública fluminense são gastos com pessoal. “O crime organizado hoje estabeleceu zonas de controle onde o estado não entra. É preciso acabar com isso”, completou a parlamentar fluminense. Já o deputado Chico Alencar (PSol-RJ) lembrou que “não há crime organizado sem a conivência do Estado”. Chico acrescentou que, no caso do Rio, os recursos movimentados pelas organizações criminosas, especialmente pelos milicianos, servem para financiar campanhas eleitorais.

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Do MDB para o DEM

20/02/2018

 

 

Laura Carneiro (MDB-RJ) está com os dois pés no DEM, partido ao qual já foi filiada nos tempos de PFL. Essa foi mais uma das razões que levaram o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), a escolhê-la como relatora do decreto de intervenção federal no Rio de Janeiro. Maia, também, buscou recompor-se politicamente após ter sido deixado de lado pelo presidente Michel Temer, que primeiro decidiu pela intervenção e, apenas depois, comunicou a decisão a ele e ao presidente do Senado, Eunício Oliveira (MDB-CE).

Laura poderá se beneficiar, na avaliação de alguns aliados e parlamentares fluminenses, desta decisão do presidente da Câmara. “De fato, Maia tomou um drible, mas tenta recuperar a bola e colocar uma aliada na cara do gol”. A parlamentar fluminense não é boa de voto e poderá ser beneficiada por um projeto que tem o apoio da maior parte da população do Rio de Janeiro.

A parlamentar ainda está no MDB, mas acabou afastada do cargo de vice-líder do governo após votar, por duas vezes, a favor do prosseguimento da denúncia contra o presidente Michel Temer. Por conta disso, chegou a ser suspensa das atividades partidárias como forma de punição imposta pelo comando partidário.

Não é apenas na questão da denúncia que Laura mostra distanciamento em relação ao Planalto. Ela também, por diversas vezes, se disse contra a reforma da Previdência e deve ser um dos votos contrários à privatização da Eletrobras.

Laura vem de uma família política tradicional. Ela é filha do senador Lauro Carneiro (MDB), que, entre outras medidas legislativas importantes, apresentou uma emenda constitucional permitindo o divórcio no país. Sua trajetória política a aproximou de Maia e do pai dele, César Maia. Mas ambos romperam em 2008, quando ela decidiu apoiar a eleição de Eduardo Paes para a prefeitura do Rio. Em 2014, conquistou apenas 34,5 mil votos, obtendo a vaga de suplente. (PTL)

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Maia de olho nos ganhos eleitorais

20/02/2018

 

 

De olho nas eleições, a opinião do presidente da Câmara, Rodrigo Maia, sobre a intervenção no Rio de Janeiro não é mais a mesma. Inicialmente, ele resistiu ao tema, pois achava que colocar militares nas ruas do seu colégio eleitoral traria maus resultados. Também se ressentia por não ter sido chamado para ajustar as diretrizes do tema, que depende da aprovação do Congresso. Mudou de ideia após pessoas próximas a ele alertarem sobre ganhos no cálculo eleitoral. O apoio à “guerra contra o banditismo” o coloca à frente na disputa pelo governo do Rio de Janeiro, que está sem nomes fortes para concorrer ao pleito de 2018. Seu novo comportamento também significa o resgate de uma bandeira que ele levantou no ano passado, colocando em pauta diversos temas de combate à violência.

Segundo o diretor do Instituto de Estudos Sociais (Iesp) da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), João Feres, “se os resultados da intervenção surtirem efeitos a curto prazo, todo mundo que disputa essa agenda pode ser beneficiado”. “Esse é um dos poucos casos de ‘ganha-ganha’ na política”, avalia. Para o professor, Maia terá mais visibilidade com o sucesso do decreto de Michel Temer, mas, para isso, ele precisa se envolver. “O Maia é do Rio. Então, pode acabar colhendo bons frutos com o sucesso da operação. Aliás, o presidente está em uma situação confortável: se a intervenção der certo, ele ganha apoio. Se der errado, diz que a culpa não foi dele, porque o Rio de Janeiro estava em pé de guerra. É, definitivamente, bom para todo mundo”, complementa.

Deputados do MDB, partido do presidente Michel Temer, também acreditam que Maia vai apoiar o governo, mais pelos ganhos políticos que por convicção. Nos gabinetes, o comentário é de que atrelar a imagem do presidente da Câmara a uma causa importante e de repercussão tão vasta pode impulsionar a candidatura ao governo fluminense. Provável sinal de apoio a Maia, o líder do DEM declarou-se favorável ao decreto presidencial. “Devemos chamar todos os parlamentares à responsabilidade de acabar com a insegurança que vive o Brasil, começando essa solução pelo Rio. Assim, estamos buscando caminhos para que o problema seja resolvido em todo o país”, explicou Rodrigo Garcia.