Correio braziliense, n. 19995, 20/02/2018. Brasil, p. 7

 

Especialista questiona a intervenção no Rio

Natália Lambert

20/02/2018

 

 

GUERRA URBANA » Além do estado fluminense, diz diretor de fórum de segurança pública, Ceará, Sergipe, Rio Grande do Norte e Alagoas têm taxas alarmantes de assassinatos por 100 mil habitantes

A intervenção federal na segurança pública e no sistema prisional do Rio de Janeiro ainda deixa muitas dúvidas sem resposta. E um dos questionamentos é se há a possibilidade de o governo federal ampliar a medida para outros estados. A lista de unidades da Federação sem controle da violência é grande — 10 delas apresentam índices de homicídios maiores que o do Rio de Janeiro, que registrou, em 2016, taxa de 37,6 por 100 mil habitantes, segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública.

Um deles é o Ceará, com taxa de homicídios de 39,8 casos por 100 mil habitantes. Tomada por facções criminosas que disputam o controle do tráfico de drogas em parte da região Nordeste, a unidade da Federação viveu, em 27 de janeiro, uma chacina que deixou 14 mortos em uma casa de shows. Na ocasião, o governador Camilo Santana (PT) reclamou da omissão do governo federal em relação ao crime organizado no país e admitiu não ter controle da situação. No fim de semana, a execução de Rogério Jeremias de Simone, o “Gegê do Mangue”, e Fabiano Alves de Souza, o “Paca”, as mais fortes lideranças soltas do Primeiro Comando da Capital (PCC) na região, motivou o envio de ajuda por parte da União.

Na manhã de ontem, representantes do Ministério da Justiça e da Secretaria Estadual de Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS) se reuniram em Fortaleza para definir como a força-tarefa formada por 26 policiais federais e 10 agentes da Força Nacional de Segurança Pública, enviada na noite de domingo, pode contribuir. “A força-tarefa não vem aqui substituir, mas acrescentar, principalmente, facilitando o fluxo de informações, já que há a ação interestadual e até internacional desses grupos”, afirmou o secretário de segurança pública do Ceará, André Costa, durante o encontro.

Além do Ceará, há outros candidatos a uma intervenção na segurança pública, como Sergipe, Rio Grande do Norte e Alagoas, que têm as três maiores taxas de assassinatos por 100 mil habitantes do país. Para o diretor-presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Renato Sérgio de Lima, ainda faltam muitas explicações. É uma questão fundamental saber o porquê de o Rio ter sido o escolhido. “A aposta de federalizar a segurança traz riscos enormes. Se a situação é tão grave assim, ele (Temer) precisa mostrar e justificar publicamente isso e explicar por que não fez o mesmo no Rio Grande do Norte e em outros estados”, defende.

Entretanto, no Palácio do Planalto, a ideia, por enquanto, é manter a situação excepcional somente no Rio de Janeiro e ajudar outros estados com o envio de homens da Força Nacional, vinculada à Secretaria Nacional de Segurança Pública, e com militares das Forças Armadas em operações pontuais de Garantia da Lei e da Ordem (GLO), previstas no artigo 142 da Constituição Federal. “O que vier de pedido de ajuda vamos assistir e responder à extensão da nossa capacidade operacional e do nosso limite de orçamento. O crime é nacional. Nenhum estado pode combatê-lo sozinho. É preciso apoio nacional, inteligência de informação e conexão entre todos os envolvidos”, afirmou o ministro da Justiça, Torquato Jardim.

Atualmente, além do Rio, Roraima conta com o apoio de tropas federais em uma operação de GLO para ajudar na crise de imigração — 100 homens foram deslocados para auxiliar no controle da fronteira com a Venezuela. A Força Nacional também está desenvolvendo 15 operações, com cerca de 2,1 mil homens, em 10 estados (RR, AM, PA, RN, SE, MT, MS, RJ, PR e RS). As duas ações são diferentes da intervenção federal. Elas servem somente como apoio às forças de segurança pública estaduais.

Preocupação

Além dos próprios índices de violência, estados que fazem fronteira com o Rio de Janeiro temem que criminosos fujam via terrestre. Diante do receio, secretários de segurança pública de São Paulo, Espírito Santo e Minas Gerais se reunirão com o ministro Torquato Jardim, na próxima quinta-feira, para definir estratégias de prevenção. Já de olho nas divisas do Rio, as Forças Armadas, as polícias Civil, Militar, Federal e Rodoviária Federal e a Força Nacional fizeram uma operação conjunta, na noite de ontem, para a apreensão de armas, munições, drogas e cargas roubadas.

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Inconveniente vitória de Pirro

Raul Velloso

20/02/2018

 

 

Diante da inédita intervenção, de efeitos duvidosos e contraditórios, na área de segurança do estado do Rio de Janeiro, ente regional acometido pela pior crise financeira da área pública, a ordem correta para entender a interligação entre os principais fatores em jogo é a seguinte: 1) deficit da Previdência; 2) recessão feroz; 3) reação inadequada da área federal; 4) quebradeira estadual; 5) crise na prestação de serviços, notadamente em segurança pública; 6) saída da crise econômica ou vitória de Pirro na segurança.

O deficit previdenciário é fator fundamental explicativo da crise atual. Por isso, e pela recessão que é a maior de nossa história, os estados quebraram. No Rio, há o agravante da desabada do preço externo do petróleo, que quase zerou a receita de royalties, e deprimiu fortemente a principal base de incidência setorial da arrecadação de tributos. A falta de uma solução rápida e adequada sob a égide da União, único ente em condições de desempenhar tal papel, criou um ambiente propício à deterioração dos serviços públicos, notadamente em segurança pública, que é talvez a área mais importante em que os estados atuam. (No caso de saúde e educação, atuam também a União e os municípios).

Com efeito, na raiz da gigantesca crise fiscal em que vive o país está o alto e fortemente crescente deficit da Previdência, seja na Previdência geral — leia-se, INSS —, seja nos regimes próprios dos servidores públicos. Aos poucos, os orçamentos públicos foram sendo dominados por esse item. E, o que é pior para os governadores, os segmentos que costumo chamar de “os donos do orçamento” (Legislativo, Judiciário, Ministério Público, Tribunais de Contas, Defensorias Públicas, Educação e Saúde)  sempre conseguem aprovar alguma medida que reduza sua responsabilidade na cobertura desse deficit. Ao final, a conta maior fica com o orçamento residual administrado pelos próprios titulares dos entes respectivos, onde se situa a área de segurança. Poucos sabem, mas a situação da Previdência tende a piorar ainda mais, porque a população brasileira está envelhecendo rapidamente.

Um segundo ponto é que os mandatos dos atuais governadores coincidiram exatamente com o auge da recessão feroz que assolou o país. Como os mandatos, ela se iniciou em 2015, e, se tudo correr bem, deve acabar até o fim deste ano. Vê-se o ano de 2019 como o da esperança de muitos melhores dias. Só que, se não debelarmos a crise fiscal, será muito difícil nos livrarmos da recessão. E os governadores que não conseguirem pagar todos os atrasados até o final de 2018, estarão sujeitos a pesadas punições.

Há mazelas aos montões herdadas de muitos anos de descalabro administrativo e financeiro na gestão da segurança pública estadual, mas se sabe que os recursos para atividades como a de segurança escassearam fortemente, há atrasos de pagamentos em todos os cantos, inclusive no tocante a pessoal, ficando difícil ver uma atividade como essa funcionando minimamente, quando a seus servidores é negado o direito de receber salários em dia.

Como tem dito o governador do Rio, diante de sua dimensão e características, a crise da segurança não é privativa de seu estado. Há vários colegas na fila para receber auxílio militar e financeiro, inclusive para evitar um mal maior em áreas igualmente críticas. Ou seja, o problema é bem mais amplo do que se pensa. Destaco o caso de Minas Gerais, que, junto com outros, herdou terra arrasada das gestões anteriores, e luta para se reerguer no pantanal.

Depois de o governo insistir muito tempo numa reforma geral de regras da Previdência, afetando igualmente mais pobres e menos pobres, e, portanto, de viabilidade política muito baixa, começou a surgir espaço para aprovar, conjuntamente com uma reforma de regras, a criação de fundos de pensão para equacionar os passivos atuariais dos regimes dos servidores, nas linhas da proposta que venho defendendo há mais de um ano e que podem produzir, como subproduto, o equacionamento da crise financeira estadual de curto prazo. Essa oportunidade se abriria pelo fato de que vários governadores afetados pertencem a partidos de oposição, que agora se juntariam aos esforços pró-reforma. Esse encaminhamento está de acordo com os artigos 40 e 249 da Constituição, cujas determinações, incompreensivelmente, os entes públicos vêm resistindo a obedecer até hoje.

Já a contradição que se detecta no coração da intervenção militar decretada para o estado do Rio de Janeiro está em que, por mais altas que fossem as chances de ela ter efeitos palpáveis sobre o problema específico da segurança estadual até o final do ano, em princípio ela colocou por terra as possibilidades de adotar uma solução como a que me referi nos parágrafos anteriores para equacionar o problema fiscal e recolocar o país nos trilhos. Como se sabe, com intervenção não há votação de emendas constitucionais. Nesse sentido, se não for possível suspender os efeitos do decreto enquanto se votam as medidas adequadas no Congresso Nacional, algum sucesso específico da Operação Rio representará uma senhora vitória de Pirro.