O Estado de São Paulo, n. 45361, 27/12/2017. Política, p. A6.

 

A 'pepekização' de Temer

Vera Magalhães 

27/12/2017

 

 

Entidades de classe do Ministério Público estudam ingressar com uma ação direta de inconstitucionalidade para questionar o decreto de indulto natalino assinado pelo presidente Michel Temer. Há ainda pressão para que a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, impetre a Adin, como forma de marcar institucionalmente o repúdio ao decreto de Temer, mas ela não está convencida de protagonizar esse embate.

A tese que embasaria a Adin é a de que indultar 80% da pena, como faz o decreto, fere o princípio da proibição da proteção deficiente – uma das facetas do princípio geral da proporcionalidade, segundo o qual a ação do Estado não pode ser nem excessiva nem deficiente na hora de fixar uma punição.

Além disso, sustentam procuradores que discutem a Adin, haveria desvio de finalidade no decreto, uma vez que seus termos podem beneficiar no futuro o próprio Temer e, mais imediatamente, aliados seus envolvidos em investigações.

O presidente da ANPR (Associação Nacional dos Procuradores da República), José Robalinho Cavalcanti, diz que a entidade está analisando o decreto, mas afirma que Temer “extrapolou em muito os limites do que a Constituição lhe permite”. Para ele, o indulto fere, ainda, os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, avançando inclusive sobre prerrogativa do Congresso de fixar a pena.

Os próprios procuradores, no entanto, admitem que o sucesso da empreitada no Supremo Tribunal Federal é incerto.

Avaliam que seria mais fácil questionar o decreto, com chance de êxito, se houvesse um beneficiário claro e inequívoco da benevolência do chefe do Executivo, como foi o caso do indulto concedido pelo presidente do Peru, Pedro Pablo Kuczynski, ao seu adversário Alberto Fujimori para escapar do impeachment. Ali o desvio de finalidade seria expresso.

A associação política entre o ato de Temer e o de PPK, no entanto, é considerada inevitável por aliados e assessores do peemedebista, que acham que o decreto na undécima hora de 2017 deve prejudicar a ainda incipiente recuperação da imagem do presidente e o discurso dos feitos positivos do governo (...)