O Estado de São Paulo, n. 45347, 13/12/2017. Política, p. A6.

 

CPI da JBS propõe notificar delatado

Renan Truffi / Beatriz Bulla / Fabio Serapião

13/12/2017

 

 

Proposta quer mudar a lei que regula colaboração premiada estabelecendo que citados sejam informados antes da homologação dos acordos

 

 

Relatório da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPI Mista) da JBS apresentado ontem prevê o pedido de indiciamento da cúpula da Procuradoria-Geral da República (PGR), sob a gestão de Rodrigo Janot, e uma mudança na lei que trata de acordos de colaboração premiada. A proposta é que citados em colaboração sejam notificados quando o acordo for fechado, antes mesmo da homologação pelo Judiciário.

O indiciamento foi um pedido feito pelo relator da CPMI, deputado Carlos Marun (PMDB-MS), um dos mais ferrenhos defensores do presidente Michel Temer no Congresso e futuro ministro da Secretaria de Governo. Já proposta legislativa “para regulamentação da delação premiada” consta no relatório parcial elaborado pelo deputado Wadih Damous (PTRJ), que deve ser anexado ao relatório final de Marun.

Depois de protestos, um pedido de vista coletivo articulado por deputados do Solidariedade, PSB, PDT e PSDB interrompeu as discussões do relatório final. As divergências em torno do pedido de indiciamento provocaram bate-boca e troca de críticas no colegiado. O parecer pode ser votado hoje, mas parlamentares contrários ao texto de Marun querem apresentar uma versão alternativa.

No artigo 6.º da proposta de regulamentação da lei de delação, Damous sugere que: “Concluídas as negociações sobre o acordo de delação premiada, o Ministério Público cientificará as pessoas delatadas, que terão o prazo de 15 dias para impugnar o acordo e juntar documentos comprobatórios”. No artigo seguinte, o projeto estipula que depois dos 15 dias, o MP encaminhará a delação, junto com as impugnações, ao juiz para homologação. “Quanto mais tempo o investigado tiver para produzir elementos comprobatórios melhor”, disse Damous à reportagem.

A homologação do juiz é considerada crucial para que o acordo de delação possa ser usado em medidas de investigação – como pedidos de quebra de sigilo bancário e telefônico, buscas e apreensões ou prisões preventivas. A delação costuma ser mantida em sigilo para evitar a retaliação ao delator e a destruição de provas.

A proposta incluída no relatório é considerada temerária por procuradores, que veem nisso uma tentativa de inviabilizar os acordos. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF) não aceita a impugnação de acordos de delação pelos delatados. O projeto também estipula que só poderão firmar acordos de delação os investigados que estiverem em liberdade – presos, portanto, não poderiam lançar mão do instituto como instrumento de defesa.

 

Anulação. Outro ponto controverso no relatório é sobre o que fazer quando um acordo de delação é rescindido. Hoje, nesses casos, as provas e informações trazidas pelo colaborador ainda podem ser utilizadas em processos judiciais. A CPI Mista defende que “serão nulas todas as provas obtidas através do acordo de delação premiada rescindido”. Nesse cenário, todas as informações prestadas e entregues pelo empresário Joesley Batista e pelo lobista Ricardo Saud, da JBS, inclusive as que apontam para crimes cometidos pelo presidente Michel Temer e seu grupo político, teriam que ser anuladas.

No pedido de indiciamento da ex-cúpula da PGR, Marun atribuiu três crimes ao ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot e seu ex-chefe de gabinete o procurador Eduardo Pelella: abuso de autoridade, prevaricação e incitação “à subversão da ordem política ou social”, este último previsto na Lei de Segurança Nacional.

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Raquel diz que trata vazamentos com 'seriedade'

13/12/2017

 

 

Procuradora-geral da República afirma que já interrompeu até uma negociação por suspeita de irregularidades

 

 

A procuradora-geral da República, Raquel Dodge, afirmou ontem que tem encaminhado à Polícia Federal todos os casos de vazamento de informações constantes em delação premiada sobre os quais teve conhecimento. Desde que assumiu o cargo, há pouco menos de três meses, ela já encaminhou cinco casos à Polícia Federal, conforme revelou o jornal O Globo.

Questionada ontem sobre o assunto, Raquel disse que tem tratado os vazamentos com “a seriedade que a lei exige”. Ela afirmou que em um dos casos chegou a determinar a interrupção das negociações de delação após vazamento de informação.

“Tenho trabalhado a questão da delação premiada, como dos acordos de leniência, nos limites que a lei 12.850, no tocante ao instrumento da colaboração premiada, regula”, disse. A lei a que a procuradora-geral se refere trata de medidas de investigação de organizações criminosas e estabelece que o acordo de delação deixa de ser sigiloso apenas após o recebimento da denúncia com base nas informações prestadas pelos delatores.

 

Exceções. Raquel considera que exceções a essa regra devem ser guardadas apenas a “situações muito excepcionais, que deverão ser analisadas pelo Ministério Público e pelo Judiciário na forma do devido processo legal”. “Comunicações, notícias de vazamento, eu tenho levado com a seriedade necessária que a lei exige e, para todos os casos que chegaram ao meu conhecimento, já determinei e requisitei a instauração da investigação adequada pela Polícia Federal”, disse a procuradora-geral. Desde que assumiu o cargo mais alto do Ministério Público Federal, em setembro, Raquel não celebrou acordos de delação premiada mas deu andamento a tratativas em casos que já estavam em andamento. A equipe da procuradora-geral recebeu a determinação de manter as negociações em absoluto sigilo, para preservar provas e evitar nulidades durante todo o processo. A PGR não confirma quais casos foram encaminhados para a PF realizar investigações em decorrência de vazamentos.

A suspensão de uma tratativa para delação por causa de vazamento já ocorreu na gestão do antecessor de Raquel, Rodrigo Janot. Em 2016, o ex-procurador-geral determinou a suspensão das tratativas com executivos da construtora OAS depois que a revista Veja revelou o que seria um dos objetos de negociação da empresa com o MP. Depois de um período com as negociações na geladeira, os executivos da empreiteira voltaram a falar com a PGR e parte dos delatores da OAS conseguiu, ao final do mandato de Janot, celebrar acordos de colaboração.