Correio braziliense, n. 19997, 22/02/2018. Política, p. 4

 

Exército tem de entrar sem medo no Rio

Osmar Terra 

22/02/2018

 

 

Entrevista - Osmar Terra 

O ministro do Desenvolvimento Social, Osmar Terra, defendeu salvaguardas para o Exército nas operações militares durante o período de intervenção federal no Rio de Janeiro. Integrante da força-tarefa que atua no estado, Terra disse em entrevista ao programa CB Poder, uma parceria entre a TV Brasília e o Correio Braziliense, que o Rio de Janeiro vive um momento epidêmico com violência generalizada, e, em uma situação dramática como esta, é preciso ter força para trazer soluções. “O Exército precisa entrar sem medo de tomar uma atitude mais firme e, depois, acabar punido por isso”, afirmou ele, que, assim como os generais e o ministro da Defesa, Torquato Jardim, concorda com mudanças na legislação que protejam os militares de processos no futuro.

Segundo o ministro, a situação de intervenção no Rio de Janeiro é necessária porque o Estado perdeu autoridade pública. “Precisava vir alguém de fora para organizar isso e depois devolver, porque isso vai ser devolvido para a polícia, para o Rio de Janeiro”, disse. De acordo com Terra, a população carioca é refém do crime organizado há anos, principalmente os jovens que moram nas áreas de risco. Tal situação fecha as portas para uma boa qualidade de vida e desenvolvimento desses jovens em sociedade, e os condena a conhecerem um mundo envolto em tráfico, violência e crime organizado. “São cerca de 50 mil jovens que vivem nessas áreas de maior risco no Rio. E os meninos têm medo de sair da favela porque a favela do lado é de outra facção e eles são atacados”, destacou. Médico de formação, Terra acredita que é preciso acabar com a epidemia das drogas. Confira a íntegra da entrevista com o ministro:

 

O Brasil tem uma política sobre drogas efetiva?

Nem de drogas nem de segurança pública. O Brasil está à deriva, e isso com a explosão da epidemia só piorou. A situação do Rio, que está acontecendo no Brasil todo, aqui no Distrito Federal também, a quantidade de gente multiplicando nas ruas usando drogas.

 

Enquanto isso o usuário é tratado como criminoso...

O que acontece é que a punição dele não é a prisão, ele tem penas alternativas. A punição com prisão é para o traficante. Se caracteriza como traficante, é preso. Agora o fato de se não tiver nenhum tipo de pena para o usuário, para ele vai ser muito tranquilo: botar a droga no bolso, ir para a escola, distribuir para os amigos, fumar junto, usar droga junto e tal.

 

Nesse caso ministro, que punição o senhor defende?

Eu sou autor da lei, da nova lei que já foi votada na Câmara e está no Senado. Eu não mexo na lei atual. A lei atual prevê punição com penas alternativas ou até com o próprio tratamento obrigatório, compulsório. Eu acho correto, acho adequado. O usuário, em geral, ele é doente.

 

Internar a pessoa mesmo sem ela querer?

Se ele estiver muito alterada, sim. Se ele representar um risco para a família, para o ambiente em que ele vive, sim. A pessoa com um transtorno mental da droga, a confusão mental que a droga causa é um fator de violência importante. Muita agressão em casa, violência doméstica, é causada basicamente por drogas lícitas e ilícitas. Mais pelo álcool, porque o álcool é legal, todo mundo tem fácil acesso e então usa mais.

 

Essas penas significariam prisão? Não aumenta a população carcerária?

Estamos há muito tempo sem uma política pública de segurança e sobre drogas, só tem discurso. Na prática não funciona nada. O sistema prisional brasileiro é uma prova disso: construiu poucos presídios e se administram mal esses presídios. Então parece que tem uma superpopulação porque, realmente, você pega em uma cidade bota uma escola e a cidade precisaria de 10 escolas, aquela escola vai ficar superlotada.

 

O senhor acha que tem pouco presídio?

Tem pouco presídio. O Brasil tem pouco presídio em relação à proporção com a população.

 

Mas a população carcerária não é alta? Está dentro dos padrões?

É a isso que eu quero chegar, a população carcerária no Brasil é proporcional à população que o Brasil tem no mundo. O Brasil é o quarto ou quinto país com maior população e tem a quarta ou quinta população carcerária. Mas proporcionalmente à população, ela é pequena. Estamos em 36º lugar. Em epidemias, aumenta o número… A Suécia, quando ela sofreu a epidemia da metanfetamina, na década de 60, ela superlotou os presídios. A droga funciona como uma epidemia, da gripe, do vírus: quanto mais vírus tem no ambiente, mais gente gripada tem, mais gente doente. Quanto mais oferta de droga na rua, mais gente dependente química, mais gente com transtorno mental vai ter. Então se você consegue tirar o traficante da rua em uma escala maior e ficar mais tempo fora da rua, no caso de uma lei mais rígida em relação à questão das drogas, você consegue fazer com que diminua a epidemia e acabe.

 

Como o senhor imagina que vai funcionar a intervenção no Rio?

A nossa força-tarefa foi montada com o objetivo de ter uma área social acompanhando a área de segurança. Eu estou coordenando essa área social no sentido de ver, nas áreas de risco do Rio, o que que é mais necessário: o atendimento à saúde, as escolas ficarem abertas durante fim de semana... Ter atividades culturais... Temos que ocupar os jovens no contraturno da escola. Os jovens não podem ficar lá ou pelo menos uma parte do dia eles têm que estar em uma instalação em que eles estejam protegidos, onde possam praticar esportes, possam ter cursos de formação. Nós estamos acertando com a rede hoteleira do Rio de Janeiro: 10% dos empregos que eles têm, a rede hoteleira é toda a rede, o sistema de turismo do Rio, oferecer 10% dos empregos para os jovens do Bolsa Família, das regiões do complexo do Alemão, do complexo da Maré, onde o risco é maior. Então estamos juntando essas coisas. A prática que aconteceu, o que estava acontecendo no Rio, mostrava a necessidade de um reforço de fora, alguém que não tivesse envolvido… Então precisava vir alguém de fora para organizar isso e depois devolver, porque isso vai ser devolvido para a polícia, para o Rio de Janeiro. Agora, é uma situação dramática e precisa ter força para fazer isso. O Exército precisa entrar sem medo de tomar uma atitude mais firme e ser punido.

 

O senhor está defendendo mudanças na legislação para dar mais salvaguardas ao Exército?

Exatamente. A lei é muito ruim, para enfrentar a questão do crime violento, é uma das mais frouxas do mundo.

 

A população não vai ficar refém?

A população está refém. Ela já está refém há muito tempo. Temos que libertar a população do Rio da mão do crime organizado.

 

Vai ter morte?

É possível. Eu acho que o que não pode é, na tentativa de fazer, de botar ordem de novo na cidade, de proteger as pessoas, o direito de ir e vir das pessoas, de garantir o mínimo de qualidade de vida, é a força de intervenção lá, a força federal que vai ser punida por isso. Então tem que ter garantia de que eles vão poder executar. Está todo mundo esperando que tenha resultado. E para ter resultado, em um momento crítico, tem que jogar duro.

 

O que o senhor acha da afirmação de que os grandes traficantes do Rio não estão nas favelas, mas nos bairros ricos do Rio?

Não é só tráfico, é sistema financeiro que recebe o dinheiro da droga. Isso tinha na Colômbia. Tem em tudo lugar. Mas essa contribuição aí é pequena para resolver o problema. E aí? Nós temos é que evitar que a droga chegue ao jovem, temos que diminuir a possibilidade de o menino com 15, 16 anos no Brasil ficar dependente químico. É isso que nós temos que fazer. E aí que começa o problema: uma oferta de drogas em escala gigantesca. O resto, o crime organizado tem que ser combatido no sistema financeiro também. O fato é que o Brasil tem leis frouxas, não tem uma política organizada.

 

O general Eduardo Villa Bôas disse que os militares não podem correr o risco de uma nova Comissão da Verdade. O que o senhor acha dessa frase?

Eu acho que são duas realidades diferentes. Uma coisa é a questão política, o crime político, considerado político, ideológico. Outra coisa é uma questão de violência pessoal contra as pessoas no dia a dia, as pessoas são vítimas de violência. O que está que se tentando evitar é que as pessoas sejam vítimas de violência… Eu acho que ele tem razão no sentido de que a proteção tem que ser o julgamento pela Justiça Militar.

 

Mas isso já está garantido.

Sim, mas se ele tiver um confronto, do outro lado o crime organizado com metralhadora, com fuzil e tal, ele não pode ficar esperando o sujeito atirar nele para ele responder. Ele tem que entrar atirando. Eu acho que isso são coisas mínimas para garantir inclusive a segurança de quem vai executar a política. Não há como punir uma pessoa, uma pessoa que está tentando garantir a ordem, proteger a população, porque ela atirou primeiro.