Correio braziliense, n. 19993, 18/02/2018. Política, p. 2

 

Temer abraça a área de segurança

Bernardo Bittar

18/02/2018

 

 

GUERRA URBANA » Um dia depois de nomear um interventor para combater a violência no Rio, presidente confirma ministério contra o crime organizado. Um segundo general é o mais cotado na Esplanada

Antes mesmo de detalhar as medidas práticas do que será a intervenção federal no Rio de Janeiro, o presidente Michel Temer aproveitou para anunciar a criação do Ministério Extraordinário da Segurança Pública. A pasta vai coordenar, de maneira provisória, todos os temas envolvendo combate à violência no país. Temer disse que a intervenção se dará de forma “cooperativa”, e que o objetivo é proteger “os mais vulneráveis” e evitar que a escalada da violência se alastre pelo Brasil. O presidente afirmou que o ministério será criado porque “é intolerável continuar a situação que está no Rio, porque ela cria também problemas para outros estados”.E completou: “Quando as coisas desandam aqui (no Rio de Janeiro), a tendência é desandar em outros estados. Nós não queremos isso”.

Ainda não há um nome definido para ocupar a nova pasta. O nome mais cotado é o do general da reserva Carlos Alberto dos Santos Cruz, que hoje ocupa a Secretária Nacional de Segurança (leia reportagem ao lado). Ainda são lembrados os ministros da Defesa, Raul Jungmann, e o da Justiça, Torquato Jardim. Como a intervenção não agrada a cúpula militar, deixar Jungmann na Defesa é uma forma de manter a situação pacificada com a caserna. O ministro não tem interesse na vaga, até porque, como é suplente de deputado federal, tem a barreira das eleições. Se aceitar o convite, não poderá disputar o pleito. Além do mais, há o risco de se abrir uma lacuna no governo, pois seria complicado encontrar um substituto a poucos meses das eleições.

Fora do Executivo, são cotados o ex-secretário de Segurança do Rio de Janeiro José Mariano Beltrame e o ex-governador de São Paulo Luiz Antonio Fleury Filho — chefe do estado durante o massacre do Carandiru, em 1992, que já teria recusado o convite. “Ainda não dá para afunilar essa história, pois o ministério nem foi criado. Esses dois nomes são, claro, boas opções. Têm conhecimento na área e podem ajudar nessa transição. Estamos em um momento importante, porque o presidente Temer declarou guerra ao banditismo. Estamos fazendo ações de alta guerra”, declarou o ministro da Secretaria de Governo, Carlos Marun. A manobra, no entanto, vai precisar de injeções de dinheiro público, o que culminou em uma enxurrada de críticas na internet. Sobre o assunto, Marun responde que “nem tudo pode ser medido em mais ou menos dinheiro que se gasta em busca do objetivo que se quer”.

As críticas orçamentárias para custear o Ministério da Segurança Pública pipocam antes mesmo de a verba ser definida pelo governo. O orçamento da União aponta que, em 2018, o Ministério da Justiça deveria receber repasses de quase R$ 16 bilhões. Mas, com a migração de órgãos, seus recursos devem ser reduzidos significativamente. A Polícia Federal fica com a maior parcela, cerca de R$ 7,2 bilhões. A Polícia Rodoviária Federal (PRF) é a segunda, com R$ 4,6 bilhões. Juntas, as corporações concentram quase 75% dos recursos do Ministério da Justiça. Agora, que todas vão ser controladas pelo Ministério da Segurança, ao MJ deverá ter um aporte diferente. Despesas com a máquina administrativa da pasta, que consomem R$ 763 milhões, devem crescer com a divisão dos ministérios.

Para o especialista em contas públicas e secretário-geral da ONG Contas Abertas, Gil Castelo Branco, o gasto global acaba aumentando. “Você precisa dividir estruturalmente os ministério, nessa questão de salário, assessores, carros. Pode até não ser exorbitante, mas cresce. Se aumentar demais, o dinheiro terá que ser tirado de outro lugar, pois a PEC do Teto impede que se gaste mais do que foi previsto. Se criar ministério fosse uma solução, o Brasil não teria problema nenhum. Sempre foi uma especialidade nacional criar pastas. Especialmente em épocas de crise.”

Enquanto ainda se discute como vai funcionar a alardeada decisão do governo, moradores de cidades vizinhas ao Rio de Janeiro começam a pressionar o estado para evitar que os bandidos fujam da capital rumo ao interior. O assunto, bem como toda a operação anunciada pelo presidente, ainda não tem resposta.

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Criação por medida provisória

18/02/2018

 

 

O presidente Michel Temer decidiu criar a pasta da Segurança Pública por meio de medida provisória. A decisão foi comunicada ontem na reunião que ocorreu no Rio de Janeiro, com a cúpula do governo e das Forças Armadas. A nova pasta esvazia o Ministério da Justiça, pois terá controle até sobre a Polícia Federal (PF). A MP precisa ser votada no Congresso, que tem poder para vetar a criação da pasta. Caso o projeto seja aprovado pelos parlamentares, entrará em vigor imediatamente. A nova pasta não é unanimidade no Legislativo. Ainda assim, o Planalto confia na força do governo com os líderes para endossar a decisão do presidente.

A outra opção de Michel Temer, caso a MP fracasse, é propor a criação do ministério por projeto de lei. O caminho para esta aprovação, no entanto, é mais longo. Por isso, o plano B será considerado apenas em uma situação extrema. A ideia de fazer rearranjos ministeriais por meio de medida provisória ocorreu pela primeira vez durante a segunda gestão do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Em 1998, o tucano fez alterações no Ministério da Agricultura e da Reforma Agrária. Depois, praticamente toda a estrutura do último governo de FHC foi definida por meio de MPs.

O líder do PSol na Câmara, deputado Ivan Valente, criticou a intervenção no Rio, alegando tratar-se de “uma grande chantagem com uma tentativa de tirar do colo o problema de não ter votos para a reforma da Previdência”. De acordo com ele, uma MP não é uma medida constitucional. “Precisa de maioria simples, ou seja, menos votos. O problema é o desgaste. O governo está criando factoides para desviar os olhares dos projetos que não conseguiu levar adiante. Ninguém faz uma intervenção em um estado sem um plano, como foi noticiado em todos os lugares. Nem o interventor sabia do que essa história se tratava. A MP tem como passar, mas tem sabor de derrota.”

O vice-líder do governo, Beto Mansur (PRB-SP), lembrou que “o ministério ainda não foi para a pauta porque a MP não está editada”. Para ele, o governo terá apoio, pois “o apelo sobre os problemas do Rio é gravíssimo. E as pessoas querem que isso seja resolvido logo”.

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Enredo esgotado

Luiz Carlos Azedo

18/02/2018

 

 

A decisão de intervir no Rio e criar um Ministério Extraordinário da Segurança foi tomada pelo presidente Michel Temer depois dos desfiles de escola de samba da Marquês de Sapucaí, nos quais ele próprio foi demonizado num carro alegórico da Paraíso da Tuiuti e a agenda da violência se impôs, a partir do enredo da Beija-Flor. Temer foi convencido pelo secretário-geral da Presidência, Moreira Franco, de que o tema da Previdência estava perdido e a bandeira da ordem corria o risco de sair das mãos do governo.

Antes mesmo do carnaval, o ministro da Defesa, Raul Jungmann, havia relatado ao presidente da República que o recurso às operações da Garantia da Lei e da Ordem (GLO) no Rio havia se esgotado em razão do colapso do sistema de segurança. Na Quarta-feira de Cinzas, as repercussões, inclusive internacionais, das cenas de violência no carnaval carioca foram a gota d´água para a intervenção, mas ainda foi preciso convencer o governador Luiz Fernando Pezão a apoiar a medida. E administrar as resistências do presidente da Câmara, deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ), que se opunha à intervenção.

A criação do ministério foi anunciada por Temer ontem, no Rio, antes mesmo da escolha de seu titular. Ex-secretário de Segurança Pública de São Paulo por duas vezes, Temer assumiu o comando da secretaria cinco dias após o massacre do Carandiru e conhece bem a área. O ex-governador paulista Luís Antônio Fleury Filho chegou a ser cogitado para a pasta, mas teria recusado o convite.

Outro nome sugerido foi o delegado da Polícia Federal José Mariano Beltrame, mas pesaram as ponderações de Moreira Franco sobre o fracasso das unidades de pacificação. No final do dia, o mais cotado para a pasta era o general da reserva Carlos Alberto dos Santos Cruz, atual secretário nacional de Segurança Pública, em razão de sua atuação como comandante das forças da ONU no Haiti e no Congo e na elaboração da Política Nacional de Segurança Pública, recentemente anunciada.