Correio braziliense, n. 19993, 18/02/2018. Política, p. 4

 

Falta de recursos é o primeiro impasse

Hamilton Ferrari

18/02/2018

 

 

GUERRA URBANA » Rodrigo Maia cobra verba do governo federal para reequipar as forças policiais do Rio. E promete criar comissão para fiscalizar a intervenção

No primeiro dia efetivo da intervenção no Rio de Janeiro, o presidente da Câmara, deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ), cobrou do governo federal estrutura orçamentária para manter a segurança pública no estado e prometeu criar, no Congresso Nacional, uma comissão que terá o papel de fiscalizar a operação das Forças Armadas no Rio. O deputado carioca se reuniu ontem com o presidente Michel Temer e o governador do estado, Luiz Fernando Pezão, no Palácio da Guanabara, sede do governo regional, para tratar sobre os detalhes da medida anunciada na última sexta.

Maia discutiu com o presidente sobre as condições orçamentária do Rio, que, na visão dele, não tem condições técnica, tecnológica e de equipamentos para que a polícia possa atuar. Apesar de nenhum valor ter sido comentado com a imprensa, o presidente da Câmara declarou que o governo federal poderá injetar verba, por exemplo, para a manutenção das viaturas das polícias — 70% delas estão com problemas. “Esse tipo de estrutura o governo vai ter que suprir. (Quando) o orçamento do estado não tiver mais condições de cobrir, vai ter que ser resolvida com o orçamento da União”, disse. “A intervenção trata de todas as áreas, inclusive da parte orçamentária”, completou.

Tropa nas ruas

Ontem, o policiamento das ruas da capital foi intensificado, inclusive com a presença de efetivos militares, mas, segundo o Exército, o aumento do patrulhamento não tinha relação com  a intervenção, mas por causa da visita de Temer ao Rio. Mesmo assim foram registrados assaltos, roubos de carga e explosão de caixa eletroônico na Zona Norte.

Maia também fez questão de destacar que o desespero da população carioca o levou a apoiar a operação, mas ressalvou que será necessário acompanhamento constante. “Ninguém vai resolver o problema de segurança do Rio da noite para o dia”, ponderou. “A médio e a longo prazos, esperamos que comece um processo para 2019, com a reestruturação da capacidade de trabalho das nossas polícias.”

Apesar de apoiar a operação das Forças Armadas, Maia não vê com bons olhos a intervenção de última hora no Rio, sem planejamento para reverter o quadro de violência. O deputado Pedro Paulo (MDB-RJ) enviou ao presidente da Câmara requerimento para a criação de comissão para fiscalizar a intervenção. Ao Correio, o parlamentar destacou que a medida foi tomada às pressas e sem formulação prévia do que será feito. “Enviei um requerimento para a criação da comissão, que vamos tentar detalhar na segunda-feira, depois da votação da intervenção.”

No Rio, Maia adiantou que será uma espécie de “observatório” que busca um trabalho mais eficaz na segurança pública. “A decisão (de intervenção) foi do governo federal, e nosso papel é fiscalizar. É a primeira situação desse tipo que acontece após a Constituinte. Nosso trabalho é para fiscalizar uma situação que é extraordinária. Vamos fiscalizar sempre em conjunto, no diálogo, dizendo onde está caminhando bem e onde está caminhando mal”, disse .

O chefe da comunicação do Comando Militar do Leste (CML), coronel Carlos Cinelli, avaliou que a presença de militares do Exército nas ruas do Rio de Janeiro poderá gerar um incômodo natural e, por isso, será necessária a compreensão da população. “Algum desconforto vai existir. Uma revista, por exemplo, poderá gerar algum transtorno a moradores, o que, eventualmente, já ocorria antes”, afirmou. De acordo com ele, a presença de agentes no estado será mais notada depois da aprovação da intervenção no Congresso.

A expectativa é de que a votação do decreto da intervenção seja feita na Câmara e no Senado até terça-feira. É necessária maioria simples para a aprovação nas duas casas. Maia informou que a relatora da matéria que autoriza a intervenção federal na Câmara será a deputada Laura Carneiro (MDB-RJ).

Crivella

Depois de passar uma semana fora do país, num  momento de turbulência na cidade, o prefeito do Rio de Janeiro, Marcelo Crivella, volto ontem e participou da cerimônia de apresentação do interventor federal na área de segurança do estado, Walter Souza Braga Netto. Durante o carnaval, Crivella publicou nas redes sociais um vídeo para informar que viajaria à Europa com a finalidade de buscar “uma coisa” que o Rio estava precisando. No período, além da onda de assaltos, a cidade passou por um temporal que resultou em quatro mortes. No exterior, o prefeito disse que estava acompanhando a situação e atento para qualquer emergência.

O Ministério Público do Rio de Janeiro (MPRJ) informou, em comunicado à imprensa, que vai investigar se a viagem de Crivella teve fins de interesse público, já que foram gastos recursos da prefeitura da capital. “O MPRJ determinou que seja esclarecido pelo prefeito o custo de cada viagem internacional realizada, com encaminhamento de planilha das passagens aéreas e diárias”, informou o comunicado.

O MPRJ também solicitou à Câmara Municipal do Rio cópias de relatórios sobre os resultados das últimas viagens internacionais do prefeito. “A lei determina ao chefe do Executivo que adote essa providência até 15 dias após o seu retorno de cada viagem. Todos os ofícios foram encaminhados nesta sexta,16”, informou a assessoria.

Por meio da assessoria de imprensa, Crivella informou que viajou com um grupo de autoridades de segurança pública. A comitiva  visitou Alemanha, Áustria e Suécia, em “busca de soluções tecnológicas para a violência da cidade, segundo o prefeito.

Frase

"Esse tipo de estrutura o governo vai ter que suprir. (Quando) o orçamento do Estado não tiver mais condições de cobrir, vai ter que ser resolvida com o orçamento da União”

Rodrigo Maia, presidente da Câmara dos Deputados

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Relatora questiona decreto

18/02/2018

 

 

Escolhida para ser a relatora do decreto presidencial nº 9.288/2018, que formaliza a intervenção federal no estado do Rio de Janeiro, a deputada Laura Carneiro (MDB-RJ) já está trabalhando no relatório que deve ser apresentado amanhã, durante sessão de discussão da medida, na Câmara dos Deputados. Favorável à ação federal, a parlamentar questiona, no entanto, a ausência de detalhes sobre recursos e estratégia de atuação no decreto editado pelo Palácio do Planalto.

“Estou aqui num imbróglio, porque tem alguns textos que deveriam estar no decreto e não estão. Onde estão os recursos (para a intervenção)? Qual é a estratégia básica, pelo menos? (Falta) pelo menos exemplificar, determinar a base da estratégia, como a contenção das fronteiras do Rio, por exemplo”, criticou.

A deputada relatou que vai conversar com o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), para saber como atuar já que, segundo ela, não é possível alterar o teor da medida, como acontece em outras pautas em tramitação na Casa. “Vou conversar com deputado Rodrigo Maia. O decreto fala em usar os recursos do estado. O Orçamento (para a segurança pública) no Rio de Janeiro é de R$ 8 bilhões (por ano), mas quanto efetivamente tem? A questão é qual a estrutura que basicamente o (general) Braga Netto vai ter?”, disse.

Por fim, Laura Carneiro comparou a situação com a de uma guerra. “É como se você fosse para uma guerra sem saber os recursos que tem. Não é de pessoal, é de logística. Tem que ver como vai ser feito, é uma questão mais técnica. E a gente (vai) especificar recursos da União”, explicou. O decreto de intervenção, assinado pelo presidente Michel Temer, precisa ser aprovado pela Câmara e pelo Senado, em votações separadas.