Correio braziliense, n. 19993, 18/02/2018. Política, p. 6

 

Entre o alívio e a preocupação

Paulo de Tarso Lyra e Rosana Hessel

18/02/2018

 

 

GUERRA URBANA » Intervenção no Rio leva a política pública de segurança ao centro do debate eleitoral. Há o temor, porém, de que, se a medida for bem-sucedida, respalde os defensores de propostas reacionárias

A intervenção federal na segurança pública do Rio afastou a reforma da Previdência da campanha eleitoral de outubro, algo impensável há poucas semanas, quando o governo jurava que as alterações nas regras de aposentadoria pautariam o discurso dos presidenciáveis. A segurança pública já era, tradicionalmente, uma das discussões dos brasileiros. Agora, todos — tanto na oposição quanto na base governista — vão se esforçar para ocultar temas impopulares e conquistar o voto dos eleitores.

A dosagem desse debate ainda é uma incógnita. Há o temor, sobretudo entre os partidos de esquerda, de que a ação dura tomada pelo governo federal no Rio possa estimular uma escalada de discursos radicais, já entoados por defensores de uma intervenção militar, a maior parte deles simpática à candidatura do deputado Jair Bolsonaro (PSL-RJ). O receio é de que, se a medida der certo, torne-se justificável o alastramento de ações dessa natureza. “O risco existe, claro. Mas a população brasileira vai perceber que isso não resolve. É querer curar câncer com um band-aid”, afirma o presidente nacional do PDT, Carlos Lupi.

Lupi, curiosamente, diz que a ação do governo federal inibe o discurso duro de Bolsonaro. O presidenciável afirmou, há algumas semanas — durante encontro com investidores promovido pelo BTG Pactual —, que, para solucionar a crise na Rocinha, colocaria um helicóptero sobrevoando a comunidade atirando panfletos dando um prazo de seis horas para os criminosos se renderem. Se isso não ocorresse, metralharia a favela. “Ele tem um discurso de uma nota só sobre o combate à violência. Quando alguém rouba essa fala dele, Bolsonaro não tem mais nada a oferecer”, critica Lupi.

O presidenciável critica a adoção da medida extrema pelo governo federal. “É um decreto político por parte do presidente Temer, que usa as Forças Armadas em causa própria”, ressalta ele, acrescentando que a ação deveria ser tomada no plano federal. “A verdadeira intervenção tem de começar no governo Temer. E tirar a bandidagem que está do lado dele. Deviam sair todos de lá e descer para comer feijão com arroz”, acrescenta.

O deputado Miro Teixeira (Rede-RJ) defendeu a iniciativa. Para ele, a situação no Rio estava insustentável. “No campo ideal, ela é extremada. Dentro do contexto, necessária. Mas era preciso uma intervenção também no governo federal. O Rio está há 12 anos sob comando do MDB, o mesmo partido do presidente Michel Temer. Esse caos não nasceu agora”, declara.

Como o assunto é popular, os políticos têm dificuldade de confrontar diretamente a proposta. Pré-candidato do PSDB ao Planalto, o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, apoia com ressalvas a decisão tomada por Temer. “É uma medida extrema, mas necessária. Só que tem de ser transitória”, alerta. “Entendo que o governo federal tem de liderar esse trabalho porque, hoje, nossos grandes problemas são o tráfico de drogas e de armas e a lavagem de dinheiro”, diz o tucano. Presidente nacional do Novo, Moisés Jardim defende uma medida de Estado nessa questão. “Se não houver uma centralidade de planejamento, as ações se dispersam”, justifica.

Uma das bandeiras da legenda presidida por Moisés é um Estado mais eficiente e equilibrado do ponto de vista fiscal. Para isso, seria necessária a aprovação de mudanças nas regras da Previdência. Ele, contudo, praticamente joga a toalha em relação a esse debate. “Num país como o nosso, a segurança pública já atrairia, naturalmente, a atenção do eleitorado. Diante do cenário atual, o debate será muito mais eloquente e a radicalização dependerá do êxito da intervenção”, projeta.

Nem mesmo o DEM — partido que pretende lançar como postulante ao Planalto o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (RJ) — acredita que a Previdência terá espaço no debate presidencial. Isso porque o parlamentar é defensor das mudanças nas regras da aposentadoria e tem se empenhado para que o governo consiga votar a proposta na Casa. “Providencialmente, esse assunto saiu da pauta, dando espaço para um debate que diz mais respeito ao cotidiano do cidadão”, afirma o deputado Efraim Filho (PB), ex-líder da bancada e um dos principais entusiastas das pretensões presidenciais de Maia.

Frase

"A decisão do Planalto sobre a intervenção veio em linha com a necessidade de reversão da percepção bastante negativa da atual administração junto ao eleitorado”

Alessandra Ribeiro, economista

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Escape menos vexatório

18/02/2018

 

 

O adiamento da votação da reforma da Previdência, em função da intervenção no Rio de Janeiro, pode ser uma boa saída para o governo, que estava caminhando para evitar o vexame de uma derrota na votação da proposta na Câmara ao não conseguir os 308 votos necessários à aprovação da matéria. A avaliação é de especialistas.

A economista Alessandra Ribeiro, sócia da Tendências Consultoria, destaca que a troca de um tema espinhoso por outro, mais popular, é uma tentativa do governo de ver se consegue mudar de alguma forma a enorme rejeição nas pesquisas. “Sai a reforma da Previdência e entra a segurança pública. A agenda política sofreu forte guinada com a decisão do governo de decretar intervenção federal no Rio de Janeiro”, frisa. “Trata-se de um movimento que, naturalmente, tem importantes decisões políticas não apenas para o destino do ajuste fiscal, mas, especialmente, para as movimentações partidárias, tendo em vista a corrida eleitoral.” Ela lembra que, na vigência do estado de exceção a Constituição, proíbe a aprovação de emendas constitucionais.

“A decisão do Planalto sobre a intervenção veio em linha com a necessidade de reversão da percepção bastante negativa da atual administração junto ao eleitorado. A agenda econômica ganhou um viés negativo diante da centralidade do ajuste fiscal no debate público”, pondera. “Assim, os efeitos políticos da reorganização da economia foram bastante reduzidos diante de uma agenda pública polarizada.”

Para ela, essa mudança de cenário e o adiamento da reforma podem ser um teste para a possibilidade de uma candidatura de Temer, que pode ter “um fôlego modesto” diante de um tema popular como segurança. Além disso, despencam as chances do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e do ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, por estarem associados ao reformismo econômico. “Na minha avaliação, quem deve ganhar mais força, a partir de agora, é o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB). Essa troca de agenda fará dele o grande favorecido”, aposta.

“Esse movimento tem implicações importantes para a corrida presidencial. De saída, revela a ambição do núcleo palaciano em criar um projeto eleitoral para o governismo. As ausências prováveis do ex-presidente Lula e do apresentador Luciano Huck na disputa mantêm o mercado eleitoral aberto, gerando incentivos para novos candidatos”, destaca Alessandra. (RH e PTL)

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E agora, qual será o legado?

Arthur Trindade M. Costa

18/02/2018

 

 

Sobre a intervenção federal na segurança pública no Rio de janeiro, há várias questões que merecem análise. Ela foi resultado de uma conjunção política extremamente singular entre os interesses dos palácios do Planalto e da Guanabara. Ao contrário do que dizem, esta não foi a primeira “intervenção” na área de segurança pública desde 1988. Por duas vezes, o estado de Alagoas sofreu uma “intervenção branca”, como disseram à época. Não houve decreto presidencial, posto que impediria qualquer reforma constitucional. Desta vez, houve um decreto e a constituição não poderá ser reformada. Alguns dizem que foi uma tentativa de saída honrosa para o fracasso das negociações da reforma da previdência. Pouco importa. O que interessa é o legado.

Tanto em Alagoas quanto no Rio de Janeiro, o presidente nomeou militares do Exército para comandar a segurança pública. Mas a situação agora é bem diferente. O decreto diz que o interventor exercerá “controle operacional de todos os órgãos estaduais de segurança pública”. Portanto, ele não será apenas um secretário de segurança, posto que terá muito mais poderes. Além disso, esse interventor não estará subordinado ao governador do estado. Estará, portanto, fora de alcance das pressões dos deputados e prefeitos.

O interventor nomeado foi o General Braga Netto, Comandante Militar do Leste, que engloba cerca de 50 mil militares do exército. E, de acordo com o decreto, poderá ainda requisitar reforços da Marinha, da Polícia Federal e da Polícia Rodoviária Federal. O General Braga Netto terá sob o seu comando direto mais de 100 mil homens e mulheres. Em suma, nenhuma outra autoridade de segurança, na Nova República, que teve tantos poderes quanto o general acaba de ser investido.

Resta saber o que ele fará com isso. Alguns temem que ele siga as ideias do deputado Jair Bolsonaro, dê um ultimado para os bandidos da Rocinha e ameace metralhar todos, caso não se entreguem. Espero que não faça isso, pois, além de ser uma medida ineficiente para lidar com o tráfico, é ilegal. Ainda vivemos em um Estado de Direito. Os generais não necessariamente pensam como Bolsonaro. Eles foram colegas de Academia Militar. Mas isto faz tempo. Todos mudaram: os militares se adaptaram às regras da Nova República e Bolsonaro vive como político profissional há 27 anos.

Talvez se repita parte do planejamento de segurança pública feito para as Olimpíadas. Vale lembrar que a segurança dos Jogos do Rio foi um sucesso. Por quase dois meses a cidade sentiu-se segura. É bem verdade que mais em alguns lugares do que em outros. O principal incidente foi provocado pelo nadador norte-americano que deu oportunidade para a Polícia Civil desmascarar sua farsa. O problema é que esse “legado” não foi duradouro. Os jogos acabaram e a insegurança voltou.

Replicar a operação Olimpíadas poderá trazer uma sensação de segurança por alguns meses. Talvez até as eleições. Pois o apoio financeiro do governo federal não deverá faltar até lá. Certamente, algum político pegará carona na diminuição momentânea do medo. Sua eleição pode ser o legado desta intervenção.

Mas há outro legado duradouro possível. Talvez o general queira sanear as polícias do estado. A despeito dos policiais corretos que honram a profissão, há uma banda podre, como disse, indignado, o ministro Torquato Jardim. Com o poder que tem e sem as pressões políticas tradicionais, o interventor pode reformular todo sistema de corregedorias. (...)

* Arthur Trindade M. Costa, professor de sociologia da Universidade de Brasília, membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública e ex-Secretário de Segurança Pública do DF