Correio braziliense, n. 19991, 16/02/2018. Política, p. 2

 

Vem aí o ministério para a insegurança

Renato Souza 

16/02/2018

 

 

EXECUTIVO » Em meio a desconfianças sobre interferências em operações da Polícia Federal, Palácio do Planalto pretende criar uma pasta para cuidar da segurança pública. Delegados e agentes, entretanto, temem ingerência nos trabalhos de investigação da PF

O Planalto concretiza em breve um projeto ambicioso que promete alterar a forma como é tratada a segurança pública. O ministro da Secretaria de Governo, Carlos Marun (MDB), admitiu ontem que o presidente Michel Temer está estudando a criação do Ministério da Segurança Pública. A intenção é ter uma pasta que possa atuar de forma conjunta com os estados e herdar parte das atribuições que hoje são delegadas à da Justiça. Além de planos de ação para a destinação de recursos e estratégias de combate ao crime, a mudança também provocaria alterações na estrutura das instituições policiais. Marun afirmou que situações de violência no Rio de Janeiro e em outros estados que ocorreram nos últimos dias reforçaram o projeto. Mas, na Polícia Federal, a medida foi recebida com desconfiança por agentes e delegados — que temem possíveis interferências nos trabalhos de investigação. Atualmente, as ações referentes ao combate ao crime e prevenção de violência são coordenadas pela Secretaria Nacional de Segurança Pública (Senasp), que integra a estrutura do Ministério da Justiça. A secretaria conta com cerca de 50 servidores, que, entre as atribuições, têm como tarefa a assessoria técnica do ministro da Justiça, elaborando relatórios e estudos no setor. Com a criação da nova pasta, as competências da Senasp seriam integradas ao novo ministério.

A ideia não é nova e foi cogitada outras vezes pelo governo federal. No entanto, desta vez o projeto já está em fase avançada, com a realização de estudos e definição de objetivos a serem cumpridos caso as mudanças sejam implementadas. Carlos Marun destacou que Temer já está tratando do assunto com ministros e outras autoridades. “Existem alguns ministros envolvidos na discussão desse tema e debatendo diretamente com o presidente. A palavra final será dele, a partir do momento em que receber os estudos e participar dos debates que estão sendo conduzidos ainda internamente”, afirmou.

O professor Arthur Trindade, coordenador do Núcleo de Estudos sobre Violência da Universidade de Brasília (UnB), afirma que a criação do ministério é uma medida necessária. Mas não terá efeito caso não seja acompanhada de mais investimentos. “A Senasp tem uma estrutura muito pequena hoje. Temos uma só secretaria para cuidar de assuntos que, em países como Estados Unidos e Inglaterra, são divididos para oito ou nove autarquias. Mas acredito que o governo não está pensando em elevar os recursos aplicados na segurança. Então, na prática, os mesmos problemas devem continuar”, afirmou.

 

Incômodo

As intenções do governo não agradaram a agentes e delegados da Polícia Federal. O temor é de que a criação do ministério sirva para interferir nas investigações e no trabalho que é realizado pelas equipes. Atualmente, a Polícia Federal está subordinada ao Ministério da Justiça e tenta manter independência em relação aos integrantes do Poder Executivo.

O presidente da Associação Nacional dos Delegados da Polícia Federal (ADPF), Edvandir Felix de Paiva, afirmou que a categoria está vendo com apreensão as intenções do Planalto. “Estamos monitorando essas possíveis mudanças na gestão da segurança pública. O problema é que esse anúncio é realizado em meio a uma crise imensa na Polícia Federal, onde existe um forte sentimento de desconfiança.”

No Congresso, a repercussão foi imediata. O líder do governo no Senado, Romero Jucá (MDB-RR), afirmou que não existe tentativa de interferir no trabalho da PF e que as atividades da corporação podem ser divididas por áreas. “Na hora que se criar o ministério, os órgãos que dizem respeito à segurança deverão estar engajados neste ministério. As questões de Justiça continuariam a ser tratadas pelo Ministério da Justiça. Nós estamos falando de ações de repressão, investigação e informação no tocante à segurança pública. Esses papéis são distintos e teriam áreas distintas de atuação”, disse o senador.

 

Estrutura

Caso seja concretizado, o novo ministério seria o responsável por integrar e gerir quase 600 mil policiais

 

Polícia Militar     421 mil

Polícia Civil     118 mil

Polícia Federal     14 mil

Polícia Rodoviária Federal     13 mil

 

Orçamento

R$ 2,6 bilhões foram destinados ao setor pelo governo federal em 2016

 

Violência

Crimes contra a vida - 2016

Os números produzidos pela ação de criminosos revela o tamanho do desafio

 

61.263 homicídios

Crescimento de 4% em relação a 2015

7 pessoas mortas por hora

2,6 mil latrocínios (roubo seguido de morte)

4,2 mil mortos em ações policiais

49 mil estupros

 

Crimes contra o patrimônio

1.066.674 carros roubados ou furtados

 

Insegurança

40% das escolas não têm policiamento para evitar crimes nas redondezas

 

Fonte: Anuário Brasileiro de Segurança Pública, IBGE