O globo, n.30770 , 04/09/2017. PAÍS, p.4

PASTOR DIZ QUE ASSINOU DOAÇÃO DE EQUIPAMENTOS A PEDIDO DE CABRAL

MARLEN COUTO

MAURÍCIO FERRO

 

 

Religioso relata conversa com ex-governador na biblioteca da prisão

A defesa do pastor Carlos Alberto de Assis Serejo, da Igreja Batista do Méier, afirma que o exgovernador do Rio Sérgio Cabral pediu que o religioso assinasse o documento que permitiu a doação de equipamentos de TV, DVD e home theater para a instalação de uma videoteca na Cadeia Pública José Frederico Marques, na Zona Norte do Rio, onde Cabral está preso. A acusação foi feita em uma nota de esclarecimento assinada pelo advogado de Serejo, Heckel Garcez Ribeiro, na qual o pastor afirma que foi “induzido” e “manipulado” por Cabral.

Ao GLOBO, o advogado de Serejo confirmou o conteúdo do texto, mas não quis comentar o episódio. Na nota, o pastor narra que foi procurado por Cabral na tarde do dia 27 de outubro, durante um culto no presídio. Ele e a missionária Clotildes de Moraes  que também assinou o termo de doação dos equipamentos  teriam conversado com o ex-governador na biblioteca da unidade.

Segundo Serejo, Cabral teria dito no encontro que era preciso que um representante de uma instituição religiosa ou filantrópica assinasse o documento de doação dos equipamentos da videoteca, que já estavam no presídio, para “legitimar” seu uso pelos detentos.

“O preso solicitou ajuda e falou que era só assinar o papel, e esse favor foi feito. Por conta disso, concordou-se em assinar a doação, visando ao bem dos que ali estavam. Isso foi feito na extrema boa-fé e no claro intento de ajudar o próximo. Em verdade, os capelães e as missionárias, naquele momento, não conseguiam visualizar qualquer ilicitude ou algo do gênero, até porque os mesmos se pautam pela verdade da palavra de Deus, que diz amarás o teu próximo como a ti mesmo”, diz o texto.

O advogado do pastor informou ainda que seu cliente não sabe a origem dos equipamentos nem quem pagou por eles.

 

‘HOMEM ARDILOSO’

“É fato que o Sr. Carlos Serejo e os outros agentes religiosos foram induzidos (enganados) a cometer o equívoco de assinar a doação (se é que tal documento possui validade para tanto, posto que somente a presidência e a diretoria das instituições têm legitimidade para isso), sendo usados e manipulados por um homem ardiloso cuja vida traduz a sua astúcia e o poder de manobra para conseguir o que almeja”, conclui o texto compartilhado nas redes sociais.

O pastor César Dias de Carvalho, da Comunidade Cristã Novo Dia, que também assina o termo de doação, afirmou que não pode confirmar se houve um pedido do ex-governador. Ele relata ter assinado o documento a pedido de Clotildes, ao fim de um culto na prisão.

A Clotildes, que é minha coordenadora, chegou para mim simplesmente dizendo: “Olha, os presos ganharam um equipamento de TV e vídeo, só que, para dar entrada, a coordenação do presídio precisa da liberação de uma entidade religiosa, o senhor poderia assinar comigo?”. Aí já estava com a declaração pronta  disse.

O GLOBO procurou a missionária Clotildes de Moraes, mas não conseguiu contato por telefone.

 

DEFESA DE CABRAL NEGA PEDIDO

Ao G1, o advogado do ex-governador, Rodrigo Roca, afirmou que a informação de que Cabral teria pedido para o pastor assinar o documento é falsa e que a nota apresenta uma série de contradições. Para Roca, o ex-governador “se tornou o lugar-comum como depositário das mazelas do que acontece no Estado do Rio de Janeiro” e não teria interesse no convencimento do pastor a assinar qualquer documento.

Na quarta-feira, o Ministério Público Estadual (MPE) abriu um procedimento para apurar possível prática de crimes contra a administração pública, falsidade ideológica ou material na instalação da videoteca e na doação de equipamentos. Procurado pelo GLOBO ontem, o MPE não respondeu se vai incluir as novas informações na investigação em curso.

A Secretaria de Administração Penitenciária do Estado do Rio (Seap) cancelou na última terça-feira a suposta doação. Segundo o “Jornal Nacional", da TV Globo, a compra dos equipamentos teria sido feita em dinheiro vivo a mando de Wilson Carlos, ex-secretário de Governo preso junto com Cabral.

Em nota, a Seap disse estar “decepcionada com tal fato”. E afirmou que, “devido a esse episódio, os benefícios das televisões nas celas e a recreação esportiva dos internos dessa unidade prisional, previstos na Lei de Execuções Penais, foram suspensos por 30 dias”.

Nesta semana, o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), concedeu liminar negando a transferência de Cabral para um presídio federal, no Mato Grosso do Sul. O pedido tinha sido feito pelo Ministério Público Federal (MPF) e autorizado pelo juiz Marcelo Bretas, da 7ª Vara Federal Criminal do Rio. O MPF informou que analisa as novas informações.