Título: Contra a crise, Dilma se apega à economia
Autor: D'Angelo, Ana ; Martins, Victor
Fonte: Correio Braziliense, 23/03/2012, Economia, p. 9
Presidente da República ouve mais do que fala, pede apoio de empresários para a retomada do crescimento e promete medidas a fim de resolver gargalos da indústria de transformação, prejudicada pelas importações
A presidente Dilma Rousseff deu seguimento ontem a uma jogada que no xadrez é conhecida como roque — move-se duas casas — para colocar o rei em segurança. Para enfrentar a maior crise com a base aliada no Congresso desde o início do seu governo, ela abriu as portas do Palácio do Planalto para 28 megaempresários dos setores produtivo e financeiro. Foi o mesmo movimento realizado há duas semanas ao receber representantes das seis centrais sindicais. A estratégia é ter a seu lado as duas forças que movem um país — o capital e o trabalho — para minar eventual boicote dos parlamentares ao seu governo. O encontro com a nata do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro saiu melhor que o esperado. A presidente conseguiu um voto de confiança dos presentes.
Dilma já fisgou a elite do empresariado ao abrir o encontro dizendo que os ministros Guido Mantega (Fazenda) e Fernando Pimentel (Desenvolvimento) e o presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Luciano Coutinho, só teriam cinco minutos, cada um, para suas apresentações. Depois, os convidados teriam todo o tempo disponível para falarem o que achassem necessário. Eles ficaram entusiasmados. Por isso, a reunião, prevista para as 10h e iniciada às 10h40, foi até 14h30. E só terminou porque, naquela altura, todos estavam morrendo de fome.
"Ela foi muito afável e simpática com todos", resumiu o controlador do grupo JBS-Friboi, Joesley Mendonça Batista, maior rede de frigoríficos do mundo, lembrando, no entanto, que a presidente não comunicou nenhuma nova medida específica para estimular a indústria, além das já conhecidas, como a desoneração da folha de salários de vários setores e o controle do câmbio. "Foi mais um debate, sobre o que cada um está fazendo. Mas o consenso foi de que é preciso melhorar a produtividade da indústria", disse. Conforme os relatos dos presentes, Dilma fez promessas mais genéricas, sem prazos, como de continuar reduzindo as taxas de juros da economia e de aumentar os investimentos públicos em infraestrutura.
Mesmo assim, o presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Robson Andrade, saiu satisfeito com o que escutou da anfitriã. "A presidente ouviu todo mundo e prometeu que promoverá a competitividade necessária que a indústria precisa", relatou. Dilma não falou da crise política. Foram os empresários que tocaram no assunto delicado. Mas ela teve a sinalização que pretendia com o encontro.
Paulo Skaf, presidente da presidente da Federação das Indústrias de São Paulo (Fiesp), garantiu que o empresariado vai apoiar os projetos de interesse do Brasil. Ele citou a resolução 72 que tramita no Senado que unifica a alíquota do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), dando um fim à guerra fiscal entre os estados que têm concedido incentivos às importações em seus portos. "Estamos atuando. E vamos intensificar mais. Não é apoio a governo, a ninguém, é apoio ao Brasil, ao que interessa à sociedade", amenizou.
Skaf não escondeu a empolgação pelo apoio recebido à metáfora que colocou à mesa: de que a indústria de transformação, a que mais tem sofrido com a concorrência dos importados pela falta de competitividade, é hoje o filho preferido, porque está enfermo. "Ela garantiu que a prioridade agora é a indústria de transformação, que está enferma por problemas conjunturais", destacou.
Lotação A empresária Luiza Trajano, dona da rede de varejo Magazine Luiza, também saiu entusiasmada com a receptividade da presidente. Ela disse esperar que Dilma anuncie, após o retorno da viagem à Índia, a prorrogação da redução do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) para eletrodomésticos da linha branca, prevista para encerrar no fim do mês. "A redução é importante porque a máquina de lavar, por exemplo, é uma questão social. Entre 40% e 50% das donas de casa não têm o produto", afirmou após o encontro, repetindo o que disse à presidente. A equipe econômica admite estender o benefício para até 30 de junho.
Quase todos os convidados do Planalto compareceram. Houve congestionamento de jatinhos no aeroporto de Brasília. Somente ontem, até o meio da tarde, foram registrados 98 pousos e decolagens de aviões de pequeno porte, 30% mais que a média diária. Os jatos lotaram o pátio do terminal 2 do aeroporto. Eles saíram com a promessa da presidente de que esses encontros serão frequentes. Estão programados pelo menos mais quatro reuniões neste ano.
Estiveram também com Dilma os dirigentes do Bradesco (Lázaro Brandão e Luiz Trabuco), do Itaú Unibanco (Roberto Setúbal), da Ambev (João Castro Neves), da Natura (Pedro Passos), da construtora Camargo Correia (Luiz Nascimento), do grupo Suzano (Daniel Feffer), da construtora Andrade Gutierrez (Otávio Azevedo), da Vale (Murilo Ferreira), da Fiat (Cledorvino Belini), André Esteves (BTG Pactual), do grupo Rosset (Ivo Rosset), entre outros. Colaborou Juliana Braga
Efeitos do IPI
As vendas de eletrodomésticos da linha branca — que inclui geladeiras, fogões, máquinas de lavar e tanquinhos — no varejo cresceram 22,6% desde dezembro, quando o governo anunciou a redução do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) sobre esses itens. De acordo com o Instituto para Desenvolvimento do Varejo (IDV), esse movimento alavancou a comercialização de outros segmentos. "É fundamental que o governo mantenha essa desoneração por mais seis ou 12 meses", disse o presidente do IDV, Fernando de Castro.
Frustração nos restaurantes
A expectativa era de restaurantes cheios e de faturamento em alta. Mas a presença de 28 megaempresários em Brasília, acompanhados de vários assessores, deixou os donos desses estabelecimentos frustrados. O encontro deles com a presidente Dilma Rousseff começou com atraso de 40 minutos e se estendeu por quase quatro horas. Muitos saíram do Palácio do Planalto depois das 15h e cancelaram as reservas para o almoço. Os mais sofisticados restaurantes da capital tiveram que se conformar com o movimento das quintas-feiras, dia em que, tradicionalmente, os políticos se despedem da cidade para voltar aos estados de origem. No restaurante Pobre Juan, no Lago Norte, o movimento até foi bom, mas de integrantes do DEM, que se reuniram em torno de parrilladas argentinas. O Bela Sintra, na Asa Sul, recebeu cerca de 100 pessoas para o almoço, mas não foi identificado nenhum empresário que tivesse se encontrado com Dilma. Também não havia nenhum deles no Gero (Lago Norte), no Piantella e no Vila Borghese, no Plano Piloto.