O Estado de São Paulo, n. 45259, 25/12/2017. Economia, p.B1

 

 

 

 

Após 5 anos, comércio do Brasil com países do Mercosul volta a avançar

Mercado comum. De janeiro a novembro deste ano, exportações do País para os sócios do bloco cresceram 23,6%, acima dos 18,2% registrados pelas vendas externas totais; expansão das economias de Argentina, Paraguai e Uruguai explica melhora do desempenho

Por: Lu Aiko Otta

 

Lu Aiko Otta / BRASÍLIA

Depois de cinco anos de redução ou de avanços modestos, o comércio com o Mercosul voltou a dar sinais de vitalidade. De janeiro a novembro deste ano, as exportações do Brasil para os países sócios cresceram 23,6%, uma taxa maior do que a do conjunto dos mercados: 18,2%.

“O comércio dentro do bloco foi reativado”, afirmou ao Estado o secretário de Comércio Exterior, Abrão Árabe Neto. “E é um comércio de pauta nobre, porque 89% das nossas exportações para o Mercosul são de manufaturados.” As vendas de produtos industrializados para Argentina, Paraguai e Uruguai avançaram 28,3%, quase o triplo dos 10,4% registrados no total do Brasil.

Por trás desse desempenho há dois fatores. O principal é que as economias dos países vizinhos estão crescendo. O outro, a volta da “pegada” econômica do Mercosul, depois de uma década e meia tratando basicamente de temas políticos.

Neste ano, Argentina deve crescer 2,5%, Uruguai, 3,5% e Paraguai, 3,9%, segundo projeções do Fundo Monetário Internacional (FMI). Com as economias mais fortes, eles aumentaram suas importações, principalmente do Brasil.

“A dinâmica do comércio responde ao ciclo econômico dos países”, comentou o gerente de Negociações Internacionais da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Fabrizio Panzini. “Voltando o crescimento no Mercosul, a expectativa é que o comércio cresça, por ser uma região integrada.”

Com a Argentina, o Brasil acumulou um superávit recorde de US$ 7,4 bilhões este ano, basicamente com a venda de automóveis. “É muito”, disse o presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), José Augusto de Castro. “Proporcionalmente, é como se nós tivéssemos um déficit de US$ 30 bilhões.”

O desequilíbrio no comércio causa desconforto, reconhece uma fonte do governo. O Brasil tem sido cobrado nas mesas de negociações a aumentar suas importações.

Para Abrão, o equilíbrio deve voltar em 2018. Com uma perspectiva de crescimento mais forte, o Brasil deve comprar mais dos países vizinhos.

É quase certo que as montadoras brasileiras aumentarão suas importações da Argentina, disse Castro. Pelo acordo automotivo vigente entre os dois países, elas precisarão fazer isso para não ter de pagar impostos sobre os carros que exportaram para lá neste ano.

Contraponto. O crescimento na venda de manufaturados é um ponto positivo, mas o presidente da AEB alertou que os produtos brasileiros só têm fôlego para serem vendidos na região. “Nós não temos preço para vender para os grandes mercados”, afirmou. “Daí a importância de fazermos nossas reformas estruturais.”

Fato muito destacado pelas autoridades que participaram da reunião de cúpula do Mercosul, na quinta-feira passada, em Brasília, a retomada da agenda econômica do bloco também teve seu papel no crescimento do comércio. No início do ano, foram identificadas 78 barreiras ao comércio dentro do bloco. Na semana passada, o ministro das Relações Exteriores, Aloysio Nunes, informou que 86% delas já haviam sido removidas.

“Estamos vendo uma recuperação”, disse o presidente da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), Antonio Megale. “Vamos terminar o ano com um crescimento em torno de 9,5%, o que é um pouco acima de nossas previsões, e as exportações serão recorde.”

A melhora é notada também no setor de calçados, que em 2016 ainda amargava dificuldades para internar seus produtos na Argentina. “Não houve obstáculo maior para a entrada de nossos produtos”, informou o presidente da Associação Brasileira das Indústrias de Calçados (Abicalçados), Heitor Klein. A Argentina foi um dos poucos mercados onde houve aumento das vendas do setor. A participação do produto brasileiro naquele mercado passou de 29% para 34%, enquanto o produto chinês recuou de 23% para 20%.

“O Mercosul estava travado como acordo e como funcionalidade”, disse o presidente da Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção (Abit), Fernando Pimentel. Com o alinhamento dos países em busca de mais comércio, o bloco ganhou uma agenda mais efetiva. “É uma velocidade que não se via há tempos”, afirmou. “Agora o Mercosul está com uma pegada mais adequada.”

 

 

 

 

Comércio com 'hermanos' ainda enfrenta barreiras

 

BRASÍLIA

Na teoria, o Mercosul é uma associação entre quatro países na qual o comércio é livre. Na prática, as mercadorias enfrentam todo o tipo de barreira e o protecionismo ainda dá as cartas.

Prova disso é o açúcar, que desde a criação do bloco é uma exceção. O comércio desse produto não é livre, por pressão de produtores argentinos que não querem competir com o produto do interior de São Paulo. “Eu disse que essa situação é inaceitável”, citou o ministro da Agricultura, Blairo Maggi, após a reunião de cúpula do Mercosul.

Para superar o problema, o Brasil propôs incluir o açúcar no livre-comércio, com compromisso das usinas de não vender o produto na Argentina. “Eu não quero vender açúcar lá. Quero que o açúcar entre no livre-comércio do Mercosul para eu poder vender na União Europeia quando o acordo com eles for concluído.” Na semana passada ainda não havia resposta.

Outra exceção ao livre-comércio no Mercosul são os automóveis. As transações são reguladas por acordos do Brasil com a Argentina e com Uruguai.

O Brasil tenta fechar acordo com o Paraguai, mas antes quer eliminar um problema: o país permite a importação de carros usados, o que atrapalha o produto brasileiro. Segundo fonte do governo paraguaio, a intenção é anunciar em abril acordo para reduzir a importação gradualmente, até zerar em cinco anos.

Outro tema tratado na reunião de cúpula foi a decisão do Uruguai de cobrar taxa consular de 2% sobre a entrada de mercadorias. É uma medida contrária ao livre fluxo de comércio, e não foi bem recebida pelos sócios. O ministro das Relações Exteriores do Uruguai, Rodolfo Nin Novoa, disse que a medida é temporária e de caráter fiscal.

“O Mercosul avançou nas questões tarifárias, mas as barreiras não tarifárias precisam de atenção”, disse o gerente de Negociações Internacionais da CNI, Fabrizio Panzini. “Esse é um tema cada vez mais importante.” O bloco tenta se entender, por exemplo, quanto às exigências governamentais para liberar a entrada do produto. Por exemplo, um carro vendido no Brasil deve ser adaptado para entrar na Argentina. “Nesse campo, a assimetria é grande.” / L.A.O.