O Estado de São Paulo, n. 45350, 16/12/2017. Notas e Informações, p. A3.

 

Descaso na Câmara

16/12/2017

 

 

Projeto que estabelece novas normas para licitações e contratos públicos está esquecido.

 

 

Ofato de, quatro meses depois de ter sido criada, a comissão especial da Câmara dos Deputados encarregada de examinar o projeto de lei que estabelece novas normas para licitações e contratos públicos – e também institui a obrigatoriedade do seguro-garantia para grandes obras – não ter se reunido por não dispor de nenhum membro indicado pelas lideranças partidárias mostra o descaso com que os parlamentares tratam questões essenciais para a modernização da economia. Aprovado há um ano pelo Senado, o Projeto 6.814/17 tramita na Câmara desde o início da sessão legislativa de 2017, mas praticamente nada avançou, em razão do desinteresse dos deputados ou, quem sabe, do excesso de interesse de alguns dispostos a assumir posições relevantes na comissão especial, mas que não encontram apoio necessário para isso entre seus pares. Qualquer que seja o motivo, não engrandece a Câmara.

O projeto que cria nova regulamentação para licitações e contratos da administração pública e revoga, entre outras, a Lei 8.666/93 (a atual Lei de Licitações) foi aprovado pelo Senado no dia 13 de dezembro de 2016. O texto contém novidades em relação às regras em vigor, como propostas de punições mais rigorosas para casos de corrupção e maior flexibilidade para as contratações.

O texto tem pontos considerados polêmicos pelo segmento empresarial voltado para o fornecimento de bens e serviços para o setor público, como o que permite a contratação, por órgãos governamentais, de projeto inicial e da obra com a mesma empresa, na chamada contratação integrada. Mas estabelece que o projeto de obra pública deve ter elementos suficientes para a definição de preços, de modo a eliminar problemas correntes atualmente, como a necessidade de aditamentos contratuais que acabam multiplicando o preço final em relação ao que estava orçado. Isso ocorre no modelo atual porque ele permite a contração e o início de obras a partir de projetos básicos sem informações suficientes, resultando em aumento de preços ou obra mal executada.

Uma das inovações mais relevantes do texto do Senado é o estabelecimento da obrigatoriedade de os contratos de obras de grande vulto, de valor superior a R$ 100 milhões, ter um seguro-garantia de até 30% do total. Esse seguro se destina à conclusão da obra no caso de a empresa contratada enfrentar dificuldades. Nesse caso, a seguradora assume os direitos e as obrigações da empresa vencedora da licitação em caso de descumprimento do contrato, podendo concluir a obra por meio de subcontratação. Se a seguradora não o fizer, estará sujeita à multa equivalente ao valor da garantia.

Esse modelo é considerado um fator de inibição de licitações fraudulentas, pois transfere para as seguradoras a necessidade de analisar e impedir eventuais desvios no processo licitatório. Ao longo da execução da obra, a seguradora agirá como uma espécie de auditora dos trabalhos da empresa contratada, para evitar que eventuais problemas de gestão acabem por lhe impor custos.

A atual Lei de Licitações prevê a possibilidade do seguro-garantia, mas de até 10% do valor de contratos de grande vulto e sem obrigatoriedade. O projeto mantém outras modalidades de garantia, como caução em dinheiro ou títulos de dívida pública, seguro-garantia e fiança bancária, previstas na legislação atual.

Também são mantidas as modalidades tradicionais de licitação, como concorrência, concurso, convite, leilão, pregão e tomada de preços, mas com novos limites de valor para algumas delas. Como novidade, o projeto permite o chamado “diálogo competitivo”, modalidade de licitação por meio da qual o poder público e as empresas privadas discutam previamente os termos da licitação. O objetivo, segundo os defensores do projeto, é criar alternativas que permitem melhor atendimento das necessidades públicas. O desinteresse dos deputados com relação a tema de tanta relevância para a retomada dos investimentos no País retrata a maneira como eles lidam com as grandes questões (...)