Valor econômico, v. 18, n. 4428, 24/01/2018. Brasil, p. A4.

 

 

Em Davos, CEO da Eletrobras fala em oferta de até US$ 4 bi

Daniel Rittner e Assis Moreira

24/01/2018

 

 

O presidente da Eletrobras, Wilson Ferreira Jr., afirmou ontem para investidores em Davos que a capitalização idealizada pela companhia deve levantar entre US$ 3 bilhões e US$ 4 bilhões - até R$ 13 bilhões pelo câmbio atual - no mercado financeiro. "Não haverá mais do que 10 ou 15 operações como essa no mundo em 2018", disse o executivo ao Valor, antes de iniciar uma bateria de encontros no Fórum Econômico Mundial, do qual participa pela primeira vez.

A nevasca intensa e o risco máximo de avalanche na montanha mágica o fizeram perder seus primeiros compromissos de trabalho na segunda-feira, depois de ter passado quase seis horas no trânsito para chegar ao fórum, em um trajeto, entre o aeroporto de Zurique e os Alpes suíços, que normalmente leva duas horas de carro.

Impressionado com a quantidade de reuniões simultâneas no centro de convenções de Davos, entrando e saindo do local para fumar de vez em quando, de olho nas "supertomadas" de veículos elétricos que podem ter suas baterias carregadas em 20 minutos, o executivo preparava-se para explicar os planos de privatização da Eletrobras a grandes empresas estrangeiras.

De acordo com ele, toda a estruturação fica pronta até o dia 15 de agosto. Quando a operação será efetivamente concretizada, se antes ou depois das eleições, Ferreira lembrou que cabe ao governo decidir e preferiu não opinar. O calendário eleitoral não precisa ditar a emissão das novas ações. "Quem coloca dinheiro em concessões de 30 anos, não olha para o mês que vem. Observa o ambiente regulatório e econômico de longo prazo."

Então, tudo bem se houver uma eleição radicalizada, se um candidato concorrendo com base em liminar estiver na frente, se houver perspectiva de mudanças radicais na agenda do próximo governo? "Nunca é tudo bem. O que esse tipo de coisa faz com os mercados? No caso brasileiro, crises desse tipo jogam câmbio para cima e bolsa para baixo. Quanto maior a volatilidade, e menos valor tiver a empresa no mercado, maior a possibilidade de termos uma oferta secundária de ações", argumenta Ferreira.

Ele próprio se encarrega de explicar o raciocínio: hoje, a Eletrobras vale perto de R$ 30 bilhões e aproximadamente 60% do capital total, ou em torno de R$ 18 bilhões, está nas mãos da União. Se o valor da companhia diminui muito, seria preciso emitir mais ações novas, ou vender parte da fatia direta ou indireta do governo, para chegar à capitalização necessária. Hoje, ele frisa, a estatal não tem dinheiro para fazer o pagamento de outorga pelos novos contratos de suas usinas hidrelétricas. "E aí, quando se fala em oferta secundária, penso basicamente no BNDES e uma eventual transferência desses recursos para o Tesouro", acrescenta.

Para o executivo, a outorga que deverá ser paga à União pela assinatura dos novos contratos de concessão das 14 usinas hidrelétricas da Eletrobras, hoje operadas pelo regime de cotas, deve alcançar R$ 8 bilhões. É menos, portanto, do que a projeção de R$ 12,2 bilhões feita pelo governo para o Orçamento de 2018.

Uma explicação para a diferença dos números pode estar na renovação antecipada do contrato de Tucuruí, segunda maior usina do país e hoje administrada pela Eletronorte, que expira em 2024. Ferreira evita, porém, falar sobre o assunto, porque se trata de uma prerrogativa da União.

Na avaliação do executivo, tirando Tucuruí da estimativa, não daria para ir além dos R$ 8 bilhões. "Teremos que demonstrar no mercado de capitais que trocar o regime de cotas por produção independente vale a pena. Se não, ninguém coloca dinheiro."

Nesse aspecto, disse Ferreira, é crucial ter um detalhamento do modelo de "descotização" antes de ir ao mercado de capitais. Isso significa ter preços definidos para o megawatt-hora e minuta de contrato aprovada pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel).

Não dá para deixar pendências, afirmou. "Operação de aumento de capital é um ato de voluntariedade dos investidores. Se não conseguem ver essa operação como boa para a companhia, não haverá dinheiro novo. O modelo tem que estar claríssimo."

Para que o cronograma seja mantido, é essencial concluir a contratação dos estudos preparatórios, o que a Eletrobras pretendia fazer em cerca de um mês e meio. Isso foi autorizado pela MP 814, mas uma liminar da Justiça Federal de Pernambuco impediu a vigência de um artigo da medida provisória que tratava do assunto.

Ferreira explicou que a estatal precisa contratar bancos, consultorias, auditores e advogados para tocar processos para os quais não tem braços ou capacidade internamente: cisão de Itaipu e da Eletronuclear, incorporação da "golden share" no acordo de acionistas, o formato do futuro conselho de administração.

Ao opinar sobre um dos pontos mais controversos do projeto de lei assinado pelo presidente Michel Temer, na semana passada, Ferreira disse entender que a União poderá manter três conselheiros no colegiado: um pela fatia acionária direta do governo, outro pelo mecanismo da "golden share" e o terceiro pela participação do BNDES na empresa.

Sabendo que todas essas premissas ainda dependem da tramitação do projeto no Congresso Nacional, Ferreira tenta chamar a atenção para a falta de alternativas viáveis. "Só existem três formas de investimento na companhia: caixa próprio, financiamento e aporte dos acionistas. Nenhuma das opções está disponível. Se chegarmos para um banco hoje e pedirmos dinheiro para a descotização, com essa alavancagem que temos agora, ninguém nos daria", observou.

Por isso, respondendo a críticas de quem prefere um controlador privado único em vez de capital pulverizado em bolsa, o executivo concluiu: "A ideia de emissão de capital não surgiu do nada. Vimos como muito ruim vender cada uma das usinas [com a descotização]. Isso sim seria desintegrar e desnacionalizar. Poderíamos ter sete donos diferentes nas hidrelétricas do rio São Francisco, que precisa de uma solução integrada. Se vendêssemos a usina, ficaríamos com todo o passivo financeiro, judicial e trabalhista. Sem receitas. Deixaria a companhia praticamente inviável".