Valor econômico, v. 18, n. 4428, 24/01/2018. Política, p. A7.

 

 

Lula faz apelo para que o TRF-4 "se atenha aos autos"

Cristiane Agostine, Sérgio Ruck Bueno e Fernando Taquari

24/01/2018

 

 

Na véspera do julgamento de sua apelação pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse ontem que os desembargadores que vão julgá-lo devem "se ater aos autos do processo e não a convicções políticas". A uma plateia de milhares de militantes e simpatizantes reunidos no centro de Porto Alegre, Lula afirmou que "qualquer que seja o resultado" do julgamento ele continuará lutando pelo país e indicou que manterá sua candidatura presidencial, ao anunciar para fevereiro uma caravana pelo Rio Grande do Sul.

"Não vou falar do processo, não vou falar da Justiça. Primeiro porque tenho advogados competentes que já provaram a minha inocência. Segundo, porque eu acredito que aqueles que vão votar deverão se ater aos autos do processo e não às convicções políticas de cada um", declarou o ex-presidente em cima de um carro de som.

Lula exaltou as conquistas dos governos petistas, sobretudo para a população mais carente, e ao fazer um balanço de seus oito anos de gestão disse que é alvo de uma luta de classes. "É por conta desse país [que construímos], é por conta das conquistas do povo brasileiro que nós estamos vivendo o que estamos vivendo agora", disse. "Não posso me conformar com o complexo de vira-lata que tomou conta do nosso país, com uma elite subalterna e subserviente, que quer falar grosso com a Bolívia e fala como um gatinho com os Estados Unidos".

O petista foi o protagonista de um ato em defesa da democracia e de sua candidatura e dividiu o palco montado em cima de um caminhão de som com dezenas de políticos, artistas e de lideranças de movimentos sociais e sindicais. Ao seu lado estava a ex-presidente Dilma Rousseff. As ruas do entorno do largo Glênio Peres, ao lado da Prefeitura de Porto Alegre, onde foi realizado o ato, estavam completamente tomadas por militantes e simpatizantes, vestidos com camisetas vermelhas, do PT e com faixas contra o juiz Sergio Moro e em defesa da candidatura de Lula. A organização estimou em 80 mil pessoas. A Brigada Militar disse que não fez estimativa de público.

"Não estou aqui preocupado comigo, mas com o que estão fazendo com o país", afirmou Lula, listando em seguida o desmonte de diversos programas e ações das gestões petistas, como o Fies, a expansão das escolas técnicas e o modelo de partilha para o pré-sal.

Condenado em primeira instância pelo juiz Sergio Moro pelos crimes de lavagem de dinheiro e corrupção passiva, Lula voltou a falar que é inocente e disse duvidar que "neste país tenha um magistrado mais honesto" do que ele. "Por isso a minha tranquilidade. A tranquilidade dos inocentes, a tranquilidade daqueles que não cometeram crime", afirmou. Em seguida, fez uma provocação e disse que as acusações contra ele podem ser "medo de o Lula voltar em 2018".

No discurso de meia hora, o ex-presidente disse que em certo momento seu partido ficou com "medo" e que "toda vez que a gente fica com medo e se recolhe, os adversários crescem". Em seguida, atacou os adversários e afirmou que ficou com "nojo de ver bandido falar mal do PT, de ver essas pessoas acusarem o PT e a gente quieto, até que nós falamos não, gente, não".

Lula reconheceu que petistas cometeram, erros, mas procurou minimizá-los. "Tem gente que comete erros sim, mas os erros do PT perto dos erros deles não são nada", afirmou. Para ele, pode haver partido político "igual" ao PT, mas "melhor não tem".

"Não fizemos tudo. Erramos porque somos seres humanos", disse. "Não tenho dúvidas que fomos nós que geramos mais empregos, escolas técnicas e que demos mais dignidade ao povo", acrescentou.

Segundo Lula, o PT e seus integrantes viraram alvo de mentiras da "elite" e da "imprensa" pelas conquistas que garantiram a ascensão do povo brasileiro ao longo das administrações do partido. "Se tem alguém que sabe cuidar do Brasil e do povo, somos nós", declarou o petista, que, sem especificar, reconheceu erros de sua gestão.

Lula também minimizou a preocupação do mercado financeiro com sua projeção na eleição. "Não preciso do mercado, preciso de empresas produtivas", frisou. Além disso, repetiu o discurso de classe que serviu para embasar suas caravanas pelo país: disse que em sua gestão as pessoas mais pobres se alimentavam melhor, tinham condições de viajar de avião e estudar em universidades.

Sobre o governo Michel Temer, o ex-presidente disse que "eles deram uma anestesia no povo" e disseram que o PT era uma "doença". Por isso, declarou, ninguém reclama. Para as eleições presidenciais deste ano, o ex-presidente disse que aposta na união da esquerda. "Não em torno de um candidato, mas de um projeto", explicou.

Ao tratar de seu eventual governo, o ex-presidente sinalizou que a educação tende a ser uma de suas prioridades. " A elite trata o dinheiro da educação como gasto".

O ex-presidente afirmou que em fevereiro irá a São Borja (cidade natal dos ex-presidentes Getúlio Vargas e João Goulart) para "recuperar as conquistas trabalhistas que nós tivemos", a Bagé para "visitar a Unipampa [Universidade do Pampa] que criamos neste Estado", a Santa Maria e a Santana do Livramento, na fronteira com o Uruguai, para "ter um papo" sobre integração com o ex-presidente uruguaio Pepe Mujica, além de Porto Alegre. No ano passado, o petista realizou três caravanas, no Nordeste, em Minas Gerais e no Espírito Santo e Rio de Janeiro.

Lula voltou ontem para São Paulo para acompanhar o julgamento de seu recurso pelo TRF-4 contra a condenação em primeira instância pelos crimes de lavagem de dinheiro e corrupção passiva. "Qualquer que seja o resultado, vou continuar lutando para que as pessoas tenham respeito e dignidade", disse.

Lula também prometeu que apenas no dia em que "morrer" vai parar de fazer política. "Porque se eu tiver um ano, dez anos, 15 anos ou apenas um dia, vocês podem ficar certos que estarei nas ruas brigando para que este país construa uma sociedade justa".

Antes de Lula, lideranças políticas, de movimentos sociais e sindicais e artistas discursaram.

O líder do MTST, Guilherme Boulos, que deve se filiar ao Psol para disputar a Presidência, criticou o juiz Sergio Moro por "se comportar como promotor, chefe de partido" e o classificou como uma "farsa". Já o líder do MST, João Pedro Stedile, disse que o ato foi para animar a militância.