O Estado de São Paulo, n. 45353, 19/05/2017. Política, p. A4.
Camargo aponta cartel e MPF prepara investigação
Lorenna Rodrigues / Breno Pires
19/12/2017
A Camargo Corrêa relatou ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) a existência de um cartel de empresas que nos últimos 16 anos fraudou ao menos 21 grandes licitações para obras metroviárias em sete Estados e no Distrito Federal. O órgão antitruste do governo federal abriu ontem processo para investigar a denúncia, que faz parte de um acordo de leniência fechado pela empreiteira no âmbito da Lava Jato – é a primeira vez que a operação apura um caso de cartel. Com o acordo, as empresas citadas vão responder na área administrativa, mas o Ministério Público Federal vê elementos suficientes para a abertura de novas investigações criminais.
A suspeita é que o conluio tenha sido formado por 18 empresas, além da Camargo. Das 21 licitações em todo o País, 11 se referiam a obras no metrô e monotrilho de São Paulo (mais informações na pág. A6). O cartel teria durado de 1998 a 2014. Segundo o relato da empreiteira, na segunda fase do cartel, a partir de 2004, o grupo passou a usar o nome de “Tatu Tênis Clube” em e-mails, documentos e mensagens, para disfarçar o caráter ilícito dos contatos. O nome faz referência à máquina Shield, usada para cavar túneis para implantação de linhas de metrô, batizada de “tatuzão”.
De acordo com informações prestadas pela Camargo Corrêa, além de São Paulo, as empresas dividiram mercados e combinaram estratégias para fraudar licitações também no Rio de Janeiro, Minas Gerais, Distrito Federal, Bahia, Paraná, Ceará e Rio Grande do Sul.
No acordo firmado no dia 05 deste mês, a empreiteira relatou ao Cade que o cartel atuou em duas fases. De 1998 a 2004 foi a etapa de “formação das bases”, em que Camargo Corrêa, Andrade Gutierrez e Odebrecht dividiam entre si grandes projetos. A partir daí, o grupo passou a contar com OAS e Queiroz Galvão.
Nesta segunda etapa, cada executivo recebeu um codinome relacionado a um tenista – Guga, Federer ou Djokovic – e os integrantes marcavam “treinos” (reuniões) e participavam de “campeonatos” (licitações). Segundo o relato, o grupo passou a se alinhar a empresas com bom trânsito nas cidades onde ocorriam as licitações, como Carioca, Constran, Serveng e Marquise.
PAC, Copa, Olimpíada. A partir de 2008, os contatos ganharam maior frequência, tendo como alvo obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), a Copa do Mundo de 2014 e a Olimpíada do Rio de Janeiro, em 2016. Em um outro processo, aberto após delação da Andrade Gutierrez, o Cade já investiga formação de cartel em obras da Copa do Mundo.
Os executivos da Camargo Corrêa relataram que as empresas organizadas em cartel financiavam juntas estudos de viabilidade ou mesmo a elaboração do projeto base para as futuras obras como moeda de troca com governos locais. A divisão entre as empresas ocorria em reuniões presenciais.
Para o Cade, “é possível” ainda que outras grandes empresas de construção e infraestrutura, além da Alstom e Siemens, tenham participado do esquema.
Criminal. Com as informações recebidas do órgão antitruste, o Ministério Público Federal em São Paulo abriu um procedimento investigatório criminal, que é o ponto de partida para futuros pedidos de investigação à Justiça Federal.
Um grupo de trabalho da Procuradoria da República no Estado – que atua em temas relacionados a cartel – irá estudar que providências tomar. O procedimento está em fase inicial.
Segundo procuradores ouvidos pelo Estado, a leniência da Camargo Corrêa pode abrir caminho para a instauração de novos procedimentos para apurar outros crimes, como corrupção. Os relatos teriam elementos para gerar novos indícios de fatos já apurados em investigações como a Operação Castelo de Areia e o cartel dos trens em São Paulo.