Valor econômico, v. 18, n. 4429, 25/01/2018. Brasil, p. A2.
Governo revê trajetória para a dívida pública
Ribamar Oliveira
25/01/2018
A mudança para melhor no quadro fiscal do setor público brasileiro, que está sendo registrada desde o fim do ano passado, deverá produzir mais uma boa notícia em 2018. A nova expectativa do Ministério da Fazenda é de que a dívida pública bruta fique em torno de 75% do Produto Interno Bruto (PIB) neste ano, informou fonte credenciada do governo.
Para chegar a este percentual, o governo conta com a devolução antecipada de R$ 130 bilhões dos empréstimos que o BNDES obteve do Tesouro Nacional. "Se o déficit primário de 2018 ficar abaixo da meta (de R$ 159 bilhões), poderemos ter até nova surpresa", afirmou. Neste cenário, a dívida bruta poderá ser inferior a 75% do PIB - um resultado que ninguém acreditava ser possível até há pouco tempo.
Quando encaminhou ao Congresso Nacional a proposta de mudança das metas fiscais para 2017, 2018 e 2019, em agosto do ano passado, o governo projetava que a dívida bruta do setor público ficaria em 75,7% do PIB em 2017 e 78,7% do PIB em 2018.
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Para essas projeções, no entanto, o governo considerava um crescimento da economia de 0,5% em 2017 e de 2% em 2018. A expansão da economia parece ter ficado em 1% no ano passado, de acordo com a última estimativa feita pelo Banco Central. Ou seja, com a economia crescendo mais do que a previsão inicial, a dívida ficou menor em proporção do PIB.
Outra variável que interfere no cálculo é o resultado primário do governo central (Tesouro, Previdência e BC). O déficit primário em 2017 ficou bem abaixo da meta de R$ 159 bilhões, usada na previsão de agosto. O ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, disse ontem, em Davos, que o déficit primário do ano passado ficou abaixo de R$ 130 bilhões. Alguns analistas do mercado projetam déficit próximo a R$ 120 bilhões.
Se isso efetivamente ocorreu, a necessidade de emissão de títulos para cobrir despesas da União no ano passado ficou muito menor do que a projeção inicial, entre R$ 30 bilhões a R$ 40 bilhões, pressionando menos o indicador dívida bruta/PIB.
Em 2018, além da devolução dos R$ 130 bilhões pelo BNDES ao Tesouro, o que ajudará a controlar a dívida/PIB será o crescimento da economia. O Ministério da Fazenda trabalha com a expectativa de expansão econômica de 3%. Na projeção feita em agosto, a expectativa era de crescimento de 2%.
Recentemente, o Banco Central divulgou uma projeção para a dívida neste ano bastante diferente. Para o BC, com a devolução dos R$ 130 bilhões pelo BNDES, a dívida bruta ficará em 78% do PIB, ou seja, cerca de 3 pontos percentuais acima da nova expectativa do Ministério da Fazenda.
A estimativa do BC ainda foi feita com base em um déficit do governo central de R$ 159 bilhões no ano passado, informaram fontes consultadas pelo Valor. No entanto, essa variável não explica, sozinha, uma diferença tão grande entre as duas projeções.
Teto de gastos
Os dados fiscais oficiais de 2017 só serão divulgados pelo Tesouro no próximo dia 30. Mas as projeções de analistas do mercado indicam que houve uma queda real da despesa total da União no ano passado, na comparação com 2016. A Instituição Fiscal Independente (IFI), por exemplo, estima que o gasto total caiu 0,8%, em termos reais.
O mais importante é que as despesas sujeitas ao teto de gasto, instituído pela emenda constitucional 95, ficaram bem abaixo do limite fixado para 2017. O economista do Ipea Sérgio Gobetti, especialista em finanças públicas, estima que o governo gastou cerca de R$ 50 bilhões menos que o limite constitucional, que era de R$ 1.308,6 bilhões. Segundo ele, as despesas sujeitas ao teto teriam ficado em R$ 1.258,6 bilhões.
Embora não tenha revelado o dado oficial sobre o gasto total da União em 2017, uma fonte da área econômica informou ao Valorque, de fato, "a despesa ficou muito abaixo do que estava programado na quinta avaliação bimestral (da receita e da despesa da União)", divulgada pelo governo em novembro. Segundo a fonte, "uma parte relevante dessa economia veio de uma queda não planejada das despesas obrigatórias".
Os dados oficiais vão mostrar que o saldo de restos a pagar deixados para 2018 aumentou muito pouco, na comparação com o ano anterior. Isto significa, segundo a fonte, que "a queda da despesa no final do ano foi real e não efeito de atraso de pagamentos".
Não foi apenas a despesa obrigatória que ficou menor do que estava programado. O governo não conseguiu executar todo o descontingenciamento das dotações orçamentárias que autorizou. Em novembro, a área econômica decidiu descontingenciar R$ 7,5 bilhões e, em dezembro, mais R$ 5 bilhões. A liberação dos recursos demorou e alguns ministérios terminaram se atrapalhando com a burocracia e não conseguiram gastar, explicou a fonte.
Como a queda da despesa obrigatória no fim do ano foi efetiva, é provável que o governo tenha que rever também o gasto previsto para este ano. Este processo poderá reduzir a necessidade ou até mesmo evitar o contingenciamento das dotações orçamentárias deste ano. A decisão do governo sobre esta questão deverá ser anunciada no início de fevereiro.
O teto para este ano foi fixado em R$ 1.348 bilhões, o que representa um aumento de 3% no limite de 2017. O percentual corresponde à inflação de julho de 2016 a junho de 2017, de acordo com critério previsto na emenda 95. É importante observar que a correção de 3% não incide sobre a despesa executada no ano passado, mas sobre o limite de 2017.
Assim, saber quanto a despesa efetiva ficou abaixo do limite constitucional é fundamental para conhecer o espaço que o governo terá neste ano para o seu gasto. Se a despesa ficou mesmo R$ 50 bilhões abaixo do teto, o governo terá uma margem de cerca de R$ 89 bilhões (R$ 1.348 bilhões menos R$ 1.258,6 bilhões) para aumentar o gasto da União neste ano, na comparação com o ano passado.
A conclusão a que se chega é que cumprir o teto de gasto neste ano ficou muito mais fácil.