Valor econômico, v. 18, n. 4429, 25/01/2018. Política, p. A7.

 

 

STJ e STF não poderão rever provas do processo

Adriana Aguiar, Laura Ignacio, Zínia Baeta e Beatriz Olivon

25/01/2018

 

 

Caso a defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva recorra aos tribunais superiores, o mérito da decisão do Tribunal Regional Federal (TRF) da 4ª região não poderá ser discutido. De acordo com juristas, como o Superior Tribunal de Justiça (STJ) e o Supremo Tribunal Federal (STF) não analisam provas, os advogados só poderão questionar pontos relacionadas a nulidades do processo, como o cerceamento de defesa, ou pedir a redução da pena.

Em eventuais recursos especiais (STJ) ou extraordinários (STF) os ministros só poderão avaliar o que juridicamente se classifica de questões de direito.

Segundo o jurista Gilson Dipp, ministro aposentado do Superior Tribunal de Justiça e ex-presidente do TRF-4, o STJ não vai rever provas nem mandar fazer novas. "Não se apaga prova. O que se pode dizer é que determinada prova não poderia ter sido interpretada como foi ou contém nulidade", diz o ministro.

De acordo com ele, a súmula nº 7 do STJ determina que não cabe recurso especial para rever provas. Como explica, o que a Corte fará será a análise do recurso para dizer se com as provas apresentadas ao longo do processo é possível se chegar às mesmas conclusões do TRF-4. O STF, diz, também não revê provas e faz análise semelhante, mas com viés constitucional. "Os tribunais superiores não mudam os fatos nem as provas. Podem dizer que o tribunal [TRF-4] errou ao dar valor à prova que não tem esse valor. E isso muda sentença. Mas é um terreno muito hipotético", diz.

De acordo com o jurista, a análise de provas depende do caso concreto. Mas diz que viu "milhares" de casos enquanto estava no STJ em que a prova foi valorada de forma diferente do tribunal de segunda instância. "Em princípio, não é possível desmanchar provas, mas posso questionar se ela tem o efeito que entendeu o Tribunal".

O criminalista e doutor em direito penal, Carlos Eduardo Scheid acrescenta que os tribunais superiores podem, no entanto, analisar questões de direito que passem pela análise de uma prova ou a discussão se o fato seria criminoso ou não.

Para o professor do curso de especialização de direito constitucional da PUC-SP, João Paulo Pessoa, apenas questões processuais ou que afrontem a legalidade do processo ou constitucionalidade que poderão ser analisados nas instâncias superiores. Nesse caso, como consequência os ministros poderiam apenas diminuir a pena imposta ao ex-presidente Lula ou, caso entendem que existe uma grande ilegalidade, anular o processo para que seja julgado novamente.

Um dos pontos que podem ser levados ao Supremo, por exemplo, segundo Pessoa, é se existiria uma motivação clara para embasar a condenação. Isso porque o artigo 93 inciso IX, da Constituição diz que " todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação".

A depender da defesa, outros princípios constitucionais podem ser evocados como a ampla defesa e o direito ao contraditório, segundo o professor. Seria o caso, por exemplo, de testemunhas chaves que não foram ouvidas na primeira instância ou provas que não foram analisadas ou aceitas. No STJ, o professor afirma que poderão questionar algo com relação à tipificação da pena em que Lula foi enquadrado, por exemplo. "De qualquer forma, esses recursos precisam ser muito bem fundamentados para serem admitidos nos tribunais superiores", diz Pessoa.

De acordo com o criminalista Carlos Eduardo Scheid, a admissibilidade dos recursos especiais e extraordinários, respectivamente do STJ e STF, passam primeiro pelo próprio TRF-4. Se a Corte não aceitá-los, a parte precisa apresentar agravo contra a decisão ao respectivos tribunais superiores que poderão ou não admiti-los. "Os ministros vão analisar se eles preenchem os requisitos legais" diz.

O ex-presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) Sydney Sanches, lembra que para apresentar recurso especial no STJ ou recurso extraordinário no STF, o prazo é de 15 dias, a contar da publicação do acórdão.

Mas, segundo Sanches, não para tratar de fatos ou provas, mas apenas sobre interpretação de lei ou da Constituição, por exemplo, a presunção de inocência. "Contudo, diz Sanches, como esses recursos não têm efeito suspensivo, após o julgamento dos embargos no TRF, a pena de prisão pode ser executada imediatamente

O resultado do julgamento no TRF não causou surpresa entre juristas que entenderam que a condenação ficou dentro do que já era esperado a considerar a jurisprudência do próprio tribunal. "A versão acusatória acompanhou o histórico confirmado pelo tribunal em outros julgamentos", afirma o criminalista Carlos Eduardo Scheid.

"Pelo que já vinha sendo discutido em outros processos que trataram de corrupção da OAS já se aguardava esse resultado", acrescenta o professor de direito constitucional João Paulo Pessoa.