Correio braziliense, n. 19980, 05/02/2018. Política, p. 4

 

Semana delicada para Lula

05/02/2018

 

 

PODERES » Marqueteiros João Santana e Mônica Moura depõem hoje ao juiz Sergio Moro no processo do sítio de Atibaia, cuja propriedade é atribuída ao ex-presidente. Petista é acusado de receber propina de empreiteiras por meio da reforma do imóvel

A situação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva ficará cada vez mais complicada nos próximos dias. Hoje, começam os primeiros depoimentos do marqueteiro João Santana e de sua mulher e sócia, Mônica Moura, ao juiz Sergio Moro, como testemunhas de acusação contra o petista em um processo da Operação Lava-Jato.

O casal assinou acordos de delação premiada no ano passado e foi convocado para dar explicações sobre o processo do sítio de Atibaia (SP), no qual Lula é acusado de receber propinas das construtoras Odebrecht, OAS e Schahin, por meio de reformas do imóvel, que incluíram até pedalinhos com os nomes dos netos do ex-presidente. A planilha com o custo das obras realizadas no sítio foi entregue pelo engenheiro responsável ao juiz Sergio Moro, gira em torno de R$ 700 mil.

Conforme a delação premiada divulgada no ano passado, os marqueteiros —  contratados pelo petista na reeleição de 2006 —  afirmaram que o ex-presidente tinha conhecimento do uso de caixa 2. Eles ainda reconheceram que o pagamento dos respectivos honorários pelo partido foi feito por meio da Odebrecht. Já os advogados de defesa de Lula afirmaram, na ocasião, que o casal mentiu para conseguir benefícios do acordo com a Justiça.

Santana e Mônica, entretanto, não serão os únicos a entregar o petista para o Ministério Público. Ao todo, existem 21 delatores nos processos contra Lula, entre eles o ex-senador petista Delcídio do Amaral e o ex-deputado Pedro Corrêa (PP-PE).

Estão previstos, para as próximas semanas, depoimentos dos ex-executivos da Petrobras Nestor Cerveró e Paulo Roberto Costa, e dos operadores Alberto Yousseff e Fernando Soares, o Fernando Baiano.

Constantemente visitado por Lula e sua mulher Marisa Letícia, além de ser palco de reuniões e  festas familiares, o sítio de Atibaia é um dos seis processos no qual o ex-presidente é réu. O imbróglio jurídico no qual o petista está mergulhado poderá comprometer a candidatura à Presidência nas eleições deste ano.

Na missa de um ano de falecimento da esposa, realizada no último sábado, o ex-presidente discursou dizendo ter “muito mau-caráter” na Justiça, mas negou sentir ódio e derramou algumas lágrimas. A cerimônia religiosa foi realizada no Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, em São Bernardo do Campo (SP), e teve a presença de aliados de Lula, como o senador Lindberg Farias (PT-RJ), o ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad e o ex-ministro das Relações Exteriores Celso Amorim. A ex-primeira-dama morreu vítima de um acidente vascular cerebral (AVC), aos 66 anos.

As declarações de Lula fizeram referência a mais uma derrota do petista na Justiça. Em 24 de janeiro, os desembargadores do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), em Porto Alegre, decidiram, por unanimidade, manter a condenação do ex-presidente determinada pelo juiz Sergio Moro e aumentaram de nove anos e meio para 12 anos e um mês a sentença de prisão.

Delações

Mesmo pipocando delações de corrupção contra Lula e aumentando os riscos de o petista ser preso, ele segue determinado a lançar a candidatura à Presidência da República o quanto antes, aproveitando que está à frente nas pesquisas de intenção de votos. O evento antecipado está marcado para a próxima quarta-feira, em Belo Horizonte, para prestigiar o governador de Minas Gerais, Fernando Pimentel. Alguns integrantes da executiva nacional sugeriram, em reunião realizada na semana passada, que a cerimônia fosse no Nordeste, mas a tese dominante é de que seria um teste de força realizar um ato desse tipo em uma região onde o prestígio de Lula é menor.

12,1 anos

Tempo de prisão determinado pelos juízes do TRF-4 para o petista no processo do triplex

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Torcida para escapar de Fachin

Denise Rothenburg

05/02/2018

 

 

Lula desfila em pré-campanha com um olho nos eleitores, outro no Supremo Tribunal Federal (STF), onde tramita o pedido de Habeas Corpus, pleiteado na última sexta-feira, contra a prisão imediata determinada pelo TRF-4 no fim de janeiro. A expectativa de seus advogados é a de que o ministro relator, Edson Fachin, despache o pedido de liminar diretamente à 2ª turma do Supremo Tribunal Federal. Nesse colegiado, alguns enroscados na Lava-Jato, incluso aí o ex-ministro José Dirceu, garantiram a liberdade por um placar de 3 a 2, sempre contra o voto de Fachin. Porém, é bom os petistas não apostarem todas as fichas na 2ª Turma do STF, uma vez que o relator, depois da soltura de Dirceu, levou o pedido de soltura de outro grão-petista, Antonio Palocci, direto para o pleno do STF.

Quem conhece a tramitação das coisas no Supremo considera difícil que o ex-presidente Lula tenha seu pedido de liminar analisado pela 2ª Turma, porque, tradicionalmente, as liminares são analisadas de forma monocrática pelos relatores. Tomada a decisão, o caso é encaminhado à procuradora-geral da República, Raquel Dodge, para que ela apresente sua análise sobre o mérito. Feito isso, Fachin decidirá se encaminha à 2ª Turma ou diretamente ao pleno. Fachin, pelo menos por enquanto, é senhor do destino do pedido de Lula.

Esse é o único instrumento legal de que Lula pode dispor no momento para evitar a prisão em segunda instância, uma vez que a presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministra Cármen Lúcia, já afirmou que, se depender dela, o plenário da Casa não analisará tão cedo as prisões em segunda instância. O STF já votou esse tema duas vezes e, na última, determinou que a prisão em segunda instância é legal. Entretanto, com a mudança de composição da Corte, não está descartada uma mudança sobre isso no futuro.

2ª instância

Na terça-feira, o ministro Alexandre Moraes levará dois casos sobre esse tema à 1ª Turma, o que pode dar uma pista sobre sua tendência de voto a respeito da prisão em segunda instância. Porém, conforme avaliação de advogados e outros ministros da Corte, os casos são tão específicos que não dá para apostar que Moraes votará sempre assim. Alguns citam as próprias palavras dos advogados de Lula no pedido de HC, em que eles lembram que a prisão em segunda instância é permitida, porém não é obrigatória.

Ainda que Lula consiga evitar a prisão em segunda instância, seus problemas eleitorais não estarão resolvidos. A lei da Ficha Limpa prevê que um condenado em segunda instância não pode concorrer a mandato eletivo. Porém, como o presidente tem direito a recorrer da sentença do TRF-4 aos tribunais superiores, não está descartada uma liminar, uma espécie de salvo-conduto para que ele seja candidato até que o processo vá ao julgamento final. Se Lula for inocentado mais à frente, poderá assumir. Se o processo não tiver chegado ao fim, seus votos não são computados.

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Influência de robôs nas urnas

Marcelo da Fonseca

05/02/2018

 

 

Se a participação de alguns políticos nas eleições deste ano é incerta por causa de embates judiciais ou articulações partidárias, a presença de robôs está garantida. Apesar de o combate ao compartilhamento de notícias — muitas delas inverídicas, as chamadas fake news — por perfis falsos no mundo digital ser apontado como prioridade pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), pesquisadores da Fundação Getulio Vargas (FGV) afirmam que o uso de robôs para difamar adversários ou manipular debates nas redes sociais terá grande influência na busca do voto dos eleitores.

O exemplo da ação de robôs nos embates políticos de 2018 ocorreu este mês. Durante o julgamento do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no Tribunal Regional Federal (TRF-4), de Porto Alegre, os pesquisadores da FGV registraram 1,2 milhão de menções em menos de 24 horas em redes sociais. Foi o evento político de maior magnitude nas redes desde a abertura do processo de impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, em 2016. E a presença dos robôs chamou a atenção.

Foram 35 mil interações disparadas por perfis automatizados. Cerca de 5,5% das menções contrárias ao petista partiram de robôs, enquanto, entre os apoiadores de Lula, foram 5,1%.“A presença detectada de robôs aponta para uma forte utilização dos mesmos durante as eleições com potencial para controvérsias e questionamentos”, avaliaram os pesquisadores.

Mecânica

Desde as eleições de 2014, os pesquisadores da Diretoria de Análise de Políticas Públicas (Dapp), da FGV, acompanham como os robôs são usados para influenciar o debate político. Para entender a mecânica das contas automatizadas para manipular discussões nas redes sociais, o grupo registrou posts feitos durante o período eleitoral, a votação do impeachment, a greve geral de abril de 2017 e durante a votação da reforma trabalhista — além do julgamento de Lula no TRF-4.

“Não tem como evitar o uso de robôs. Esse é um fenômeno que veio para ficar, uma vez que são muitas as formas de interferir no debate usando automatizações. É difícil identificar quem está por trás e muitos provedores estão em outros países, difíceis de se rastrear. E são recursos com baixo custo financeiro, o que torna fácil o uso dos robôs”, observa Amaro Grassi, pesquisador da FGV. Ele avalia, no entanto, que nem sempre são os próprios candidatos os responsáveis diretos pelo uso dos meios clandestinos nas redes sociais. Muitas vezes grupos ideológicos lançam mão dos artifícios de maneira informal.

Apesar de admitir que é impossível impedir a atuação dos robôs, Amaro ressalta que é possível reduzir a interferência manipulada e evitar a disseminação das fake news. “Um conjunto de medidas deve ser adotado. Os provedores das redes sociais e agências reguladoras do ambiente digital podem atuar para inibir essas ações e tentar identificar os perfis falsos. Mas o fundamental é informar os usuários sobre o que está acontecendo, para que ele avalie a que tipo de informação está tendo acesso e o que vale a pena compartilhar”, explica o pesquisador.